REFLEXÃO - ESTUPIDEZ
JUSTIÇA – (do Rio de Janeiro – RJ) O tema é meramente para reflexão; recente a Rede Globo divulgou imagens de crianças de 5 anos trabalhando na lavoura e cultivo do tabaco no interior do Paraná; falou-se sobre a exposição de crianças no trabalho, da contaminação corporal delas por meio da nicotina e a digníssima Doutora, membro do Ministério Público do Trabalho, citou as ações já adotadas contra a INDÚSTRIA FUMAGEIRA que compra as plantas para o fabrico de cigarros e afins, como se fosse elas as únicas culpadas por esta lástima.
A indústria fumageira é mera coadjuvante nesta história sombria, afinal de contas, se o cigarro é liberado, mesmo com a maior carga tributária do Brasil, ela precisa de matéria prima para produzi-los e não há outro lugar a cultivar o tabaco, senão os campos da Zona Rural; agora, se os PAIS obrigam suas crianças a plantarem, colherem e armazená-los, a principal culpa é deles. O Ministério Público do Trabalho deveria acionar cada pai e mãe que permite (ou obriga) seus filhos a submeterem a este tipo de labor azedo, cruel e infeliz; aliás, toda criança com menos de 15 anos, uma vez que é tutelada pela Mãe Pátria, deveria ter também os cuidados dela.
O representante patronal, neste caso, o Sindicato da Indústria Fumageira, alegou estar quite com suas obrigações e afirmou que a situação é crítica em qualquer canto do Brasil e não somente no interior do Paraná. Se por um lado o empresário tem culpa, pelos critérios adotados na compra destas folhas de tabaco, ele também tem certa razão, por mais imbecil que possa parecer, porque eu garanto que nenhum contrato lavrado entre os agricultores e as indústrias, seja para compra ou cultivo em regime exclusivo; ninguém seria idiota ao ponto de afirmar que “as crianças devem trabalhar para que haja o cumprimento dos mesmos”.
Na mesma matéria, os pais destas crianças afirmaram que a indústria manipula cotações, acordos, preços finais e eles ficam sempre devendo ao final; justificaram que colocam seus filhos para trabalharem por conta destes péssimos acordos comerciais, apenas para aliviarem as dívidas; mas se é isso mesmo que ocorre, basta mudar de lavoura; que adotem outro tipo de cultivo, afinal de contas, quando uma empresa começa a apresentar dívidas, ou ela muda de ramo ou fecha as portas; nas culturas agrícolas de subsistência não deve fugir a regra, mas ao invés de procurarem outro tipo de ajuda, colocam seus filhos menores de 10 anos para sofrerem na pele toda a desgraça trazida por eles como legado.
A Rede Globo é sensacional quando “fuça” situações inusitadas como esta, mas às vezes eu me sinto magoado porque eles fazem isso e esquecem rapidinho de tudo; esqueceram, por exemplo, das crianças que quebram pedras na Bahia e Pernambuco em troca de comida (pouca e ruim); esqueceram das crianças do Norte que ainda trabalham nos seringais; esqueceram das crianças de Alagoas e São Paulo que se mutilam no cultivo da cana-de-açúcar; esqueceram dos meninos e meninas das periferias das cidades litorâneas que vivem no lodo dos mangues para levarem para casa a comida do dia; esqueceram dos garotinhos que morrem nos garimpos ilegais no Pará e Amazonas; das crianças que trabalham nas carvoarias de Minas Gerais e Mato Grosso que se submetem ao calor infernal e respiram o pó do carvão; lembram de vez em quando das crianças que vivem a serviço do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e São Paulo; das garotinhas de mesma idade do Ceará que são obrigadas a prostituírem-se, isso mesmo, crianças de 7 a 10 anos fazendo sexo abertamente na Praia de Iracema em Fortaleza sob olhares curiosos de Policiais Militares que só protegem os aliciadores ou ainda de todas as outras crianças que vivem nas ruas (literalmente), sobrevivendo de pequenos furtos ou das sobras de algum restaurante caridoso.
No Nordeste, os pais oferecem suas filhas com menos de 10 anos para famílias de fazendeiros na esperança que elas consigam uma vida melhor numa casa estruturada, da mesma forma que eles também pensam que é menos uma boca na hora do almoço; salvam-se duas situações agressivas de uma única vez. Estas meninas são postas nas casas dos patrões como “empregadas domésticas”; algumas (poucas) viram filhas; outras (muitas) trabalham a vida inteira, servindo a todo tipo de apetite e temperamento, sem nunca saberem o que é a CLT ou o caminho de volta pra casa. Isso ninguém denuncia, porque muita gente importante vive este tipo de realidade.
