ANÁLISE ACADÊMICA DOS PRINCIPAIS GÊNEROS TEXTUAIS
Os gêneros são instrumentos que fundem a possibilidade de comunicação em formas relativamente estáveis tomadas por enunciados em situações habituais, são entidades culturais intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de linguagem. Os gêneros estão presentes em cada esfera da atividade humana. Em cada uma delas, há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamente, em uma situação definida por uma série de parâmetros, com a ajuda do instrumento gênero, que é um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos. (Definição de gênero baseada em BAKHTIN (1953/1997); SCHNEWLY & DOLZ (1987) e LOUSADA (2005).
Caracterização textual da narração:
Relata fatos;
Presença de narrador, personagem, enredo, cenário, tempo;
Apresentação de um conflito;
Uso de verbos de ação;
Geralmente, é mesclado de descrições;
O diálogo direto é freqüente.
Exemplo:
Apólogo: Um Sonho de Conhecimento
Era uma linda manhã, os pássaros cantavam, as flores sorriam, exalando a sua essência de vida por meio de seu perfume. Estávamos presenciando o desabrochar dos grandes segredos da existência, que naquele instante se encontrara pertinho de nós.
Lá fora, pelas vistas da janela víamos contentemente tão maravilhosas belezas. Foi, então, que muitos de nós percebemos que ali havia uma vasta biodiversidade. Começamos a questionar.
Se realmente sabemos de tudo acerca de todas as ciências e formas de conhecimentos descobertos pelo ser humano. Muito embora, estávamos enclausurados na biblioteca, resmungando bastante:
---- Somos livros conhecedores de quase tudo, disse o livro de Crítica Moderna.
---- Você está errado, respondeu o livro de Filosofia.
---- Estou certo! Porque não conhecemos como queríamos o verdadeiro significado de ser livros.
---- Queria, pois, sair dessas esbarrocadas estantes. Para seguir meu sonho.
__ Faça isto agora!
---- Não sei. Tenho receio de seguir esse novo caminho, que é o de sair livremente e desfrutar da natureza.
---- Por você ser tão pessimista poderá perder tal sonho.
---- Talvez... Talvez...!
Se você não quiser que aconteça com você a mesma história do personagem do Livro de Filosofia, então, corra atrás de teus sonhos, jamais desista, persista sempre.
“Seja qual for o seu sonho – comece. Ousadia tem genialidade, poder e magia”.
F.G.O. S
Conto: Apelo
“Amanhã faz um mês que a senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa da esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com dias, senhora, o leite pela primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos.
Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das primeiras brigas por causa do tempero na salada – o meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham.
Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
(TREVISAN, Dalton. In: Bosi, A. (Org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1997).
Crônica: bem
“É verdade que o mundo moderno na maioria das vezes transforma nossa vida num inferno. Mas há exceções. Por exemplo:
Descobrir que o elevador já está no seu andar. Comida de restaurante entregue em casa – de preferência de bacalhau a lagareira numa tarde chuvosa de domingo. Água de geladeira. Pacote cheio de sorvete que você tinha esquecido no congelador. Álias, como era possível a vida antes do sorvete?
[...]
Um bom sofá macio. Uma longa chuveirada. Dia em que não se tem que fazer absolutamente nada. Uma brisa fresca inesperada em meio a um dia quente.”
(CARNEIRO, João Emanuel. In: Veja/RG, 25 set. 2002).
Romance: Vidas secas
“--- Fabiano, você é um home, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e SOS cabelos ruivos, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Outro em torno, com receio de que, fora os meninos alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
--- Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.”
(RAMOS, Graciliano. Vidas Secas).
Caracterização textual da dissertação:
Estruturas básicas: introdução, desenvolvimento e conclusão;
A questão polêmica deve estar clara no texto;
Deve haver discussão, com argumentos consistentes, em torno desse assunto;
O texto deve trazer argumentos favoráveis e contrários à questão abordada;
A produção deve indicar dados de pesquisa, informações para sustentar a posição do autor;
Traz pontos de vista de especialistas no assunto polêmico, que fortalecem a argumentação.
Ao ler o texto identifica-se a boa articulação dos argumentos convencendo o leitor de seu ponto de vista;
Deve ser imparcial, coerente e coeso e despertar para uma reflexão.
Exemplo:
Dissertação-argumentativa: A melhor formação profissional
Alguém disse que um especialista é uma pessoa que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. A frase é engraçadinha, porém errada. Cadê o especialista que só sabe de um assunto? Certamente, não está nos empregos mais cobiçados.
