Como preparar um almoço bêbado
Manual prático para gourmets embriagados
Domingo. Acorda-se com aquela coragem líquida ainda circulando no sangue e um leve zunido na cabeça – tipo mosquito que se apaixonou por sua orelha. O sol arde, a casa gira levemente como um carrossel de parque público vencido, e então surge a ideia genial: "Hoje vou cozinhar!"
Não importa que você confunda cominho com fermento em pó, alho com dente de leite, ou que tenha colocado a garrafa de pinga no lugar do óleo da cozinha. Você está inspirado. E embriagado. Mas isso é só um detalhe técnico.
Passo 1: O uniforme do chef
Antes de mais nada, vista-se adequadamente: bermuda de praia, chinelo de um pé só e, por segurança alimentar, luvas de jardinagem. Se estiver frio, complete com aquele roupão felpudo do tempo em que acreditava em meditação e amor universal. Ah, e não se esqueça de guardar seus sapatos no freezer. Você vai entender depois. Ou não.
Passo 2: O ingrediente principal – a galinha
Toda boa receita tem seu protagonista. No seu caso, é a galinha Caetana, que você comprou ontem viva, num acesso de "naturalismo". Como não faz ideia de como matá-la (graças a Deus), decide dar um banho nela na pia do banheiro, com sabonete de lavanda e um pouco de amaciante no final – "pra tirar o cheiro de roça".
A galinha, agora mais cheirosa que você, é libertada por acidente e começa a passear de toalhinha pela sala, ciscando o tapete e bicando o controle remoto. Bica também sua unha encravada, mas são coisas da natureza.
Passo 3: O tempero da alma (e do fígado)
Chegou o momento da alquimia, que vai parecer mais um feitiço: temperar. Pega sal, pimenta, cerveja, vinagre, e, no embalo, joga também umas balas de menta, um sachê de ração do gato e duas folhas de louro colhidas da samambaia da sala.
A galinha ainda está viva, observando tudo com olhos espantados. Você considera convidá-la para o almoço, como amiga e não como prato principal.
Passo 4: Hora da panela – ou quase
Você liga o forno, esquece a porta aberta, e vai procurar a panela. Encontra uma bacia de lavar roupa e pensa: "Serve!". Coloca tudo lá dentro: arroz, linguiça, bolacha Maizena, meio limão usado e uma nota de cinco reais (ainda não sabe como ela foi parar ali).
Enquanto isso, o alarme de fumaça apita. Você joga desodorante no ar, achando que isso resolve.
Passo 5: Hora de servir
A galinha agora senta no sofá e parece estar curtindo o narigão de Luciano Huck. Você, animado, monta a mesa com talheres de plástico, um vaso de flores falsas e um copo com gelo, vodka e suco de beterraba.
A visita chega: sua sogra. Ela entra, para no meio da sala, observa o caos e pergunta:
— Que cheiro é esse?
Você responde com orgulho:
— É minha assinatura gourmet. Tá tudo bêbado, inclusive o frango. Ah, desculpe a falta de boas maneiras: minha sogra, esta é a Caetana. Caetana, minha... Cunhada, né?
Ela não responde. Apenas encara a galinha no sofá, pega a bichinha no colo e diz:
— Vem, Caetana. Aqui não é lugar pra você.
E vai embora com ela nos braços, como se resgatasse uma sobrevivente de um reality show gastronômico de guerra.
Você, comovido pela cena, serve-se de um prato de arroz crocante (leia-se: queimado) e bebe mais um gole da sua mistura de vodka com beterraba, enquanto pensa:
"Ano que vem, vou abrir um restaurante. E a Caetana vai ser minha sócia." E bebe mais um pouco.