TODO CORAÇÃO É ANALFABETO

Cuidado! O tal de coração figurativo é analfabeto, não escreve nem faz poemas, e sim a cuca é quem registra o que sentes ou pensas. Esta história de "coração" falante é coisa de amador ou diletante embasbacado com a intuição criativa. E mais: o Ego não constrói poemas, a autoria é do alter ego, que é um hóspede muito incomodativo que o poeta tem dentro dele. O Ego não escreve versos, porque essas sentenças rítmicas e metafóricas são consequência de atos de Confraternidade de alta pureza, através dos quais ele não confessa diretamente, e sim utiliza códigos verbais, especialmente as metáforas. O Ego toma tudo aquilo que pretende de seu domínio e posse, egoisticamente, às claras, sem maiores delongas. Ele, simples e descaradamente, não possui linguagem fraterna. Executa o vício elementar da criatura humana: a possessão sobre tudo aquilo que toca. Por isso, sobra-lhe, como resultado da historieta matemática da criação do poema ou da narrativa: os direitos autorais patrimoniais. Volta-se à mola que vivifica o mundo – o dinheiro – tão presente e necessário no lugar comum da vida. Com aqueles que concebem a arte poética somente como fruto do coração, assim unicamente ‘qualificados’, tenho cuidados ao emitir juízo analítico ou crítico, porque – como todo e qualquer coração – não pensam, agem emocionalmente e nunca precisam de opiniões, porque (inocentemente) se bastam. Tudo muito simples: porque PENSAR não é função decorrente do pulsar cardíaco. E não há como receber esta ação do sentir como uma metáfora textual e/ou de imagem, porque ela é rarefeita de densidade humana. O que acham os leitores?

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

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