Dentre as ocupações valorizadas e mais bem remuneradas, há duas categorias. A primeira é a dos cientistas, engenheiros e muitos outros profissionais, cuja preparação requer o domínio de técnicas complexas e especializadas - além das competências "genéricas". Ninguém vira engenheiro eletrônico sem longos anos de estudo. Mas pelo menos a metade das ocupações que requerem diploma superior exige conhecimentos específicos limitados. Essas ocupações envolvem administrar, negociar, coordenar, comunicar-se e por aí afora. Pode-se aprendê-las por experiência ou em cursos curtos. Mas somente quem dominou as competências genéricas trazidas por uma boa educação tem a cabeça arrumada de forma a aprendê-las rapidamente. Por isso, nessas ocupações há gente com todos os tipos de diploma. Nelas estão os graduados em economia, direito e dezenas de outras áreas. É tolo pensar que estão fora de lugar ou mal aproveitados, ou que se frustrou sua profissionalização, pois não a exercem. É interessante notar que as grandes multinacionais contratam "especialistas" para posições subalternas e, para boa parte das posições mais elevadas, pessoas com a melhor educação disponível, qualquer que seja o diploma.
A profissionalização mais duradoura e valiosa tende a vir mais do lado genérico que do especializado. Entender bem o que leu, escrever claro e comunicar-se, inclusive em outras línguas, são os conhecimentos profissionais mais valiosos. Trabalhar em grupo e usar números para resolver problemas, pela mesma forma, é profissionalização. E quem suou a camisa escrevendo ensaios sobre existencialismo, decifrando Camões ou Shakespeare pode estar mais bem preparado para uma empresa moderna do que quem aprendeu meia dúzia de técnicas, mas não sabe escrever.
A lição é muito clara: o profissional de primeira linha pode ou não ser um especialista, dependendo da área. Pode ou não ter a necessidade de conhecer as últimas teorias da moda. Mas não pode prescindir dessa "profissionalização genérica", sem a qual será um idiota, cuspindo regras, princípios e números que não refletem um julgamento maduro do problema. Portanto, lembremo-nos: especialista não é quem sabe só de um assunto, e ser profissional não é apenas conhecer técnicas específicas. O profissionalismo mais universal é saber pensar, interpretar a regra e conviver com a exceção.
(MOURA e CASTRO, Claúdio. O sofisma da especialização. Veja: Ponto de Vista, 04 de abril de 2001).
Artigo de opinião: O ouro e as águas
Ora, afinal parece que a humanidade está descobrindo que este nosso planeta é uma galinha de ovos de ouro que ela estupidamente vem matando. Quem, nos tempos antigos, pensaria num grande rio morto?
Mas nestes nossos tempos só se ouve falar em rios mortos - rios famosos através da história e das artes, fontes de vida, geradores de cidades ilustres, nascidas às suas margens. O Sena, o Tâmisa, o Reno, o Arno, o Tigre e quantos outros de tão poluídos, já se consideravam mortos. Não havia mais peixes nas suas águas corrompidas por toda espécie de lixo humano.
A linfa, dantes límpidas, onde bebiam os heróis, era agora tão impura que até os bichos a rejeitavam. Deixou de abastecer as populações ribeirinhas e de regar as culturas, pois até as plantas nobres recusam-se a crescer regadas por tais águas peçonhentas.
No Brasil, o Paraíba, o Tietê, o Capibaribe também viraram rios mortos. As lagoas - eu mesma cheguei a pescar, nas décadas de 30 e 40, grandes e belas e comestibilíssimas taínhas, criadas na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Hoje a nossa lagoa é uma imensa cloaca, onde nem os peixes vis, como as savelhas, conseguem sobreviver e morrem, às toneladas.
Mas não bastavam rios e lagos - chegou a vez do mar. Sim, até mesmo o Oceano se conseguiu poluir. A idéia do mar era tão estranha aos conceitos humanos, que recordo o nosso sorriso indulgente, ouvindo de uma senhora nervosa, durante os afundamentos de navios, ao tempo da 2.ª Grande Guerra: "Não deixo filho meu tomar banho nesse mar. Tem muito cadáver afogado lá dentro!"
E hoje, o petróleo, derramado no mar, aos milhares de toneladas, deixa longe os velhos massacres dos submarinos.
Felizmente os homens, e especialmente os jovens, resolveram reagir, e as campanhas que promoveram conseguiram impressionar autoridades. Travou-se então uma luta bonita: Vamos despoluir o mundo!
Começou-se pelos rios. Ao que se sabe, o primeiro socorrido foi o Tamisa; e dentro em pouco tempo estavam-se pescando formosos e saudáveis salmões dos parapeitos dos cais de Londres.
Veio depois o Sena em Paris. No cais Louis Bléroit eu vi com meus olhos um nativo levantando em triunfo uma embiricica com cinco peixinhos - pareciam lambaris. Não estaria o homem mais feliz se pescasse uma moeda romana naquela corrente histórica.
