O VALOR DE Pi PELO MÉTODO DE ARQUIMEDES(ou o nascimento do cálculo infinitesimal)
O VALOR DE PI PELO MÉTODO DE ARQUIMEDES
(ou o nascimento do cálculo infinitesimal)
Alguns autores consideram Arquimedes (~225 a.C.) como o maior
matemático e físico da antiguidade (p. ex. António do Nascimento Palma
Fernandes em Elementos de Geometria para o 2º ciclo dos liceus, edição do Ministério da Educação Nacional) mas não lhe é em geral atribuído o títulode 1º cientista da humanidade e menos ainda o de fundador do cálculo infinitesimal. Muitos o consideram um geómetra por ter sido discípulo dos euclidianos. Mas o caracter científico indiscutível do princípio que mantém o seu nome – o princípio de Arquimedes, oriundo da observação e de uma hipótese construída a partir dela, seguida da verificação experimental e estabelecida por indução – não deixa dúvidas sobre o merecimento do título e o método que usou para determinar o valor (na verdade para o enquadrar entre 3 1/7 e 3 10/71) do quociente entre o perímetro de uma qualquer circunferência e o seu diâmetro – a que chamamos Pi e designamos pela letra grega desse nome demonstra que introduziu de facto o cálculo infinitesimal.
Seria de há muito conhecido empiricamente que o perímetro de uma
circunferência era um pouco mais do que 3,1 vezes maior do que o seu
diâmetro e é mais do que provável que esse valor tenha sido representado durante muito tempo por um inteiro (3) e mais uma fração ou duas – não esquecer que na altura não existia o zero, nem a numeração árabe e que ascontas tinham de ser feitas com pedras (designadas cálculos ainda hoje com o mesmo significado quando referimos cálculos renais ou biliares). Os valores determinados empiricamente sofreriam ainda de todos os defeitos das medições agravados pelo fraco desenvolvimento dos instrumentos de
medida. Arquimedes terá raciocinado, para um cálculo mais aproximado,
mais ou menos como segue.
Tomar a medida de um polígono de n lados inscrito numa circunferência
como a do perímetro da circunferência implica um erro. Mas à medida que o nº de lados aumenta, o perímetro vai aumentando e o erro vai
diminuindo. Tomar a medida de um polígono com os mesmos n lados,
circunscrito à circunferência também implica um erro mas à medida que o nº de lados aumenta, o perímetro vai diminuindo e o erro também. Dito
de uma maneira mais à moda: o perímetro de uma circunferência é o limite comum de duas sucessões, uma crescente e outra decrescente, constituídas pelo perímetro de polígonos nela inscritos e circunscritos, de n lados, quando n tende para infinito. Ou ainda: A diferença entre o perímetro de um polígono de n lados inscrito (ou circunscrito) numa circunferência e o perímetro dessa circunferência tende para zero quando n tende para infinito.
Arquimedes partiu então do hexágono regular inscrito numa circunferência, caso em que o lado é igual ao raio como é fácil de demonstrar – desenhando um hexágono inscrito na circunferência e os raios que vão dar aos vértices obtém-se seis triângulos que se prova serem equiláteros por o ângulo ao centro ser de 60º (360:6), os outros dois somarem 120º (Pitágoras já tinha demonstrado que os ângulos internos de um triângulo somam 180º) e serem iguais (portanto de 60º cada) por se oporem a lados iguais (dois raios). Se tomasse o perímetro desse hexágono como o da circunferência o valor de Pi seria de 6R/2R= 3. Aplicando o teorema de Pitágoras a altura de qualquer daqueles triângulos é de (√3/2) x R. O hexágono circunscrito fornece também, pelo mesmo processo, 6 triângulos equiláteros mas de altura R, portanto o lado é R/(√3/2) x R vezes maior ou seja mede (2/√3)xR ou aproximadamente 1,155xR. O perímetro seria de 6x1,155R e o valor de Pi seria de 6x1,155xR/2xR=3x1,155=3,465. Limitando-nos aos polígonos de 6 lados o valor de Pi ficaria enquadrado entre 3 e 3,465. Arquimedes terá passado então aos polígonos de 12 lados.
