O SEGREDO DO ABADE

“Em trovas românticas”

Contou-me pela tardinha

Uma mulher de Guardizela

Que lhe contaram a ela

Esta lenda tão velhinha.

Venha ver, meu caro senhor,

No chão a placa pisada

Dizem que ali enterrada

Jaz uma história de amor.

Está fora do campo santo

E ninguém sabe porquê

O nome já mal se vê

Mas é p´ ro povo um espanto.

Aqui na aldeia viveu

Há muito tempo passado

Um tal barão abastado

Que na guerra se perdeu.

Quando os franceses chegaram

À sua casa e aos quintais,

Galinheiros e coisas mais

A toda a gente limparam.

Foi tão grande a confusão

Que a criada, meia tonta,

Fugiu e ninguém deu conta

Com uma menina p´ la mão.

Dizem que era do fidalgo

A criança que levava

E por tudo procurava

Conseguir pô-la a salvo.

Saber nunca se há-de,

Se era dos dois a menina

Chegando, depois da matina,

Ao pardieiro do abade.

Como era de madrugada

E se via muito mal

Concluiu que era o passal

E não ficou descansada.

Estava ela assim pensando

Quando o abade a descobriu

E, ao vê-la, logo sorriu

Sua criança acarinhando.

- És tu, Mariana infeliz,

De quem é esta menina

Ainda tão pequenina

Que à tua sorte condiz?

- Filha minha, senhor prior,

Mas eu tenho muito medo,

Se descobrirem o segredo

A desgraça será maior…

- Não temas, ó rapariga,

Teu segredo fica comigo

Apenas a Deus o digo

Pra que ninguém te persiga.

- Ficas cá, como criada,

Se alguém notar eu direi

Que a menina que criei

É minha filha adoptada.

- Senhor prior, senhor prior,

Tirou-me de mim este peso

E o fidalgo que está preso

Não saberá minha dor.

- Se ele qualquer dia voltar

Eu logo desapareço

E assim a Deus agradeço

Por, finalmente, a salvar.

Aqui tem a estranha história

De um segredo de espantar

Que nunca se há-de apagar

Nesta aldeia com memória.

Logo que a guerra acabou

Soube-se p´ la voz do vento:

A menina foi p´ ro convento

E o tal fidalgo se matou.

Mariana, deu em demente

Passando as horas a fio

Debaixo do sol ou ao frio

Partindo pauzinhos ausente.

Este segredo é mistério:

O abade ficou na lenda

Sem a divina reprimenda

P´ ra tão grande vitupério!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 26/05/2015
Reeditado em 03/06/2015
Código do texto: T5255407
Classificação de conteúdo: seguro