Aqui no Brasil, há 200 anos, os farejadores de ouro descobriram que, sob a correnteza do Rio Corumbá, havia ouro e pedras. Então, penosamente, a braço de homem, conseguiram desviar o rio do seu leito, deixando nuas e secas as pedras que a cachoeira encobria desde o começo do mundo.
Passaram-se tantos anos, até o dia em que os goianos resolveram resgatar o crime. Com máquinas modernas reabriram o velho curso do rio emparedado e de repente a cachoeira saltou do alto dos seus 60 metros, com a força e a alegria do passado. Pelo que me contam, continua assim, até hoje, benza Deus!
E agora, uma esperança; quem sabe, daqui a uns anos, quando os novos recursos energéticos dispensarem as hidrelétricas, a gente poderá arrombar a barragem de Itaipu e recuperar as nossas nunca esquecidas Sete Quedas?
Raquel de Queiroz
Artigo editorial: A Ferro e Fogo
Passado o Carnaval e passado o delírio dos motins em massa nas prisões, um velho tema voltou a ocupar seu lugar no panorama geral da violência brasileira: o das chacinas. Cinco mortos, de uma só vez, num bairro da Zona Sul de São Paulo, engordaram a estatística das chacinas. É a quinta chacina deste ano, com um total de 25 vítimas. No ano passado, houve 95 chacinas em São Paulo, estado que passa a ser recordista no gênero, mostrando a verdadeira face da violência embutida no inchaço demográfico.
As chacinas se sucedem como se fossem a doença incontrolável das cidades grandes. Elas existem, ampliadas pela lente da impunidade, porque as quadrilhas se sentem seguras para praticar sua própria justiça paralela. Elas se tornaram o símbolo de uma era de descontrole social. No início dos anos 90, havia outro tipo de símbolo a marcar com ferro e fogo a imagem do Brasil. Eram os linchamentos que eclodiam em vários estados, mas sobretudo na Bahia, de onde se projetaram para o mundo. Segundo o Le Monde, com clara ironia, os linchamentos eram o ''esporte predileto do brasileiro'' - um tipo de violência que se transforma em espetáculo público.
As chacinas dos últimos tempos também merecem o beneplácito da sociedade, entre outras coisas por falta de vontade social de condená-las. Em meados dos anos 90 a doença atingira também o Rio de Janeiro, embora adquirindo feição diferente: foi quando ocorreu a chacina de Vigário Geral, na qual policiais ligados ao grupo dos Cavalos Corredores levantaram a bandeira da violência coletiva e indiscriminada. Os chacinadores se mostraram elos indiscutíveis entre a polícia, o jogo do bicho e a política, tudo elevado à potência do delírio.
Nenhuma violência se expressa de maneira singular. Há sempre fatores sociais e econômicos a emoldurá-la. O pano de fundo das chacinas, como em outra época dos linchamentos, é a maioria absolutíssima de crimes que permanecem impunes. No Rio, a percentagem de crimes impunes chega a 90%, o que significa na prática a ausência quase completa de investigação. Se não há investigação, não há processo. Quando não há processo ou há processo mal desenvolvido, impera inevitavelmente a impunidade.
As cadeias superlotadas, onde convivem em promiscuidade ociosa prisioneiros culpados de todos os tipos de crimes, sem qualquer critério seletivo, tornaram-se o caldeirão final de toda esta confusão. Em geral, dos inquéritos recebidos pela Justiça um terço é mandado de volta para investigações e um terço é arquivado por falta de provas - sinônimo da incompetência policial.
O sistema penitenciário faliu e faz água por todos os lados. Ainda por cima existem 175 mil mandados de prisão para serem cumpridos no Brasil, rondando como espectros a sociedade. Serão as chacinas o novo ''esporte predileto'' do brasileiro na passagem do século?
Jornal do Brasil. 05/03/01.
Carta-argumentativa
Russas-Ce, 28 de junho de 2007.
Prezada revista época,
Adorei a reportagem sobre “O Negócio é a China”, uma vez que faz um relato convincente, no qual percebemos que investir em educação pesadamente e em industrialização podem, de fato, resolver muitos problemas que a população enfrenta cotidianamente.
É notável, pois, o seu desenvolvimento tanto tecnocientífico como econômico; já que mantêm uma grande relação comercial com muitos países, inclusive o Brasil. O fato de ser a nação mais populosa do mundo, apresentando um crescimento vertiginoso anualmente em sua economia. Tem, evidentemente, chamado à atenção de muitos empresários de outras nações para se investir no país.
Para tanto, seu assustador crescimento como potência competitiva têm segredos que não são desconhecidos, dentre eles: salários baixos, mercado interno de dimensões continentais e o generoso incentivo do governo à exportação.
Vale ressaltar que politicamente permanece centralizada apenas a uma pequena oligarquia familiar, não aceitando; portanto, que os grupos chineses submirjam-se ao “centralismo político” praticado pelo governo.