Entre o lado de um polígono de n lados inscrito numa circunferência (Lni) e o de um de 2n lados (L2ni) existe uma relação fácil de estabelecer aplicando apenas o teorema de Pitágoras, (ver p.ex. o livro já referido) traduzida por L2ni= √{R[2R - √(4RxR – LnixLni)]} ou se a circunferência for de raio 1: L2ni = √[2 - √(4- LnixLni). Então o lado do dodecágono inscrito na circunferência de R=1 mede √(2 - √3) = 0,518, o seu perímetro seria de 12x0,518=6,212 e o valor de Pi já seria de 3,106.
Entre o lado do polígono de n lados inscrito (Lni) numa circunferência e o lado do polígono circunscrito (Lnc) também com n lados existe uma relação fácil de estabelecer a partir da semelhança de triângulos (teorema de Thales) e do teorema de Pitágoras cuja dedução pode ser vista p.ex. em http://euler,mat.ufrgs.br/~vclotilde/numerosreais/Pi/deducao1.htm que é como segue: Lnc = 2xLni/√(4xRxR - LnixLni); para uma circunferência de raio 1 vem então Lnc = 2xLni/√(4 - LnixLni). O lado do dodecágono
circunscrito (com R=1) seria de L12c = 2x0,518/√(4 - 0,518 x 0.518) ou, se me não tiver enganado nas contas, L12c = 0,536. O perímetro seria 12 vezes maior e o perímetro sobre o diâmetro (2R=2) é 6 vezes maior ou o valor de Pi (para o dodecágono circunscrito) valeria 3,217. Com os dodecágonos (o inscrito e o circunscrito) o valor de Pi já estaria enquadrado entre 3,106 e 3,217.
Arquimedes terá prosseguido por este processo: passou ao polígono de 24 lados, depois ao de 48 e a seguir ao de 96 e deve ter parado aí porque o enquadramento que obteve (entre 3 10/71 e 3 1/7) correspondem aproximadamente aos que obteríamos se continuássemos até esses polígonos.
Para além de dispormos hoje de numeração decimal e de máquinas de calcular temos ainda outra facilidade: temos os valores das funções trigonométricas tabelados ou nas máquinas de calcular. A trigonometria só começou a ser estabelecida uns cem anos depois de Arquimedes e por isso descrevemos o seu método tal como, segundo o que hoje se sabe, ele o terá usado. Mas é agora fácil calcular o lado de um polígono regular de n lados inscrito ou circunscrito numa circunferência. Para o polígono de n lados inscrito numa circunferência de raio 1 o lado (Lni) mede 2x sen (180/n) e o lado do polígono de n lados, circunscrito (Lnc) mede 2x tg (180/n). Por exemplo para o polígono de 180 lados (3 lados em cada espaço de um minuto no mostrador do relógio), o lado do inscrito mediria 2 x 0,01745 e o do circunscrito 2 x 0,01746. Os respetivos perímetros mediriam 180 vezes mais e o valor de Pi seria esse perímetro a dividir por 2; ficaria então enquadrado entre 180 x 0,01745 e 180 x 0,01746 ou seja entre 3,1410 e 3,1428.
As contas feitas pelo processo de Arquimedes para o polígono de 768 lados inscrito na circunferência de raio 1, pelo autor do primeiro livro que referimos – Elementos de Geometria – indicam, nesse livro, para medida do lado do polígono 0,00818, e para valor do perímetro 6,28317 (o que mostra que terá usado como medida do lado 0,0081812 e não o que lá está) o que daria para Pi o valor de 3,141585, muito próximo do que nos dão hoje as máquinas de calcular.
Usar as tabelas das funções trigonométricas para fazer o enquadramento do valor de Pi com polígonos de um muito grande número de lados e por isso senos e tangentes de ângulos muito pequenos oferece em geral a dificuldade de apresentarem valores idênticos para essas funções trigonométricas, o que “tornaria idênticos” os perímetros dos polígonos inscritos e circunscritos com grande nº de lados. Os valores das tabelas que apresentam 5 decimais também induzem em erro. Se calcular o lado do polígono de 360 lados, obterá na tabela (de que disponho) 0,00873 para seno e tangente de 0,5º, o que daria para valor de Pi 3,1428. Se o valor registado fosse de 0,0087266, o valor de Pi já seria mais próximo do que hoje usamos.
Nada disso deixa porém de fora Arquimedes como introdutor do cálculo infinitesimal que também usou para determinar o volume dos sólidos de revolução.