O ANJO TORTO

A Poética nunca pergunta e nem questiona a profissão do autor, porque ela nada quer saber disto, e muito menos no que trabalha profissionalmente o seu eventual criador. A Princesa Impalpável ocupa por inteiro o momento ao acaso, exposto à centelha da criação, sugerindo que lhe pareça profissão e não apenas deleite, dando corpo à inutilidade de fazer coisas sem sexo e nexo tendo como alter ego um anjo torto, tal o Malaquias, de Quintana – dorminhoco e guenzo – que tinha asas na bunda e por esta razão não conseguia alçar voo... Sim, não há nada mais inútil do que a Poesia (no plano das praticidades do real), exatamente porque assim é o seu ser e estar, mas sem ela a criatura humana não consegue conviver no dia a dia, por vezes tão hostil aos seus desígnios. A Poética tem por destinação fazer muito vivazes os neurônios e colocar a semente da rosa no coração humano, para que o dia seguinte seja suportável ao menos em alguns momentos. Aqueles em que a dama Emoção nos deixa nuinhos de felicidade e nos abraçamos ao Malaquias – o anjo impúbere capaz de todos os possíveis suplícios aos cúmplices, através de traquinagens atemporais nem sempre gozosas. E ele concede ao autor e ao leitor a vida insensata de imaginar que o poema tivesse alguma utilidade a mais do que instigar o senso comum a ver o mundo sob outra formatação...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2013.

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