A questão é posta na mídia como se esta criança fosse diferente daquela criança de mesma idade. Eu me lembro de quando eu ainda contava 10 anos, meu pai, muito trabalhador e honesto, para ajudar no orçamento baixo, matava ovinos no quintal de nossa casa e me colocava para entregar o fruto daquela matança aos vizinhos que compravam dele a carne exótica. Nada daquilo me fez infeliz, até mesmo porque eu tinha certeza que estava ajudando meu pai e me orgulhava de levar às vezes a metade de meu peso nas costas; nenhum dos trabalhos sugeridos por meu pai, quando eu era criança, me deixou lesões físicas ou psicológicas; eu estudava como qualquer outra criança de minha idade e comia com dignidade, mas eu queria mesmo era brincar em meus horários vagos.
A lei é dura aonde a Justiça não chega e quando a imprensa visita locais como os que eu citei e flagra situações inusitadas como a visão de crianças trabalhando o mundo exterior a aquela realidade, como nós, meros cosmopolitas, reage de modo espantoso; o espectador dos jornais de televisão não imagina o que se passa no interior do Brasil aonde a televisão ainda não chegou. A situação é ainda mais crítica do que tudo isso que já foi apresentado nos últimos 20 anos em todas as emissoras de TV, jornais e revistas, basta visitar o Brasil como eu já visitei para saber do que eu acuso.
Pode doer em alguns, mas nenhum juiz, desembargador, jornalista, advogado, promotor, Governador ou Presidente da República sabe de fato o que é o trabalho infantil no Brasil; porque ele acontece diante dos olhos de todos e quem são os "lucradores" de tudo isso? Responda quem souber, ou puder! Nossos falastrões que só querem aparecer na mídia “falam demais e fazem de menos”; isso é comum e com certeza, jamais deixará de ser assim. Enquanto a Doutora Promotora afirmava que adotará sansões para as empresas de fumo; aquelas do Paraná, ela não imaginou (ou se fez de rogada), que aquelas família poderiam estar sem os seus cultivos e suas crianças, ao invés de morrerem de trabalho, poderiam morrem de fome ou ainda migrarem para as ruas de uma grande cidade com seus pais, para pedirem esmolas e furtar turistas, porque não têm o que fazer.
Reafirmo que nada justifica a condição de uma criança ter que trabalhar para poder comer, mas antes de denunciar qualquer ato de trabalho infantil, se os representantes dos Poderes Constituídos, deveriam apresentar uma proposta séria e sustentável, para que as famílias destas mesmas crianças consigam ao menos um pouco de dignidade em suas mesas; ninguém consegue brincar ou estudar se sua barriga está vazia e para nossas crianças poderem um dia sonhar com escola e lazer, seus pais precisam ao menos disso, COMIDA e infelizmente, em lugar nenhum do mundo, há comida sem trabalho.
Você pode não achar isso, mas o problema é social e coletivo; não basta denunciar ou escrever sobre o tema; não basta afirmar compromissos em palanque ou aparecer na Rede Globo para bradar sobre uma ação jurídica; o problema é meu, é seu, é do Brasil; enquanto eu estou aqui, escrevendo de meu notebook com internet banda larga e tendo dinheiro para pagar a escola e laser de meus filhos, a Promotora terá no dia 30, R$ 17 mil em sua conta salário; enquanto as famílias daqueles infelizes garotinhos brasileiros que trabalham feito adultos terão dívidas e uma lavoura de fumo para tomarem conta, esperançosos de que um dia aquele mesmo fumo possa ser transformado em dinheiro que lhes pagarão ao menos o pão da noite, para que eles não durmam famintos. É bom pensar nisso!
Esta história de aparecer na Rede Globo para denunciar um tema polêmico me faz lembrar o dia em que eu fui convidado para ingressar numa instituição fraternal conhecida, que promove jantares semanais em clubes e bons restaurantes, para reunirem seus membros; num destes jantares de luxo, nós comíamos faisão ao molho de nozes e o Presidente da fraternidade pediu a palavra para discutir a fome dos que moravam nas favelas; o moço queria discutir ações pertinentes à fome de muitos e esqueceu que naquele lugar havia personalidades abastadas, que comia quitutes caros, regado a bom vinho branco chileno e tendo que discutir A FOME. Eu sugeri que nossas doações para os jantares fossem transformadas em cestas básicas; sabem qual foi o resultado? Não fui aceito como membro...!
Senhores Promotores de Justiça, procuradores em geral, antes de Vossas Excelências citarem os problemas, imaginem que os senhores são parte deles e que os Senhores podem, e devem também sugerir alternativas para a resolução absoluta destes problemas; façam a Justiça entender de uma vez por todas que o Estado é responsável pela resolução também e não somente pela punição; tirem seus "trazeiros" pesados das cadeiras confortáveis e justifiquem os salários bem pagos que recebem ao final de cada mês, faça chuva ou faça sol!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
Agradecimentos ao site Ipirá Negócios (www.ipiranegocios.com.br), de Orlando Santiago Mascarenhas, da cidade de Ipirá na Bahia, que gentilmente republica alguns textos do Irregular e me proporciona o recebimento de muitos e-mails gentis daquela cidade.