AMOR E GRATIDÃO

O espiritual maior parece que se manifesta pela boca de quem quer saudar o mistério do outro. Este é o amoroso enigma resultante de suas próprias vivências e cicatrizes. Também é o registro daquelas insondáveis sequelas que vê estampadas no outro vivente.

Este mistério é o da celebração que o Cristo faz com o pão e o vinho na tradição bíblica. A liturgia do agradecimento por estarmos vivos e saudando a própria vida – o redivivo espiritual – o nosso cerne invisível.

Os poetas não vieram somente para falar da Beleza do mundo, mas para dizer verdades insólitas, que nem sempre são bem entendidas. Recados havidos assim são sementes espargidas com a bênção sempre lírico-amorosa de quem sabe que a caminhada pelo plano terreno não é fácil.

São aquelas “... pedras no meio do caminho” das quais nos fala Drummond de Andrade, soando na memória culta e popular desde 1928, no seu famigerado “Poema da Pedra”, dádiva intelectual tão mal compreendida por quem não gosta de pensar.

É necessário sujar-se de temores e medos, enlamear-se de coletividade para poder vislumbrar o irmão.

Não basta ao homem acumular méritos e loas. Estes nem sempre nascem de um coração agradecido. Muitas vezes pretendem, com homenagens e títulos, o condão benfazejo do futuro e suas eventuais benesses. Porque há pessoas que só pensam em objetivos que lhes tragam ganhos. E tudo o que fazem têm este norte.

Observemos a mais humana das condutas: família, preservação da espécie e postergação do eventual patrimônio material e imaterial.

Crianças, quase sempre, são instrumentos perfeitos para a concórdia entre pais e filhos. Mas somente quem teve a bênção dolorosa do parto realmente pode aferir a beleza dessa flor que desabrocha.

No entanto, a adoção destas promessas de vida digna pode ser instrumento tão ou mais útil para pai e mãe. O agradecimento na boca do filho adotivo nem sempre se faz verdade. É um outro ser que esteve à disposição do mundo e suas diferenças. O ornato do agradecimento talvez nem tenha chegado ao coração do adotando.

Gratidão é bem que não se encontra com facilidade no mundo da competição desenfreada da sociedade de consumo. Só quem é capaz de doação pessoal pode vir a permitir ao outro benemérito a fruição do impalpável gesto em que a gratidão se materializa.

Resta apreendermos a lição de como o Altíssimo se manifesta, como Ele se faz verdade tão simples e humana, que pode vir a ser compreendido pelos mortais.

É necessário saudar e louvar o Onipotente que se expressa no poema, porque ele nunca é sacrílego, por mais amarga que seja a sua lavratura. Por mais severa que seja a palavra ou o Verbo que, às vezes, se assemelha ao impropério dito na hora da raiva ou na da indignação.

A boca do poeta é o conchavo entre o mosto e o vinho. Para vir a ser a bebida dos deuses, o doce néctar das uvas transpira no amargor do fel.

O sal do agradecimento é a lágrima, mesmo que ela não role nas aparências do rosto. Porque nem sempre o coração transpira na face.

Por dentro, lá no fundinho dos neurônios, quando bondosas cabeças reconhecem os ditos e os feitos de um vivente, o coração recebe a necessária dose de pureza para o dia seguinte.

Este é o bem maior da Poesia e de sua escritura: cantar o humano e sua passagem.

– texto lido na sessão festiva da AALZON, em 13Jul2007, comemorativa dos três anos da Associação de Arte e Literatura da Zona Norte de Porto Alegre, ocasião em que o autor desta peça literária foi declarado MEMBRO HONORÁRIO.

– Esta peça serviu, identicamente, para saudar e agradecer a recepção com que a comunidade e os autores associados à Associação Chapecoense de Escritores – ACHE, de Chapecó/SC, receberam o autor em 23Jul2007.

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/563811