A BURRINHA CONFIDENTE
«A amiga de Maria»
Era uma vez uma Burrinha
Lá prás bandas de Nazaré
De Maria muito amiguinha
E também de São José.
Foram nela para Belém,
Numa esperança qu´ os seduz,
Ali nasceu o supremo Bem
Que para o mundo foi Luz.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Numa gruta pobrezinha,
Trapinhos de linho fino,
Ali dormia a Burrinha
Aquecendo o Deus-Menino.
Estiveram lá os pastores
E os Magos com presentes
Os anjos cantaram louvores
E todos ficaram contentes.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Com medo do vil tirano,
Qu´ no Menino tinha o fito,
Por um destino soberano
Fugiram para o Egipto.
José, a Burrinha, e Maria
Com o Menino nos braços,
Caminharam noite e dia
Confiando nos seus passos.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Juntou-se-lhes a cotovia
Que orientou o caminho
Tudo foi santa Harmonia
Com aroma de rosmaninho.
Burrinha com passo manso
E a cotovia na frente
Nunca fizeram descanso
Chegando lá finalmente.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Ali viveram dois anos
Até que vieram notícias
De que o maior dos tiranos
Já não fazia sevícias.
De morte macaca foi-se
Porque uma mula o matou
Por lhe ter dado um coice
Onde nunca imaginou.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
A Burrinha era sabida
E ficou muito exultada
Porque, afinal, na vida
Houve justiça acertada.
Do Egipto p´ ra Galileia
Voltaram todos de novo
Em busca de uma aldeia
E de um pacífico povo.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Jesus, criança reguila,
Levava à horta a Burrinha
Maria, a mãe tranquila,
Com eles cuidado tinha.
José tratava a madeira –
Naquela terra o primeiro –
Co´ a família ali à beira
Ia amealhando dinheiro.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Um dia aquele Menino,
Sem ordem para partir,
Saiu de casa em desatino
Pondo a família a carpir…
- Que vamos, Maria, fazer?
Chama a Burrinha depressa
Para com ela ir trazer
Aquela criança travessa!...
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
- O bom Deus seja louvado!
Vamos, José, procurar
Nosso filho extraviado…
Estará por aí a brincar!
À frente, foi a Burrinha
Que depressa com ele deu.
Como era quase noitinha
José logo o repreendeu.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
- Ficai sabendo, meus pais,
Que estou na casa de Deus,
Que posso eu querer mais?
Ando à luz dos sonhos meus…
Burrinha a ele s´ encostou
E, então, para ela subiu
Que rapidamente o levou
Para a casa donde saiu.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Desde esse dia, cumpridor
Aquele Jesus se tornou
E Maria, com todo o amor,
Muito mais dele cuidou.
José, melhor pai se tornou
Pois depressa compreendeu
Que ele também errou
Da repreensão que lhe deu.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Todos os dias a Burrinha
Ia com ele procurar,
Logo pela manhãzinha,
Madeira pra amealhar.
Trabalhar a arte bela
Com mestre José aprendeu
E, com a Burrinha “estrela”
Muito bem sempre se deu.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Mas um dia morreu José
E Jesus, largando o ofício,
Deixou a família de Nazaré
Vivendo com sacrifício…
Num dia de sol ardente
Junto às águas do Jordão
Foi Jesus, livre e contente,
Co´ a Burrinha pela mão.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Maria, as roupas, lavava
Quando avistou, o seu primo
E Jesus, que o acompanhava,
Co´ a Burrinha como arrimo.
Subiu ao alto da colina
E, o que viu, foi um regalo:
Jesus, por entre a neblina
E primo, João, a batizá-lo!
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Mas… difícil ia a vida
Daquela família comum
Não encontrando saída
Pr´ arranjar emprego algum.
- Sempre saída há-de haver,
Ó mãe, nem que seja preciso
Nossa Burrinha vender…
E sem nenhum prejuízo!
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Vinte denários foi o preço
Daquela Burrinha valente,
A vida virou do avesso:
Andar a pé, como a gente.
Burrinha seguiu seu destino,
Com ar de melancolia,
Fosse qual fosse o caminho
Maior franquia haveria…
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
………….
- Tio Simão, o Mestre mandou
A tua Burrinha alugar
Pois na cidade, combinou
Em cima dela, avançar.
Naquele Evento festivo,
Tão grande era a multidão,
A Burrinha, d´ ânimo vivo
Sentiu-se com´ um Burrancão!
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Naquela tarde de festa,
Indo a Burrinha a entregar,
Disse Simão: - Burra, como esta,
Fica para vós, a utilizar!
Voltou assim à família
Esta Burrinha charmosa.
Não havendo mais quezília
Seria eternamente ditosa…
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
- João, leva a Burrinha contigo
E não a deixes extraviar
Porque anda aí muito “amigo”
Pra dela se apropriar.
Maria, toda se exultou
Plena de contentamento
Porque até já angariou
O seu preciso alimento.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Ninguém, porém, suspeitava
Todo o mal qu´ havia de vir
Naquela semana tão brava
Qu´ estava pra ressurgir.
O Nazareno perdeu a sorte
P´ la acção de vis marginais
Qu´ o condenaram à morte
Por acusações desleais…
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
No alto do negro Calvário
Sobre uma cruz levantada
Cantava, em pio fadário,
Uma cotovia assustada.
Naquela negra montanha,
Às trevas indiferente,
Ali, parada e estranha,
Uma Burrinha tremente.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Ela, sentindo a tragédia
Nunca dali se afastou
E co´ a sua própria rédea
Maria e João aguardou.
Maria, a mãe-lacrimosa
E João – qual filho gerado –
Levaram-na, desgostosa,
Para o degredo esperado.
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Foram para a Ásia Menor
Com a saudade acrescida
Entre a alegria e a dor
De uma Vida repartida.
Sob uma esbelta palmeira,
Co´ a Burrinha e a cotovia,
Viveram de santa maneira
São João e a Virgem Maria!
Estava sempre presente
A Burrinha confidente!
Frassino Machado
In TROVAS DO QUOTIDIANO