A OLIVEIRA MILAGROSA
“Trovas da tolerância”
Oh tempora, oh mores, oh humanus
Tão perto do bem como do mal,
O que vos faz anjos ou tiranos?
Que luz tendes, celeste ou infernal?
Ódios, invejas, maledicências,
Rivalidades, furtos, ganâncias,
Ambições, confrontos, demências,
Conflitos, guerras e traficâncias.
É tudo isto, sim… e muito mais
Que ocorre no seio da Humanidade.
Onde começa e acaba nos maiorais
Uma justa moral de Sanidade?
Mas a história dá-nos lições,
Dá-nos testemunhos e exemplos
De heróis, com belos corações
E adequados temperamentos.
Lá para os lados de Toledo,
Num reino Visigótico ao rubro,
Com discórdias de meter medo
Morrem grandes, pequenos e tudo.
Sem haver rei-morto, rei posto,
Ao Papa de Roma recorrem
Pra indicar descendência e rosto
De alguém em que todos confiem.
São Vitaliano Pontífice,
Após peripécia e mais peripécia,
Escolheu Vamba, o artífice
Daquelas terras da Galécia.
Além de artífice era lavrador
O bom do Vamba, militante
Amigo do amigo e sabedor,
E, mais que tudo, fiel e tolerante.
- É ele o Rei, ide procurá-lo!
Assim o proclamou Vitaliano,
E os Godos tentaram avistá-lo,
A Vamba, predestinado humano.
Em Vimaranes o encontraram,
Pastoreando e lavrando a terra,
E, de imediato, lhe disseram:
- Outra função será a tua guerra!
- Que dizeis vós, ó séquito ordeiro,
Quem dessa mensagem fez lei?
- Foi o Santo Papa, Vitaliano I,
Que dos Godos te quer fazer Rei.
- Nem pensem que eu aceito tal,
Prefiro minha vida simplória,
Humilde e bastante frugal,
Do que essa grandeza inglória!
- Tens que aceitar! É vontade de Deus,
Que te escolheu como sinal
Para ser luz e indicar os céus
A quem não se sabe orientar!
- Nem pensar! Nem que este cajado,
Que vou espetar aqui no chão,
Reverdeça já de aprontado!
Se assim acontecer, verei então…
E não é que o cajado ressequido
Ganhou raiz, qual planta verdadeira
E dela cresceu, sem alarido,
Uma alta e elegante oliveira.
- Milagre! Milagre! És o nosso Rei.
Avé, Vamba, o de Boa Memória.
Terás, assim, de cumprir a Lei
É vontade de Deus e da Sua glória!
- Pois seja! Se de Deus é Sua vontade,
Que serei eu? De mim não sou dono,
Se ao Santo Padre devo fidelidade
Sentar-me-ei nesse sagrado Trono.
- E pra pagar o Milagre verdadeiro
Junto desta oliveira construirei
Frondosa Igreja e um Mosteiro
E só depois para Toledo irei!
Assim Vamba se tornou monarca
Daqueles Godos sempre em discórdia
Deixando neles a pessoal marca
Da justiça, da paz e da concórdia.
Sob a sua protecção e influência
Num grande Concílio celebrado
Foi, por unanimidade e sapiência
Um Código Cristão, aprovado.
Nos tempos de hoje, que vemos nós
Além da corrupção e da ignorância?
Valerá a pena levantar-se a voz
Pregando ao Mundo a tolerância?
Frassino Machado
In TROVAS DO QUOTIDIANO