TROVAS A MARIA DO CANTO

“Homenagem às gentes de

S. Martinho de Sande”

Conta uma lenda afamada,

Para as bandas de S. Martinho,

Que uma mulher do povinho

Está na memória gravada.

Seu nome Maria do Canto,

De rosto e alegres feições,

Cantava nos seus serões

Com paciência de santo.

É uma estória pitoresca

A lenda dos quatro irmãos

Fortes e de corpos sãos,

Mas com matéria burlesca.

Maria, naquela aldeia

De largos e rústicos trilhos,

Pariu-se de quatro filhos

Com vida dura bem cheia.

Dizia-se que era castiça

E em todas as suas andanças

Nunca deixava as crianças

Faltar ao domingo à missa.

Eram rapazes ladinos

E difíceis de aturar

E por nada lhes faltar

Deram logo em valdevinos.

O nome Maria do Canto

Vinha do encargo da igreja

Que a todos fazia inveja

Com seus cantares d´ espanto.

Quatro filhos eram demais,

Em todas as obrigações

Não lhe chegavam os tostões

Para as despesas normais.

Foi tão pesado o madeiro

Que o Deus-criador lhe deu

Ao fim d´ alguns anos morreu

Com pena do povo inteiro.

Pensou lá o senhor Prior:

- Não há aí pai que aguente,

Senhor Zé, mande-os p´ ra gente

Que este passal é maior.

Lado a lado ali cresceram

Com saúde a dar co´ um pau

Mas o destino foi tão mau

P´ la morte do pai que perderam.

O que aprenderam na escola

Foi o velho jogo do pau

Passando ribeiras a vau

Conforme lhes dava na mola.

Por aquelas redondezas

Todos lhes batiam palmas

E sempre com todas nas calmas

Ia dando para as despesas.

Com seus jogos habilidosos,

Chegando a pôr tudo em cacos,

Lucravam alguns patacos

Tornando-se assim famosos.

Foi tão grande o panorama

Que em dia de S. Martinho

Puseram-se cedo ao caminho

Por entre pedras e lama.

Naquela feira de gado

Era tanta, tanta gente,

Que se perderam de repente

E passaram um mau bocado.

O mais novo s´ encontrou

Com uma rapariga gaiata

Que lhe disse com toda a lata

Que por ele se apaixonou.

- Ai, ó meu donzel jeitoso,

Não queres vir namorar?

Cá comigo até fartar

Hás-de ter o maior gozo.

- Senhora minha formosa,

Não sei o que pretendeis,

Quero apenas que me deixeis

Mas tomai lá esta rosa.

- Vou procurar meus irmãos,

Não me quero deles perder,

Esta paixão eu vou esconder

Deixai-me beijar vossas mãos.

- Vai lá e volta depressa

Encontrar-me-ás com certeza

A feira é grande e tem beleza

Mas a noite já se apressa…

Os seus irmãos doloridos

Foram por ele encontrados

E logo depois, abraçados,

Juraram ficar mais unidos.

Contou aos três a aventura,

Que passou na ocasião,

A história da sua paixão

Por aquela formosa figura.

Pensando estar a brincar,

Naquele estranho fulgor,

Sentiram também o calor

Daquela donzela encontrar.

- Onde a deixaste por agora?

Vamos lá ver se a vemos

Quem sabe todos tentemos

Namorá-la por uma hora.

Assim falou o mais velho

Que por orgulho fez preito

Dizendo que tinha direito

Sem precisar de conselho.

- Ai, és tu, ó pauliteiro,

Onde ficou meu donzel

Que daqui foi a tropel

Chegando tu cá primeiro?

- Sois muito bela, ó meu bem,

Alguns direitos mantenho,

Juntar-me a vós é que eu venho

E não queirais mais ninguém.

- Já qu´ os quatro me quereis,

Apenas um terá sorte,

É o que de vós for mais forte

E logo então me tereis…

Começou debaixo do céu

Um combate de loucuras

Entre as quatro criaturas

P´ ra conseguir tal troféu.

Um após um deu em morto,

Só o mais novo escapou

E ferido se arrastou

P´ la rude encosta do horto.

Foi-se ao Prior confessar

Com tal agrura tamanha

Que depois desta façanha

Acabou por agonizar.

O abade ficou espantado

Daquela tragédia macabra

E ali decidiu que lhe dava

Enterramento e noivado.

Juntou aos três o herói,

E cruz de granito por cima,

Quatro irmãos e uma só estima

Na trágica morte que dói.

À jovem moça sedutora

Num convento a encerrou

E Maria do Canto lhe chamou

Por ser ela a causadora.

E na solidão dos segredos

Daquela agreste montanha

Jaz esta estória tamanha

Debaixo de quatro lajedos.

E em Dia de S. Martinho

Há quem vá àquelas fráguas

Para matar suas mágoas

Bebendo um copo de vinho!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

Nota – Lembremos que o orago de S. Martinho será o mais comum em muitas terras de todo o Minho e até mesmo de Portugal.

Em S. Martinho de Sande, como em todo o concelho de Guimarães, proliferam lendas acerca de episódios variadíssimos que, em si mesmos, constituem tradição e património popular.

Assis Machado

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 11/11/2015
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