NADA A LAMENTAR
A velhice chegou, e com ela. a secura da pele abrindo caminhos tortuosos, deixando sinais indeléveis que se irrompem em sulcos profundos espalhados pelo corpo, absorto diante de tamanha alteração. O ser, prostrado e abandonado pelos componentes químicos de outrora, o corpo nada implora além do rito normal de sobrevivência, a aurora da juventude já se fora. Nada a lamentar. Aqui ou ali, em meio a complexidade dos pensamentos, reside o ser independentemente de novos acontecimentos. Envolvido na carapaça que agora se descortina, carregando consigo as coisas do passado, rebocado, muitas vezes pela força da experiência vivida, mergulha na contrapartida do agora. Então, ele às vezes chora, onde não mais vigora a delícia daqueles tempos iniciais. Perdido não! Vilipendiado, talvez! As marcas do presente o entorpecem. Olhares vulgares ferem fundo o desabrochar de um novo mundo, inserido ao martírio da incompreensão. Quanta vida derramada à luz do tempo, tempo que não para, pelo menos do lado de fora do seu interior. Sob o precipício da ostentação desmedida enquanto vida passada, quanta sofreguidão se cumpriu naquela estrada ao lado de quem nunca o mereceu. E o coração que não se cansa de bater, abre espaço ao desfile de suas revoluções, esticando a vida aos limites supremos da matéria, conduzindo o corpo em desalinho, desequilibrado, abandonado e sozinho rumo à conquista de novas cores e emoções. Horizontes imaginários se despontam, volúpia daqueles que nunca se cansaram de viver em busca da felicidade. A velhice chegou! Eis a realidade. Restando apenas as saudades de um tempo em que a idade não permitia ser o senhor da razão que a vida lhe transformou.