INSTIGAÇÃO AO SUICÍDIO
Sem nenhuma referência à autoria, chegam os textos com o pedido de exame e parecer sobre a conveniência e oportunidade de publicação, pelo poder público municipal, de um livro em que aparecem vários escritos (que se pretendem como exemplares de Poesia) sobre a temática do Suicídio. Anotam-se três deles como preferenciais e representativos:
“01. MEUS PLANOS DE MORTE
Suicídio!
O que será que vem do suicídio?
Suicídio!
Só consigo pensar em suicídio,
a única solução para os meus problemas.
Suicídio,
a única palavra que me conforta.
Suicídio,
o único caminho a ser perseguido até o fim.
Suicídio!
Uma infeliz suicida
só enxerga o suicídio como caminho,
único desfecho digno pra uma vida sempre infeliz.
02. NOITE INSONE
Estou acordada sem nada para fazer.
Começo a cortar meus pulsos delicadamente
para que nenhum grito escape.
Tudo começa a ficar nublado.
Já não consigo escrever com tanta agilidade
nem organizar o pensamento.
Aos meus pés formam-se poças
de gotas de sangue que já começam a jorrar.
Debruço-me sobre o computador lavado de sangue
e meu sono vai profundo...
Nada mais poderá me acordar.
03. INCOMPREENSÃO
Ninguém pode entender o que é querer se matar
com todos à sua volta, tudo aos seus pés
e toda a falsidade do mundo ao seu redor.
Mutilo sonhos.
Nada sobrevive dentro de mim,
só o pesadelo de estar só
e o sangue em toda parte.
Penso em morrer, o céu está em chamas.
Ninguém pode sentir a dor por você.
Mato-me aos poucos.
Meus sonhos morrem
e meus sentimentos não existem mais.
Já não choro, não grito... imóvel eu fico.
Todos me esfaqueando.
Um tiro, nenhum suspiro.
Silêncio ensurdecedor predomina na casa vazia
e não vê mais nada.
Só a morte te acalma.”
Prezada professora Cristie, estimada amiga em artes e palavra!
Estive tão ocupado nos dois últimos dias que nem dei retorno a esta mensagem. Apresso-me a pedir desculpas e a tentar cerebrinar, mesmo que não pretenda dar resposta à instigação, porque me parece que a SUICIDADA é a pobre Palavra sobre o papel ou aquela que nada ou sobrenada nos quintais virtuais.
Tem-se como verdade que a Arte copia a Vida, e que, em Poesia, pela utilização da linguagem conotativa (e não a meramente denotativa), tudo isso fica subsumido, subjazendo na tridimensionalidade da Poesia. Não é ela nada mais do que um retrato fracionado do que foi, um dia, o FATO, a subjacente percepção, ato ou ação no plano da realidade, a qual desencadeou a inspiração, assentada na caquética intuição criativa...
Não é nem mesmo um relato sobre o fato, porque isso somente ocorrerá na Prosa artística, visto que a conotação é superficial, rala, sem profundidade, areia movediça intercambiando os terrenos pantanosos do tangível Real. Portanto, sobre ou subjacente, também, mesmo que deveras dito: A Literatura se destina a interferir no mundo das realidades? Parece que não - se em Poesia – porque o costumeiro "fingimento" a consagra, dignifica ou indigita, mesmo que aparente alguma verdade. Se em Prosa, pode haver inferências capazes de incomodar alguém ou algo no mundo tátil, pleno de aparente vida de relação.
E aqui, nos pretensos versos, o que temos? Versos com Poesia ou versos sem Poesia, vale dizer, um acomodado depoimento pessoal egocêntrico que se pretende Arte. O que me aparenta é que o(a) autor(a) pretendeu contar a sua história porque a pretende útil na sua forma e fundo. Conta, na primeira pessoa, os seus planos, os conchavos de sua vida: "MEUS PLANOS DE MORTE". E os relata.
Em nenhum desses três textos parece-me estar contida a Poesia como elemento grácil da dimensão humana, porque lhe falta um elemento fundamental, a CONFRATERNIDADE. E esta, em análise última, sugere e propõe a UNIVERSALIDADE do conviver.
Ora, se alguém não apenas sugere, porém DIZ com todas as letras, em primeiro lugar não está fazendo Poesia, está fazendo ACONSELHAMENTO, numa espécie de auto-ajuda para o receptor de sua fala. Não um auxílio para superar as adversidades do dia a dia, e, sim, acabar com a vida, trazendo à cuca do destinatário da fala a INSTIGAÇÃO AO SUICÍDIO, o aconselhamento deletério, destruidor dos valores morais que teimam em antítese ao sugerido como comportamento válido entre os fraternos: o humano ser.
E se, no caso, o livro ora no prelo terá apoio financeiro do Poder Público local através de normas que pretendem, em último, o incentivo à leitura por parte do alunado da rede escolar municipal, o que se pode esperar é que contribuirá para o aprimoramento do caráter e da cidadania...
Parece-me que, no caso, em sua especificidade, a abordagem da temática (em linguagem direta, não poética) pode ser deletéria para o jovem em processo de formação intelectual e moral, mormente nas expressivas cotas de jovens consumidores de substâncias como a maconha, o crack, a cocaína e outras drogas.
A instigação ao suicídio parece estar latente, e o acabar com a vida (no texto) sugere-se como a melhor solução. O(a) autor(a) copia possíveis situações pessoais desaconselháveis frente a um razoável modelo moral e ético. Era o que me cabia alertar, nada mais do que isso.
Remeto esse trabalho em atenção à consulta de uma amiga e profissional que muito respeito, mas não devo cobrar honorários. Peço que este estudo permaneça em privado entre nós, por ora. Como detentor de direitos autorais, reservo-me para funcionar, se necessário, em juízo, como perito judicial ou assistente técnico de parte, na lide específica, ocasião em que cobrarei os devidos honorários profissionais.
Vai o abraço do Joaquim Moncks.
– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.
http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/4145961