Atenciosamente,
F.G.O. S
Caracterização textual da descrição :
Procura representar com palavras um objeto – uma coisa – uma pessoa, uma viagem, um sentimento, entre outros;
Descrever esses traços específicos fundamentalmente por meio da percepção sensorial: visão, tato, audição, olfato, e paladar;
Requer objetividade em traçar um perfil seja material, físico ou psicológico;
Apresenta uma linguagem com estaticidade, ou seja, com ausência de movimento ou ação, sendo; pois, sua função predominante traçar a presença dos nomes (substantivos) e dos atributos que o caracterizam (adjetivos e locuções adjetivas);
As descrições privilegiam as frases nominais, os verbos de estado (e não os de ação) e o pretérito imperfeito do indicativo (e não o pretérito imperfeito);
Utiliza-se de recursos retóricos (comparações e metáforas) destinados a caracterizar os objetos, a partir de semelhanças com outros objetos.
São classificadas objetivas e subjetivas ;
Exemplo:
Texto descritivo
Ela possuía a dignidade do silêncio. Seu porte altivo era todo contido e movia-se pouco. Quando o fazia, era como se estivesse procurando uma direção a seguir; então, encaminhava-se diretamente, sem desvios, ao seu objetivo.
O cabelo era louro-dourado, muito fino e sedoso, as orelhas pequenas. Os olhos tinham o brilho baço místico. Pareciam perscrutar todos os mistérios da vida: profundos, serenos, fixavam-se nas pessoas como se fossem os olhos da consciência, e ninguém os agüentava por muito tempo, tal a sua intensidade. O olho esquerdo tinha uma expressão de inquietante expectativa.
Os lábios, de rebordos bem definidos, eram perfeitos e em harmonia com o contorno do rosto, de maças ligeiramente salientes. O nariz, quase imperceptível na serenidade meditativa do conjunto. Mas possuía narinas que se dilatavam nos raros momentos de “cólera sagrada”, como costumava definir suas zangas.
A voz soava grave e profunda. Quando irritada, emergia rascante, em estranha autoridade, dotada de algo que infundia respeito. Tinha um pequeno defeito de dicção: arrastava nos erres por causa da língua presa.
A mão esquerda era um milagre de elegância. Muito móvel, evolucionava no ar ou contornava os objetos com prazer. No trabalho, ágil e decidida, parecia procurar suprir as deficiências da outra, dura, com gestos mal controlados, de dedos queimados, retorcidos, com cicatrizes.
Cumprimentava às vezes com a mão esquerda. Talvez por pudor, receoso de constranger as pessoas, dirigia-se a elas com economia de gestos. Alguns de seus manuscritos eram quase ilegíveis. Assinava com bastante dificuldade, mas utilizava ambas as mãos para datilografar.
Era profundamente feminina, exigia e se exigia boas maneiras. Bem cuidada no vestir, vaidosa, mas sem sofisticação.
Nunca saía sem estar maquilada e trajada às vezes com algum requinte, turbante, xale, vários colares e grandes brincos. O branco, o preto e o vermelho eram uma constante em seu guarda-roupa.
O batom geralmente era de tom rubro forte, o rímel negro, colocado com sutileza, aumentava a obliqüidade e fazia ressaltar o verde marinho dos olhos. Indiscutivelmente era mulher interessante, de traços nobres e, talvez, inatingível.
Quanto à afetividade, acreditava que, quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importando brigas e desentendimentos.
Ambicionava viver numa voragem de felicidade, como se fosse sonho. Teimosa, acreditava, porém, na vida de todos os dias.
Defini-la é difícil. Contra a noção de mito, de intelectual, coloco aqui a minha visão dela: era uma dona-de-casa que escrevia romances e contos.
Dois atributos imediatamente visíveis: integridade e intensidade. Uma intensidade que fluía dela e para ela fluía. Procurava ansiosamente, lá, onde o ser se relaciona com o absoluto, o seu centro de força – e essa convergência a consumia a fazia sofrer. Sempre tentou de alguma maneira solidarizar-se e compreender o sofrimento do outro, coisa que acontecia na medida da necessidade de quem a recebia. O problema social a angustiava.
Sabia o quanto doíam as coisas e o quanto custava a solidão.
São muitos “mistérios” que os olhos de alguns a transformaram em mito. Simplesmente, porém, em Clarice não aparecia qualquer mistério. Ela descobria intuitivamente o mistério da vida e do ser humano; em compensação, era capaz de dissimular o seu próprio mistério.
(BORELI, Olga – Clarice Lispector, esboço para um possível retrato – texto adaptado – Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1981).
Obs: este meterial é parte do meu estudo em Gêneros Textuais direcionado para a prática pedagógica de ensino e aprendizagem de Produção Textual em sala de aula.