DESPOJAMENTO

Sempre fico muito feliz quando encontro um interlocutor que no tecer da palavra oferece o molde e a profundidade daquele que sabe que amealhar conhecimento é árdua tarefa, que nos consome e nos cinge a uma corrente filosófica humanista muitas vezes descoberta por intuição, e quase sempre superveniente ao que se escreveu num dado momento. A mágica do poetar – por sua imanente revelia – antecede à intelecção regida pelo conhecimento. Por que virei a ter soberba sobre o que não é meu, e sim é a resultante obra de um dos meus alter egos? Nem sei, a rigor, se estes me habitam, me leem e me revelam ou eu os leio neste revelar-se... Sim, eles vivem e sentem o despojamento porque sabem que sou a absurda passagem do que minimamente lampeja e depois se some nos escaninhos memoriais do além de mim... Ainda bem que temos amigos bem dotados em nosso entorno e que são companheiros de travessia. Alguns, por vezes lúcidos, outros, desastrados quando pensam... E passo a ser, na contemplação, o principal beneficiado. Instigam-me a criar textos frutificados desta maravilhosa e instigante síntese do homem do séc. XXI, que registra a sua inquietação sem pejos de sua autocrítica, no milagre virtual. Descubro um veio novo para o desafio do criar: a subjacência de saber que o meu irmão-poeta está do outro lado, na cadeia de união, algemado a mim sem que eu ou ele saibamos bem de onde vem essa magia...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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