TROVAS DA MINHA INFÂNCIA
Quando ainda era criança
E andava pela primária
Veio-me aqui à lembrança
Uma peripécia usuária.
Às oito e meia certinho
Chegava à porta da escola
E aproveitava um tempinho
Pondo de lado a sacola.
Esperava sempre um colega
Fazendo o tempo passar
Para jogar cabra-cega
E a minha bola chutar.
Tocava às nove a sineta
E íamos logo a correr
Qu´ atrás da porta a vareta
Estava pronta a varrer.
-Meninos, larguem os jogos
Vamos abrir a lição,
Vamos lá ler, vamos todos,
E com a pena na mão.
-Muito bem, já está melhor,
Disse a regente pra nós
Mas, pra ficar um primor,
Levantem mais essa voz.
Agora sim, dá pra valer.
Fechem o livro co´ a mão
E todos vão escrever
Uma breve redacção.
Escrevam, mas sem conversa,
“O que gostava de ter
Para ser feliz depressa
Quando houver de crescer”.
Na loisa escrevi 4 linhas,
Assim um pouco ao calha.
Já fiz asneira das minhas
E pensei: ó Deus me valha.
Levei a folha a tremer
Como era pouco, ela leu
E, logo, sem se conter
Até um elogio me deu.
- Ai menino, és malandreco,
Eu não sei o que é que tens
Mas por causa do fradeco
Até mereces os parabéns.
Que escrevi eu, afinal,
Naquela loisa amarela
Uma quadra tão banal,
Parece que estou a vê-la:
“Para ser feliz depressa
Vou pedir a Sto. António
Que me livre da conversa
E do medo do demónio”.
(O demónio era uma vara,
Também chamada faustina:
Estar quieta, coisa rara,
Sempre à mão ali à esquina.)
- O colega escreveu bem,
Porque, para se aprender
E para se ser alguém,
Conversa não se deve ter.
Minha mestra, e eu criança,
Minha escola apetecida,
Minha emoção e lembrança
Sentido da minha vida!
Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA