JARDIM DE TROVAS (ano 1999)
JARDIM DE TROVAS - 1999
Não preciso muito estudo
para um conselho à moçada:
não se meta em vale-tudo
se você não vale nada !
Velhas casa tão singelas
-- do Passado, monumento --
são as orquídeas mais belas
de uma selva de cimento.
Eis, na era da informática,
a conclusão que se tira:
é que a Verdade, na prática,
anda ao lado da mentira.
Se as dúvidas me consomem,
guardo certezas bem fundo:
pode haver vida sem o Homem,
mas sem Mulher não há Mundo.
Dos beijos, do abraço terno,
das juras e ramalhetes...
de nosso amor -- que era eterno --
só me sobraram bilhetes.
Levando a vida sozinha,
entre fantasmas e azias,
a velha senhora tinha
mania de ter manias.
Tempo é confuso dilema
que -- com surpresa imprevista --
passa veloz num cinema
e se arrasta no dentista.
Digo entre sério e risonho,
respondendo a seus apelos:
-- "A Vida é um belo sonho
com dois ou três pesadelos"!
Quantos retratos, memórias
guardadas nos camafeus
realtam mudas histórias
de amor, saudade e adeus.
A Vida sem fantasias
nessa loucura geral
que é o mundo de nossos dias
era hospício ou hospital.
No esporte, lazer ou lida,
em quase tudo, afinal,
há gente que faz da vida
um eterno carnaval.
Televisão (quem diria...)
que, em certos casos, atrasa,
põe mundos de fantasia
na sala de nossa casa.
De mil mainas estava
tão cansado que, a meu ver,
ultimamente êle andava
com mania de morrer.
Se do antigo amor eu guardo
em um bilhete o perfume,
êle me recorda o fardo
que foi teu atroz ciúme.
Ao te dar o ramalhete,
me olhando sem emoção
despedaçaste o bilhete
e também meu coração.
Ter ambição não é pecar
mas, para muitos na vida,
fortuna é se ter um lar,
mulher, filhos e comida.
Se a fortuna bate à porta,
o que pensamos primeiro
é o que geralmente importa:
que seja muito dinheiro !
Vai o barco multicor...
navega pleno de graça,
tocando qual beija-flor
as terras por onde passa.
Ouça meu conselho drástico,
teus caros filhos desarma:
quem, hoje, "fere" com plástico,
amanhã mata com arma.
No sertão bravio o pobre,
perdida toda confiança
e sem água, pão nem cobre,
se sustenta de esperança.
Era tão pouca a fazenda
e tantos para enganar
que o ladino poz à venda
terra, em lotes, sob o mar.
Se oculto a dor, o desgosto,
o que o Tempo desmascara
é a máscara que, no rosot,
se faz às vezes de cara.
Fiz das máscaras escudo
a esconder-me dos fracassos.
Esfôrço inútil, contudo...
êles me têm em seus braços !
Palhaço desempregado,
sem máscara vou seguindo
tendo o mundo todo, ao lado,
da minha desgraça rindo.
Na Vida, no dia-a-dia,
digo com sinceridade
que os momentos de alegria
são a tal felicidade.
Rico, famoso, invejado,
o insuportável sujeito
tinha o defeito danado
de se achar sem um defeito.
A verdadeira virtude
passa ao largo da vaidade
e é reflexo da atitude
de servir com humildade.
Hoje, que o peso da idade
é o fardo mor de meus dias,
vejo que a felicidade
é recordar alegrias.
Diante do rosto bonito
eu digo e meu bem não crê
que, maior que o infinito,
é o meu amor por você.
Mais um milênio se finda
com trechos do mundo em guerra;
quantos se precisa ainda
para termos paz na Terra?
Diz na Fruteira o mascate
ao velho que lhe pede ôvo:
-- "Pro vovô só abacate...
ou, então, nascer de novo"!
Caso a canoa soçobre,
ir água abaixo não temo:
logo que as forças recobre
sigo montado no remo !
Quando a saudade exaspera
e o horizonte triste fito,
cada minuto de espera
até parece infinito.
Eu penso triste, indeciso,
que o infinito lhe daria
se ela me desse um sorriso
ou, pelo menos, "Bom Dia"!
Pobre Eva, nua e pagã
num paraíso perfeito,
depois de comer maçã
em tudo via defeito.
