JARDIM DE TROVAS (1995/98)

JARDIM DE TROVAS

Artista da Natureza,

Deus moldou com mãos de bamba

esse mar que é uma beleza,

com maré que canta e samba.

O mar com pobres parece

na virtude que Deus deu.

Tarda mas jamais esquece:

devolve o que não é seu.

Um arco-íris encantado

em mil tons de claro & escuro,

a foto é belo passado

presente em nosso futuro.

De rimas feias (que importa !)

novas trovas vou compondo.

De pé quebrado, mão torta...

quero é continuar trovando !

Depois de tanto tormento

eu me descasei de fato.

O "poster" do casamento

virou foto 3 x 4 !

Mais um ano é passado...

um outro, novo, vem vindo

e o sonho náo-realizado

é esperança ressurgindo.

Ano Novo, vida nova...

um longo adeus vamos dando

ao velho, que se renova,

nas festas que vêm chegando.

Disse-me a esposa, atrevida:

-- "Eu vou de biquini à rua"!

Pensei que fosse vestida,

mas ela foi quase nua.

Deus nos deu tal esperança,

que nossas forças sustenta.

Nos virá sempre a bonança

depois da dura tormenta.

Quando o amor se desespera

na intensa dor da saudade

cada minuto de espera

parece uma eternidade.

Quando meu bem se despede

no triste aceno de um lenço,

junto ao adeus que sucede

eu sinto o beijo do vento.

A água que nos alimenta

e torna as vilas floridas

é a mesma que, na tormenta,

arrasa casas e vidas.

Todo jovem sem estudo

se parece com a estrada

que, à pretexto de ir a tudo,

às vezes não chega a nada.

Interrompida, fechada

ou livre e desimpedida,

perfeita ou esburacada...

bem a Estrada imita a Vida.

A Vida passa, qual trem,

com variado itinerário,

andando num vai-e-vem

sempre no mesmo cenário.

A Vida é belo cenário

no qual cumprimos a sina

de rei, jogral, operário

e a Morte cerra a cortina.

Nação das mais desastradas

meu Brasil, num dito seco...

"seguiu por tantas estradas

mas acabou foi num bêco"!

Em tempos nada comuns

eis que a rua é, no fundo,

perdição e mal de alguns,

sustento de todo mundo.

Embora até não pareça

é qual coberta o salário

pois, quando cobre a cabeça,

descobre os pés do operário.

Com o coração na lua

e o pensamento disperso

olho o fim da minha rua

e vejo todo o Universo.

Presente de mágoas & dores

mas de passado tão belo,

nação de todas as cores...

meu Brasil verde-amarelo !

Jesus à Terra voltando

e, em guerra o mundo de lá,

sem hesitar e exultando

nasce em Belém... do Pará !

Sei que é verdade sentida

(parece até brincadeira):

de tanto "dançar" na vida

acabei na Capoeira.

Filho, acorda para a Vida,

do futuro siga o rumo.

Não use droga ou bebida,

não seja escravo do fumo.

Quando só na ampla casa

me vi chorando na mesa

na dor que o pranto extravasa...

foi saudad ou foi tristeza ?

Enquanto alguns têm no drama

triste orquestra de seu dia,

muita gente vive a chama

de uma eterna melodia.

Na Vida há caminhos loucos,

com belo ou triste cenário:

autoestrada para poucos,

prá maior parte calvário.

Tantos caminhos na Vida,

tão promissora a jornada...

indeciso na partida

me perdi na encruzilhada.

Resolvem tudo na roça:

febres, casórios,charadas...

são motivo até de troça

três santinhos camaradas.

-- "Filha, que enorme barriga,

o que sucede contigo"?!

-- "Mamãe, deve ser lombriga

ou inflamação do umbigo"!

Belo arauto é o carteiro

de mensagens de esperança,

aguardado mensageiro

da saudade e da lembrança.

Caminho é, em suma, a Vida

de fortuna, cruzes, dores;

alegre, dura ou sofrida

estrada de pedra e flores.

Na aula o mestre é só dilema

e tem problemas daí:

-- "Fessô, sei 'screvê porbema...

u pubrema é qui 'squici"!

Supera todos problemas,

dramas, infelicidade;

cruza a Vida e seus dilemas

conservando a dignidade.

Bem diz o velho ditado:

"não vá ao Mundo abraçando".

Quem a todos faz agrado

acaba desagradando.

Gaúcho que o vento embala

com ar de prazer profundo,

o campo é a tua sala

e as coxilhas são teu mundo.

Pior que o quiabo meloso

que nosso humor azeda

é o risinho pegajoso

dos que assistem nossa queda.

Só uns poucos, como o sol,

brilham em mil e um caminhos.

Muitos, qual triste farol,

passam a vida sozinhos.

Crianças se divertindo

na chuva, ao lado dos seus,

parecem anjos sorrindo

sendo banhados por Deus.

Quem faz troça da desgraça

do amigo esquece o ditado

de que fogo só tem graça

quando é na casa do lado.

-- "É tanta hoje a cobrança

(disse o velho, num suspiro)

que, tenho a desconfiança,

vão cobrar o ar que respiro"!

Se pedes a alguém dinheiro

tens, por justiça, entender

que o mandamento primeiro

é o dever de não dever.

Engoli "sapo" e "pepino"

mas o fiz inconformado,

que o que me deu o Destino

nunca foi do meu agrado.

Na escola a lição mais alta

é de sentido sublime:

dever deveres é falta,

faltar ao dever é crime !

O Sol, que nos dá a vida,

às vezes por inclemência

destrói, arrasa, invalida,

impede a sobrevivência.

Dos absurdos dou risada

mas, às vezes, me confundo...

quem merece não ter nada

sonha ser dono do Mundo.

Na praia, de olhos tristonhos,

se o pensamento vagueia

sinto que a Vida e seus sonhos

são como água e areia.

As praias e os pobres têm

atitudes parecidas:

em constante vai-e-vem

vão levando suas vidas.

Brilha o sol e os raios seus

me dão imensa alegria

pois sei que, graças a Deus,

eu mereço mais um dia.

Chove muito, sem parar

e a chuva verdade encerra:

parece os céus a lavar

tod'os pecados da Terra.

O Mundo, Deus assim quiz,

faz-se sem nenhum favor

para alguns parque feliz

e, aos demais, circo de horror.

Esqueçamos desavenças,

êrros, ódios e deslizes.

Aplainemos diferenças...

sejamos, enfim, felizes.

No balanço da cadeira

a vovó, com alvas tranças,

recorda uma vida inteira

plena de belas lembranças.

Se acaso a Vida nos prostra

frente a seus mil e um perigos,

com surpresa ela nos mostra

os verdadeiros amigos.

Uma surpresa graúda

na vida de todos cabe:

quanto mais a gente estuda

vai vendo que menos sabe.

Ditado mais que perfeito,

que nos cabe muito bem:

nunca se está satisfeito

com a vida que se tem !

A mais sagrada verdade

na boca de quem não presta

vira, até sem má vontade,

mentira bem indigesta.

A mentira tem dois lados,

sei que isso ninguém desmente:

o dos que a ouvem calados

e o dos que a contam prá gente!

"NATO" AZEVEDO

(RESUMO da produção de 1995/98)