O MEU CANCIONEIRO-2 * A gula

A contas com seu repasto,

sem pudor nem temperança,

vai o frei enchendo a pança,

que de carne não é casto.

Atento à gula do frade,

diz-lhe el-rei: tende cuidado,

comer tanto é arriscado,

tanto mais na sua idade!

Ah, Senhor, este prazer,

confessa o frei seu pecado,

é nada se comparado

á dor de outro já não ter…

Ah, que prazer sobrevinha!

Que fome me consumia!

E quanto mais eu comia,

mais era a fome que eu tinha!...

Divertido, olhando o frade,

El-rei, sorrindo, lhe diz:

Que o sabor dessa perdiz

Seja o da vossa saudade!...

José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 21 de Dezembro de 2006.

In “O meu cancioneiro” - 2

Cantigas de escárnio e maldizer

José Augusto de Carvalho
Enviado por José Augusto de Carvalho em 17/02/2017
Reeditado em 03/03/2018
Código do texto: T5915780
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