A CATEDRAL SUBMERSA

“Trovas do meu espanto”

Contou-me a tia Esperança,

Que era a minha melhor amiga,

Uma história muito antiga

Passada no reino de França.

Não sei s´ é história, s´ é lenda,

Só sei que lá na Bretanha

Uma catedral tamanha

Sofreu tragédia tremenda.

Na espantosa cidade de Ys

Um Conde, que era barão

Conhecido por Gradlon,

Que a construiu de raiz.

De muito novo, fogoso

Sonhou que viria a ser rei

E fez da sua espada lei

Tornando-se herói famoso.

O ideal por aquelas terras,

Desde o tempo d´ Arimateia,

Era manter viva a ideia

De se acabar co´ as guerras.

Co´ a fé no Santo Graal

Por toda a Bretanha lutou

E pró guardar logo jurou

Mandar erguer Catedral.

Inspirado em fantasias

Ele próprio a construiu –

Esbelta Igreja ali floriu

Com duas torres esguias.

Toda ela era espectáculo

Cheia de sol e de vitrais,

Música d´ órgão e corais

E tesouro em Tabernáculo.

Ys deu brado no Ocidente

Atraindo os invasores

E até o mar fazia furores

Ameaçando toda a gente.

Para travar as emoções

Gradlon coroado monarca

Foi ao reino da Dinamarca

Donde vinham as invasões.

Atraiu-o a irmã do rei

Com uma beleza sem par

E quis ali mesmo casar

Pra prolongar sua grei.

Guenolé, seu companheiro,

Um santo frade cristão,

Abençoou esta união

Como sinal alvissareiro.

Na bênção da Catedral

Houve consórcio medonho

Cerimónia feita de sonho

Em ambiente celestial.

Daquelas torres os sinos

Por toda a terra soaram

E os trovadores cantaram

Suas belas trovas e hinos.

- Temos a mais linda mulher,

Melgween da Dinamarca,

Nesta cidade, nosso monarca

Já tem tudo quanto quer!

Deste consórcio nasceu

Uma bela princesa feliz,

Todo o povo exaltou em Ys

A sorte que Deus lhe deu.

Ao vir à luz o seu fruto

Nasceu, porém, a má sorte

A rainha-mãe viu a morte

Ficando a cidade de luto.

Tão grande foi a tristeza

Que este rei não mais casou

Pois na Catedral jurou

Grande vingança e firmeza.

Deu nome à filha Dahud,

Que quer dizer “consagrada”,

Por Guenolé foi educada

Com inteligência e saúde.

E Gradlon fez promessa

De ir à Terra Santa lutar

Para seu poder sublimar

E conseguir sair dessa.

Vinte anos se passaram

De lá voltou mais famoso

Mas, em Ys, ficou doloroso

Pois os ventos se mudaram.

Guenolé estava velho,

A filha andava vadia,

E pra sua maior agonia

Ela rejeitava conselho.

Atraía guerreiros andantes

E, com máscara de mafoma,

Tornou-se sádica amazona

Deixando de ser como dantes.

Ao ver a Cidade perdida

Em dissolução e desordem,

Gradlon intimou dura ordem

A quem andasse em má-vida.

Em Ys, parecida a Sodoma

E a Gomorra do Ocidente,

Viu-se um meteoro-cadente

De toda a má-sorte sintoma.

Mandou muralhas fazer

Em torno da Catedral

Temendo qu´ ao Santo Graal

Pudesse algo acontecer.

Mandou Guenolé p´ las praças

Procurar a filha Dahud

Intimando-a à virtude

Para evitar mais desgraças.

Certa noite o Rei dormia

E a filha, em breves momentos,

Subiu aos seus aposentos

Furtando-lhe a chave da guia.

O mar rugiu em furacão

E pôs a Catedral em perigo

Mas, lá dentro, o inimigo

Esperava a hora da traição.

Foram abertas as portas

Soaram os sinos das torres

E para cúmulo de horrores

Soçobraram as comportas.

E foi a diabólica Dahud

Que indiferente à desventura,

Numa assunção de loucura,

Cumpriu a sádica atitude.

Saiu do oceano a maldade

Naquela noite tão densa,

E Deus não perdoou a ofensa

Submergindo a cidade.

Guenolé correu para avisar

Ao rei Gradlon, já em choque,

Que, levando Dahud a reboque,

Com raiva para a castigar.

- Não a castigueis, ó bom rei,

Deixai-a cair nessas águas,

Pagando de vez vossas mágoas

Sentindo a dureza da Lei.

Tanto insistiu o bom frade

Que o rei, irado em desdita,

Derrubou a filha maldita

Salvando-se da crueldade.

Aquela Princesa tão bela

Tornou-se «Dahud, a Sereia»

Mas co´ esta traição tão feia

Nem as rochas gostavam dela.

E Ys, engolida pelo mar,

Deixou a Catedral submersa

Por negra tragédia perversa

Que a todos fez espantar.

Exilados daquela cidade

Rei Gradlon e Guenolé

Morreram inflamados de fé

Com fama de Santidade.

Reza a crença tradicional,

E todos juram ser verdade,

Qu´ em noites de tempestade

S´ ouvem os sinos da Catedral.

Não sei se é história, s´ é lenda,

Mas aceita-se qu´ esta lição,

À luz da fiel Tradição,

Possa servir de emenda!

Frassino Machado

In TROVAS DO QUOTIDIANO

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 30/11/2017
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