Mediação e arbitragem comunitárias como construção da cidadania

 

 

A enorme concentração de demandas no Judiciário brasileiro tem contribuído para a morosidade dos andamentos processuais. Em muitas ocasiões, as partes em litígio desconhecem a possibilidade de resolver seus problemas contenciosos por meio de mecanismos extra-judiciais, como a mediação e a arbitragem. Assim, milhões de indivíduos nem sequer são informados de que eles mesmos podem atuar na solução de conflitos, em determinadas circunstâncias, como artífices na construção de sua própria cidadania. A prática da arbitragem é algo que pode ser bastante estimulado nas comunidades em geral, segundo o autor Petrônio Muniz, com o objetivo de implementar “uma forma alternativa para a solução de disputas, com origem em pacto privado, através do qual as partes interessadas, expressa e voluntariamente, concordam em submeter suas controvérsias a uma pessoa autorizada a decidi-la (...)”[1]

De acordo com o art. 1º da Lei 9.307/96, as pessoas capazes de contratar podem valer-se do juízo arbitral para dirimirem conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Já o artigo 13 da supracitada lei prescreve que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz, a qual tenha a confiança das partes em contenda.  O rol de indivíduos aptos à escolha e à prática do método de arbitragem, portanto, é muito amplo e precisa ser do conhecimento da sociedade como um todo. Dessa forma, podem ser oferecidos cursos de arbitragem às comunidades brasileiras, sobretudo às mais carentes, com o escopo de formar cidadãos preparados para a solução de conflitos pela via arbitral, promovendo-se a cidadania. 

Analogamente a projetos como o da Justiça Comunitária[2], é necessário viabilizar atividades que estimulem os indivíduos a serem artífices na resolução de seus próprios conflitos, dentro das possibilidades legais, é claro. O referido projeto Justiça Comunitária, já implementado por diferentes tribunais no Brasil, visa a capacitar agentes comunitários para mediarem a solução de litígios em seu próprio bairro ou comunidade, além de prestarem assistência às pessoas que busquem orientações jurídicas.  O Estado brasileiro pode ampliar o já aludido projeto Justiça Comunitária, além de estabelecer um programa social chamado de Arbitragem Popular, por meio da formação sistemática de árbitros em comunidades de todo o País. Para se alcançar esse fim, embora difícil, os órgãos da Justiça, em parceria com organizações governamentais ou não, devem fornecer cursos profissionalizantes direcionados ao estabelecimento de juízos arbitrais populares. 

              As atividades desses juízos estariam sob a coordenação de membros do Judiciário, que realizariam os cursos de arbitragem e aplicariam provas para a escolha dos árbitros populares, os quais seriam filiados à Associação Brasileira de Árbitros e Mediadores (ABRAME). Essa associação foi criada em 1995, com o objetivo de formar negociadores, mediadores, árbitros e conciliadores, cuja finalidade primordial em situações de conflito é a de “tentar, pela conscientização e pelo diálogo, proporcionar uma real compreensão do problema e dos interesses envolvidos”
[3].

 Assim, os juízos arbitrais populares seriam direcionados à composição das lides sobre direitos patrimoniais disponíveis, de modo a seguirem os trâmites da Lei 9.307/96. Tais juízos tendem a reduzir o número bastante expressivo de demandas no Judiciário e, sobretudo, nos Juizados Especiais Cíveis estaduais, que já não são tão céleres como almejava a Lei 9.099/95. Saliente-se ainda que, conforme prescreve o artigo 31 da Lei 9.307/96, a sentença arbitral produz entre as partes os mesmos efeitos das sentenças judiciais, constituindo título executivo. Mediante tal preceito normativo, pode ser assegurado o cumprimento dos pactos e das decisões arbitrais.


              Apesar dos diversos empecilhos de cunho social e econômico que se interpõem para a viabilização dos juízos arbitrais populares, é necessário mudar a idéia intrínseca à cultura jurídica brasileira de que todas as lides só podem ser apreciadas pelo Judiciário. Nesse sentido, as faculdades de Direito e outras instituições educacionais devem fornecer aos indivíduos a disciplina “Arbitragem e Mediação” como parte indispensável de seus currículos. Os cidadãos, em geral, precisam ser bem informados sobre os diferentes mecanismos para o equacionamento de suas demandas. 

Ademais, toda a sociedade precisa se conscientizar de que, em muitas circunstâncias, a Justiça é uma via para as apreciações de litígios, e não a única possível ou exclusivamente viável. A arbitragem comunitária constitui, ainda nesse sentido, uma preponderante via para a concretização de alguns direitos fundamentais que, conforme explanações de Jürgen Habermas, “resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação”[4]

Assim, a mediação e a arbitragem devem constituir mecanismos aptos à edificação da cidadania coletiva, de tal modo que os indivíduos possam comprometer-se com o equacionamento de lides em suas respectivas comunidades.

 


 

 



[1] MUNIZ, Petrônio R.G. A prática da arbitragem. In: CASELLA, Paulo Borba (org.). Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. São Paulo: LTr, 1999, p. 97-98.

[2] Vide mais informações sobre o projeto Justiça Comunitária no site:< www.tj.ms.gov.br>. 

[3] ABRAME.  Quem somos ? Disponível em: <http//: www. abrame.com.br>.

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[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – entre facticidade e validade, vol. I.  Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2003, p. 159.