TROVAS DO MAFARRICO

Ciranda o diabo à solta

Vestido de mafarrico

E atormenta tudo à volta

Seja o pobre, seja o rico.

Ornado com dois chavelhos

Na mão esquerda a forquilha

Assusta novos e velhos

Co´ a cabeça que fervilha.

Fugindo da sua capela

Em vigília de S. Bartolomeu

O abade rasga a farpela

Na festa do ar que lhe deu.

Toda a gente tranca a porta

Não vá o diabo aparecer

Que a vida anda bem torta

E só dá para sobreviver.

Não há negócio que escape

São feitas contas a dedo

Não há furo que se tape

E do inferno tem-se medo.

O abade não tem dinheiro

Pra consertar as correntes

Onde o diabo o tempo inteiro

Geme à noite e range os dentes.

Não há verba pro sermão

Nem sequer vinho pra missa

E os garotos da procissão

Na segunda têm preguiça.

O fogo não estreleja

E os bombos já se calaram

Faltam esmolas na igreja

E as promessas minguaram.

A fanfarra foi-se embora

Co´ os fagotes e cornetas

E o regente co´ a fralda de fora

Até rompeu as pandeiretas.

Não há banca que se veja

Co´ as regueifas e rosquilhos

Cai a chuva e já troveja

Vão pra casa pais e filhos.

Não vale a pena chamar

Os bombeiros de Guimarães

Os enxurros hão-de passar

E já nem se ouvem os cães.

Avisaram o sacristão

Pra capela aferrolhar

E pelo sim, pelo não,

Foi-se ao sino a badalar.

Pela alta madrugada

Ouviu-se alguém co, o fanico

Gritando em debandada

Que vinha lá o mafarrico.

Foi tão grande a aflição

Que houve rezas a S. José

E o loureiro da tradição

Esfumou-se pela chaminé.

Manhã cedo correu notícia

De que o diabo se soltara

Afinal não houve sevícia

Naquela aldeia tão rara.

Brilha o sol na velha ermida

O arraial correu sereno

- Toda a gente bem vestida

E o diabo vá pro inferno!

Há medos que vêm por bem

Qualquer que seja a fantasia

Pro povo não há vintém

Mas sobeja pra romaria.

Dança o povo pela rua

E canta alegre a canção

Dando força à honra sua

Num fadário de emoção:

“De casa toda a gente sai

No dia de S. Bartolomeu

Menina, fuja ao seu pai

Porque eu já fugi ao meu!”

Na Capela irá haver

Casamento, com certeza,

Nem o diabo quer saber

E até acha uma riqueza!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 07/10/2016
Reeditado em 08/10/2016
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