Sobre revisão de textos

SOBRE REVISÃO DE TEXTOS

Miguel Carqueija

 

A revisão de textos é uma função por demais importante nos tempos atuais, pois muita gente que escreve principalmente na internet, ressente-se de grande desconhecimento em questão de gramática e ortografia. O erro de tempo verbal e concordância é muito comum, ou palavras escritas com graves erros ortográficos. Também é muito comum trocar-se “iminente” (prestes a acontecer) por “eminente” (importante). O uso de abreviações arbitrárias – “q” por “que”, “vc” por “você”, “pq” por “porque”, “tbm” por “também” – é outra falha muito frequente. Tolerável em comunicações particulares, não se deveria praticar em textos públicos, literários.

Convém ressaltar que uma coisa é revisar romances, novelas, contos, poesias, crônicas, outra coisa é revisar textos altamente técnicos e com jargão especializado. Isso é muito mais difícil.

Um cuidado que todo revisor deve tomar está em não corrigir palavras certas e colocar coisa errada em seu lugar. Seria um desserviço. Isso me faz lembrar um caso que não envolve serviço de revisão, mas que o saudoso Dom Ireneu Pena, monge beneditino, me contou. Ele estava ouvindo um noticiário radiofônico e o locutor a certa altura falou sobre um navio que estava “afundado” na baía (de Guanabara). Explicou-me Dom Ireneu que o navio não estava afundado coisa nenhuma, estava fundeado. O que deve ter acontecido é que o radialista não conhecia o termo “fundeado”, achou que estava errado na folha da notícia e disse a palavra mais próxima que ele conhecia. E foi assim que um locutor de rádio “afundou” um navio na Baía de Guanabara.

Também lembro de um artigo que saiu em “O Globo” na década de 1970, quando Alfred Hitchcock estava lançando um novo filme nos Estados Unidos, “Torn curtain”, que ainda não tinha título em português e posteriormente teve seu título original traduzido literalmente entre nós, ou seja, “Cortina rasgada”. Ora, o artigo provavelmente era norte-americano, e sabem como traduziram para publicar no jornal brasileiro? Preparem-se: “O pano de fundo arrancado”.

Tem gente que só complica...

Eu aconselho aos revisores, ler o que estão revisando. Não revisem automaticamente, como máquinas. Se for um conto , novela ou romance, é preciso buscar entender o enredo porque eventualmente pode haver alguma omissão no texto, alguma coisa que não faça sentido. Em certos casos é preciso inclusive contatar com o autor: “Você escreveu isso mesmo? O que significa? Parece que estão faltando algumas palavras”.

O revisor não pode adivinhar coisas não-óbvias. Na pressa de digitar o autor pode ter de fato engolido algum trecho; para discernir isso é preciso ler de fato o texto em revisão!

Um problema parecido eu deparei no tempo em que me encontrava impossibilitado de datilografar (lógico isso foi quando ainda se usava máquina de escrever) porque a minha mãe não tolerava o barulho da máquina e eu era obrigado a pagar uma garota para datilografar para mim. Havia um conto meu que começava assim: “Quando a pane nos atingiu...” Tratava-se de uma viagem espacial. Mas ela não entendeu o manuscrito e tascou: “Quando a fome nos atingiu...”

Eu insistia em que a datilógrafa devia ler o texto que datilografava, isto é, ler no sentido de entender o enredo. Assim, mesmo que tivesse dificuldade de entender minha letra (que por sinal não é letra ruim) não iria colocar coisa sem sentido. Não havia justificativa alguma para a palavra “fome”.

Agora falemos da revisão em si. Basicamente há duas maneiras: diretamente na folha impressa em computador, aí a gente usa caneta vermelha. O verso pode ser utilizado para recados ao autor.

Hoje em dia é muito mais comum a revisão em tela, mediante o envio do arquivo.

Você tem que ler linha por linha, prestar atenção não só nas palavras mas também na pontuação e acentuação. Localizando algum erro, você destaca em vermelho após fazer a correção.

Como exemplo peguemos aquela frase de José de Alencar que encerra o romance “Iracema”: “Tudo passa sobre a terra”.

Suponhamos que, revisando esse livro, você depara com a frase digitada assim:

“Tudo passa sobre a terrra.”

Você então apaga um “r” que está sobrando, destaca a palavra “terra” corrigida em vermelho, e salva.

“Tudo passa sobre a terra.”

Quando você devolver o arquivo, o autor cotejará em seu arquivo original todos os trechos que estiverem em vermelho no texto devolvido. E assim o autor fará as correções em seu arquivo.

Atenção: não se trata só de erros de grafia, mas de espaçamento também. Uma palavra junto da outra, você tem que separar. Assim: “o automóvelseguia...” Dê o espaço e destaque as duas palavras: “o automóvel seguia...”

Veja bem, você não precisa salvar a cada palavra consertada. É recomendável salvar cada página completada, pois pode acontecer algum imprevisto como uma queda de luz. Se você não tiver salvo, terá de fazer de novo.

Para agilizar o serviço — pode haver questão de prazo — você pode ir remetendo cada capítulo corrigido, não precisa terminar tudo e enviar tudo de uma vez. Claro, isso é coisa a combinar com o autor.

Você deve ter bom conhecimento de gramática, mas em caso de dúvida (afinal de contas o idioma português possui um número imenso de vocábulos pouco conhecidos) consulte o dicionário.

A gente percebe quando um livro não foi revisado. Ou não recebeu boa revisão. Os erros crassos parece que saltam das páginas. Portanto, faça o seu serviço de forma conscienciosa.

Rio de Janeiro, 29 e 30 de janeiro de 2023.

 

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