TROVAS DA MEMÓRIA QUE PASSA
“Como eu vivi a Revolução”
P´ las seis horas da manhã
Alguém bateu à minha porta:
Oiçam, anda aí coisa torta,
E o governo aflito está…
Pensei ser uma patranha,
Como já era costumeiro,
Fiz a conta co travesseiro
Por notícia tão estranha.
Mal refiz a madrugada
Liguei logo a telefonia
Não era, não, fantasia
E a rua estava agitada.
Grândola, Grândola, “Aqui
Movimento das Forças Armadas…”
As coisas estavam tramadas,
Estavam, pelo que ouvi.
De hora a hora o mesmo aviso
Para cada cidadão
Está em curso a revolução
E o governo está indeciso.
Sem tempo para comer
Muito menos trabalhar
Fomos logo acompanhar
O que estava a acontecer.
Numa das mãos o transístor
Na outra sandes ligeira
Corremos sem tremedeira
À procura de uma flor.
Tome lá uma, ó vizinho,
Grândola Vila Morena
Oiçam agora a cantilena
Qu’ antes se ouvia baixinho.
Passámos p´ lo Bairro Alto
Com ruas cheias de gente
E vimos à nossa frente
Militares em sobressalto.
No cimo de uma chaimite
Com megafone na mão
Topámos um Capitão
Dando ordem e um limite.
“Acabou o vosso tempo:
Ou saem cá para fora
Ou, dentro de meia hora,
Atiro co´ as portas dentro”.
Voltando-se para o povo
O mesmo arauto gritou:
“Afastem-se, tudo mudou,
Já temos um dia novo!”
Todo o povo delirava
Ao ver que ali escondidos
Estavam, quais foragidos,
Aqueles a quem odiava.
“Um … quando disser três,
Darei cabo desta laia!”
Proclamou capitão Maia
Erguendo a voz outra vez.
“Viva!” … a malta aplaudia,
“Seus assassinos, bandidos…”
E com gestos desmedidos
Davam largas à folia…
Três rajadas de repente,
Sem cair Carmo e trindades,
Mas caíram as verdades
Do Regime d´ antigamente.
Na Chaimite os maiorais
Os capitães algemaram
E as tiranias findaram
Para não voltarem mais!
Frassino Machado
In MUSA VIAJANTE