SANTO ANTÓNIO, SANTO ANTÓNIO
“Trovas de um desconcerto”
Santo António, Santo António
Até nem parece de ti,
Por manigâncias do demónio
Vais-te aos peixes em frenesi.
Os homens viraram-te as costas
E não ligam aos teus sermões
E tu, na pior das respostas,
Trata-los com repreensões.
Como santo homem de Deus,
Deverias ter mais paciência
Pedindo ao Arcanjo dos céus
Que os conduza à penitência.
Mas tu, como bom português,
Sacudiste a chuva do capote
E com a maior desfaçatez
Armaste-te em dom Quixote.
Olha bem, entre a terra e o mar
Que venha o diabo e escolha,
Na terra é preciso trabalhar
No mar impera a lei da rolha.
Os homens falam, falam, falam
E não dizem uma pra caixa
Em vez de trabalhar engalham
E a produção é reles e baixa.
Os peixes nadam, nadam, nadam,
Mas uns nadam mais do que outros
Ao fim d´ algum tempo se enfadam
E acabam seus dias bem mortos.
Uns e outros estão como hão-de ir:
Os homens não dão garantia,
E os peixes em vez de evoluir
Entretêm-se na maresia.
Os homens acabam enganados
E nem tu lhes dás salvação
E os peixes acabam enredados
E comidos de mão em mão.
Que o digam as belas sardinhas
Que também foram enganadas
Tu as comeste, bem fresquinhas,
Às vezes fritas, outras vezes assadas.
Também tu não és de confiar,
Co´ as palavras, mostras o talento
Fazendo questão d´ as pregar,
Mas no fim, olha, leva-as o vento.
Denunciaste toda a corrupção
Mas não foste claro e conciso
Tentaste nos peixes a excepção
E agora, vês, tens o prejuízo.
Homens, há o grande e o pequeno,
Pequenos e grandes são os peixes,
Uns e outros são sacos de veneno
E o que querem é, que os deixes.
Santinho, mete a viola ao saco,
Dedica-te às marchas de Lisboa
O mundo, que de si é tão fraco,
Talvez ache que é coisa boa.
Já deram uvas os teus sermões
E já bem se cantou aí na Sé,
Agora o negócio são os cifrões
Mal distribuídos e à falsa-fé.
Se no mundo vai desconcerto
Mais vale assobiar para o ar
Santo António, já qu´ és esperto,
Deixa-te disso e põe-te a dançar!
Frassino Machado
In NOVO MONTE ALVERNE