A ÂNSIA DOS POROS

É possível que alguém venha a esquecer daquilo que foi prazeroso, consumir algum detalhe dos jogos do amar? Essa é contingência do desejo: a explosiva tessitura para o gozo. E o poema virá à luz numa geração espontânea imediata ou numa longa gestação, na qual, em algum momento posterior, o corpo rememora; a voz poética dá forma aos gemidos da inquietação e das falências, gestos e atos. Não é assim? E a fauna dos que escrevem faz o relato, mostrando ao mundo a beleza do instante traduzido em linguagem memorial. Todavia, quase sempre é o dobrar dos sinos (anunciando desejos insatisfeitos), o que dá produto e forma ao poema. E isso é o que mais ocorre na cabeça dos criadores poéticos. Nada houve de veraz no mundo dos fatos. Cria-se a voz do irreal para fruir inúmeras sensações de múltiplos gozos. É o artista recriando a vida pra ser feliz. E o receptor necessitado de amor vai jurar que está frente à veracidade. Sim, essa é a nova verdade transmigrada: o mundo recriado pela Palavra. Mesmo que a boca, aparentemente, nada pronuncie...

– Do livro SORTILÉGIOS, 2011.

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