Aquele velho arquiteto
tem um pequeno defeito:
constrói janelas no teto
e portas com... parapeito.
Ondas que viram marola
são os sonhos de criança
que acalentamos na escola,
enquanto a idade avança.
O idoso que você vê
trêmulo, só desencanto,
foi jovem como você,
construiu, sonhou, fez tanto...
Range a carroça à distância
e o boi, num passo indolente,
me traz lebranças da infância,
faz do Passado... presente !
Na correnteza da Vida
-- cheia de sustos e medos --
multidões vão de vencida,
poucos são como rochedos.
De Marte a Vênus obscura,
no futuro o que nos resta
será imensa procura
por uma simples floresta.
São certamente os anseios
que constroem nossas vidas,
mesmo quando os devaneios
tornam-se ilusões perdidas.
O Poeta que canta a vida
com a luz da inspiração,
em sua trova sentida
traz muito do coração.
Na Antiguidade, o Hipócrates
com franqueza já dizia:
-- "Medicina... desde Sócrates
não admite hipocrisia"!
Deitado em rede de renda
penso com leve sorriso
que esta bonita fazenda
é a porta do Paraíso.
Fazendas, nunca te esqueças,
estranha emoção vão dando:
parecem quebra-cabeças
sem peça alguma faltando !
Humilde, pobre, roceiro,
sem rumo, sem pão nem norte
o migrante brasileiro
é um deserdado da sorte.
No Carnaval o menino
diz à mãe o que êle quer:
-- "Brincos, batom, salto fino...
fantasia de mulher"!
Se o João ía a passeio,
de vergonha êle morria
pois tudo nele é tão feio
que parece fantasia.
Nada ao acaso acontece
mas penso, em sonhos imerso,
que uma fazenda parece
a criação do Universo.
Desbravando imensidões,
quantas rudes caravelas
deram vida a mil nações,
trazendo o futuro nelas.
Se alguém fala em furacão
treme todo o vira-lata;
sob a cama do patrão
vê-se em espeto de prata.
Era tão magra a netinha
que o vovô, bem contrafeito,
viu no quarto da pestinha
um "esqueleto" no leito.
Ah, caravelas... gaivotas
que velejam na amplidão
buscando terras remotas,
com a fé no coração.
Sou um principe risonho
ou plebeu sem alegria:
apaga-se a luz do sonho
quando surge a luz do dia!
O que o escritor produz
ilumina a Humanidade
mais que as usinas de luz
de gigantesca cidade.
Quanta ruína, avidez
se vê em toda floresta
quando imensa estupidez
nos homens se manifesta.
Eis que vêm as caravelas
com emoção, força e cores;
avançadas sentinelas
de povos descobridores.
Com justos entre a canalha
findou-se o Mundo, caramba...
Descansado da gentalha
lá vai Deus cantando um samba.
Velando noites em claro
tem nos olhos meigo brilho:
ternura é presente raro
que toda mãe dá ao filho.
Sinto-me peixe no aquário...
sem norte ou sul vou sofrendo,
cumprindo humilde o fadário
de me imaginar vivendo !
TROVAR é rezar em versos,
colorir tempos insanos
onde os seres, tão dispersos,
nem parecem mais humanos.
As recordações de infância
-- qual pirilampo andarilho --
têm forma, luz e fragrância,
dando à Vida novo brilho.
Geme a velha, sussurrando,
enquanto a cama sacode:
-- "Ai, querido, desde quando
você tem esse... "bigode"?!
Este homem que a tantos deu
ajuda, casa e comida,
aplausos só recebeu
ao se despedir da Vida.
-- "Quero um bigode daquele"...
diz o guri com voz rouca.
-- "Vovô me disse que o dele
deixa a mulherada louca"!
Mais que os aplausos, quimera
enchendo os olhos de mel,
vale a crítica sincera
de um só amigo fiel.
Há homens que, desde cedo,
vivem em grande alvoroço:
só põem um anel no dedo
com a corda no pescoço.
Cobiça não nos convém,
fujamos sempre da intriga:
o que não se tem por bem,
por certo não vem com briga.
Nem o príncipe mais nobre,
com séquito e regimento,
tem a riqueza do pobre
que produz o seu sustento.
Chegamos a 2.000 anos !
Ets que o Mundo se renova...
mesmo entre mil desenganos
nos sobra o prazer da Trova.
"NATO" AZEVEDO