O USURÁRIO DAS PALAVRAS

“NOITE DE INVERNO

Suelly Braga

O vento uiva.

A noite adormece em seus braços.

O firmamento é cobertor

dos desvalidos,

abandonados,

segregados

que a sociedade excluiu."

Osório, 21 /08 / 2011 – remetido via e-mail em 24/08/2011.

Amada Suelly! Acato o teu pedido e vamos às considerações analíticas... Tira a palavra "noite" do título do poema, peço! Pra que usá-la, se, no poemeto, logo no segundo verso, tu a utilizas novamente?

O poeta deve proceder – sempre – como um USURÁRIO DAS PALAVRAS. Estas são o seu dinheiro. Por que usá-las, desbragada e repetidamente, gastando suas finanças?

Cuidado com o pleonasmo de idéias... Não sei qual o pior rebarbativo. Se o das palavras individuadas ou o das ideias... E nota que uma só metáfora pode levar a inúmeros sentidos.

Há algo faltante neste poemeto. O final não reserva nenhuma surpresa ao leitor... Talvez seja pela utilização do pronome relativo "que", o qual sempre TORNA O VERSO PROSAICO. O vocábulo "que" não deve, em princípio, ser utilizado em Poesia, porque Poesia não deve conter explicativos desnecessários. Isto é o que penso com os meus botões...

Porém, vais encontrar, às carradas, autores que usam e abusam do vocábulo “que”. O professor Zeferino Paulo Freitas Fagundes, meu iniciador em Poesia, lá por 1978/1981, criou uma expressão jocosa para me alertar sobre o uso abusivo: o efeito que-que”. Salientava ele que a utilização, em Poesia, devia ser muito restrita e específica, já que o “que” torna o verso prosaico, em oposição, portanto, ao poético. Ao demais, deveras prejudica o ritmo do verso

Outros dirão diferentemente: que Poesia não tem fórmulas. Pois eu acho que efetivamente tem, e não estão escritas em nenhum lugar. Só o tempo nos dita regras de estética. O senhor destas fórmulas se chama RITMO e produz suas peculiares regras, a começar pela escolha dos sons que comporão o poema. É por eles que se acasalarão PALAVRAS, todas escolhidas a dedo e não se repetindo... A não ser quando o escultor do Belo desejar reforçamentos, repetições do som, aos quais chamamos ANÁFORAS. E o seu uso é sempre restrito, contido.

A CONTENÇÃO da verborragia é um dos segredos da Poesia no POEMA. Se "Dona Contenção" não aparecer, não haverá vestidos que a deixem bonita, formosa, como é de sua específica natureza. Já viste algo bonito que seja interminável? Pra isso já existe a PROSA, que tem regras rítmicas INESPECÍFICAS, enquanto que a Poesia as tem com alta ESPECIFICIDADE.

O poema, aparentemente, é mais fácil de ser feito do que as manifestações prosaicas. Ledo engano: não há nada mais difícil. Pequeno frasco cheiroso. Pequeno continente para muito conteúdo. Mesmo que veneno, sempre oloroso...

Por isso, por essas dificuldades todas (que só descobrimos quando estamos veteranos) os "projetos" de poetas devem começar muito cedo, já na adolescência, tratando a palavra como uma mocinha dengosa e ingênua. Uma vestal intocável em sua nudez de palavras, como qualquer virgem do mundo. Todavia, a sua beleza não está na nudez, e, sim, no que os gestos maneirosos vão ensinando ao corpo. Até o gozo dos signos, que só ocorre, verdadeiramente, no POEMA. O prazer do novo é que a faz MULHER. O seu construtor é um pequenino deus alquimista de mistérios e bruxarias.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/3180734