NINGUÉM ME CONTA

Eu pergunto: Quem sou eu?

E ninguém me conta não...

Quem será que a mim me deu

Corpo, alma e coração?

O doutor com enfado diz:

Nossa mãe a natureza!

Fala o crente e o contradiz:

Diz que o Pai fez a despesa!

Eu aprumo o meu olhar

Pra assistir a discussão,

A verdade é pra contar

Mas ninguém me conta não...

Vivo em obras, sim senhor,

Lá no fundo do meu ser,

Entalhando um buscador

Que desvende o que é viver.

Ninguém conta se estou indo

Nem se há pra onde ir,

Ouço igrejas repetindo

Cá está Deus... É só seguir.

Pé atrás com todas elas

Finco estaca em minha trilha,

Pois quem cai nas esparrelas

Fica preso em tal cartilha.

De lhes dar um bom dinheiro

Para o culto ministrar,

Mas, por Deus, o terço inteiro

Quero eu mesmo me ensinar!

Deus me livre e me guarde

Dos que sabem das veredas,

Emociona a mim, quem arde,

Assoprando as labaredas...

Vejo o mal e, o vejo bem,

Habitando a vastidão

Do universo que não tem

A menor explicação.

Creio em Deus de coração

E me esforço pra entender

Sem ter pai, eu não sei não,

Como o Pai pode nascer?

Como foi que apareceu

De um vazio tão profundo?

Como foi que aprendeu

Os mistérios desse mundo?

Eu pergunto: Oh meu Deus!

Como é não ter nascido?

Não ter pais iguais aos meus

Que o tivesse concebido?

Mas quão grande a solidão

Essa que o Senhor viveu!

Sem ninguém na imensidão

Que falasse como eu...

Pelo sim ou pelo não

Só nos resta acreditar:

Deus é o pai da criação

Ou cá estamos a inventar.

Sei que um novo mundo há

Muito além do que se vê,

Talvez seja o Shangri-lá

Acenando pra você.

Uma graça eu peço a Deus

Caso exista o paraíso:

Não me expulse, nem aos meus,

Pela falta de juízo...

Apesar de acreditar

Eu me sinto qual ateu,

Busco em vão me desgrudar

Do descrente que sou eu.

Quanta gente que duvida

Que essa vida faz sentido,

Come, dorme se endivida

Prá no fim se ver comido...

Pesadelo causa espanto

Sonho o céu, de maus, lotado...

Pois com a morte vira santo

Quem viveu como safado.

Se ninguém me conta não...

Nada mais tenho a escutar,

Ninguém tem explicação

Que convença o meu pensar.

O melhor então será

Desistir de elucidar,

Sei que o dia se fará

Quando a luz me clarear.

Eu invejo os que estão

Bem distantes dessa prosa

Sendo apenas o que são:

Um espinho aos pés da rosa...