DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - O CASO ISABELLA

Não tanto pela repercussão do caso na mídia, mas pela explicação do conceito de prisão preventiva e prisão temporária, vale a pena ser lido este despacho, que segue na íntegra.

Também para aqueles que não tenham afinidade com o Direito, fica todavia registrado, dada as proporções que o caso alcançou, o que pode gerar algum interesse.

P O D E R J U D I C I Á R I O

S Ã O P A U L O

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C O N C L U S Ã O

Em 06 de maio de 2.008, faço estes

autos conclusos para o MM. Juiz de

Direito Auxiliar, DR. MAURÍCIO FOSSEN,

em exercício neste 2º Tribunal do Júri

da Capital - Foro Regional I Santana.

Eu,_______, Escr., subscrevi.

Processo nº: 274/08

VISTOS

1. Ante a comprovação da materialidade do crime através

do laudo de exame necroscópico da vítima, que já se encontra encartado aos

autos, e a existência de indícios de autoria em relação aos acusados

ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO

JATOBÁ, inclusive com individualização da conduta atribuída a cada um deles

na prática do crime ali descrito, de competência deste Tribunal do Júri, recebo a

presente denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os réus, dando assim

por instaurada a presente ação penal.

2. Designo interrogatório dos réus para o próximo dia 28

de maio de 2008, às 13:30 horas.

Expeça-se o competente mandado para citação e

intimação dos réus, com as advertências de praxe.

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Como os réus já constituíram Advogados nos autos, os

mesmos deverão ser intimados pela Imprensa Oficial para comparecerem à

audiência de interrogatório de seus clientes.

O mandado deverá ser cumprido até 10 dias antes da

audiência.

3. Requisitem-se F.A. e eventuais certidões criminais dos

acusados, como também os laudos periciais faltantes junto à D. Autoridade

Policial, como pleiteado pelo Ministério Público.

Requisite-se também o serviço de estenotipia junto à E.

Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo para o dia do

interrogatório dos réus.

Fica deferida também a oitiva das três testemunhas

arroladas pelo Ministério Público além do limite legal, as quais serão ouvidas

como testemunhas do Juízo com base no princípio da busca da verdade real no

processo penal.

4. Por fim, quanto ao requerimento de decretação da

Prisão Preventiva dos réus formulado pela D. Autoridade Policial e endossado pelo

nobre representante do Ministério Público, entende este Juízo que tal pretensão

deve realmente ser acolhida no presente caso concreto, já que se encontram

presentes os requisitos legais exigidos para tanto pelos arts. 311 e 312, ambos do

Código de Processo Penal.

Porquanto este mesmo magistrado já tenha decretado,

em momento anterior, a prisão temporária dos réus, o fato é que os fundamentos

para a decretação da prisão preventiva são totalmente diversos e, portanto, em

nada vinculam a presente decisão, uma vez que se tratam de medidas judiciais

com finalidades totalmente diversas.

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Isto porque a prisão temporária decretada anteriormente

possuía um objetivo estritamente pré-processual, visando, no entendimento deste

magistrado, impedir que a presença dos réus na cena do crime, naquele momento

– sobre quem recaíam as suspeitas de autoria do delito – pudesse acarretar

algum prejuízo aos trabalhos de campo que as perícias técnicas já designadas e

que se mostravam imprescindíveis para o esclarecimento dos fatos, necessitavam

ainda serem realizadas naquele local.

Tal providência, aliás, veio a se revelar bastante salutar,

posto que exatamente durante o período que os réus tiveram sua liberdade

restringida, é que foi realizada a grande maioria das provas técnicas que estão

servindo de base a instauração da presente ação penal, uma vez que foi possível

não apenas identificar novas marcas de sangue no apartamento onde os mesmos

residiam – mesmo tendo os Srs. Peritos constatado que teria havido uma

tentativa de adulteração da cena do crime, já que vários daqueles vestígios

chegaram a ser removidas, sendo que graças à tecnologia empregada foi possível

identificar a presença dos mesmos (fls. 674) – mas também realizar simulações

para identificar a altura de onde as gotas de sangue caíram do corpo da vítima

até atingir o solo, visando identificar a altura do agressor, como também no

veículo da família, sem falar nos vestígios de pegadas no apartamento e na janela

de onde a menina foi atirada, cujas provas permitiram aos Srs. Peritos tentar

reconstituir a dinâmica dos fatos no dia do crime.

Além disso, a prisão temporária dos réus visava também

evitar uma possível intimidação que a simples presença dos mesmos naquele

local – onde possuem seu domicílio – poderia potencialmente causar às

testemunhas – notadamente quanto àquelas ainda não ouvidas – que ali também

residem e, com isso, inibi-las de prestarem outros esclarecimentos necessários à

D. Autoridade Policial para a busca da verdade real a respeito da autoria do crime

em apuração.

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Agora, no entanto, já estando encerrado o inquérito

policial, após a conclusão dos laudos técnico-periciais que se mostraram

pertinentes e ouvidas todas as testemunhas que a D. Autoridade Policial

considerou importantes para elucidação dos fatos e individualização das

condutas de cada um dos acusados, não há mais que se falar em prisão

temporária, somente sendo possível decretar-se a segregação da liberdade dos

acusados durante o transcorrer a instrução processual, enquanto ainda não

existe sentença penal condenatório definitiva, através de prisão preventiva, a qual

possui natureza jurídica totalmente diversa daquela primeira.

O Instituto jurídico da prisão preventiva encontra-se

previsto nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, o qual exige,

para sua decretação, que esteja provada a materialidade do crime e haja indícios

suficientes de autoria e, concomitantemente, que a medida se mostre necessária

para uma garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução

criminal ou então para assegurar a futura aplicação da lei penal.

Não resta dúvida que a prisão processual constitui uma

medida drástica, já que antecede uma eventual decisão condenatória definitiva;

todavia, não é menos certo que, quando necessária em uma daquelas hipóteses,

exige coragem por parte do Poder Judiciário que não deve se omitir na defesa da

sociedade, posto que, na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, lembrando

Bento de Faria, ao denominar a prisão preventiva como uma “injustiça necessária

do Estado contra o indivíduo”, ressalva:

“Se é injustiça, porque compromete o ‘jus

libertatis’ do cidadão, ainda não definitivamente considerado

culpado, por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça

Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado

autor em liberdade.” (“Processo Penal”, Ed. Saraiva, 11ª edição,

vol. 3, pág. 418).

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Tanto é assim que a Constituição Federal expressamente

excepciona a prisão em flagrante e as prisões processuais decretadas por

Autoridade Judiciária da garantia à liberdade contida no inciso LXI, de seu art.

5º, o que demonstra que não há qualquer incompatibilidade entre aquelas

hipóteses de custódias processuais e o princípio da presunção de inocência

contida no inciso LVII do mesmo dispositivo constitucional, inclusive como já

ficou assentado na Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

No presente caso concreto, ainda que se reconheça que

os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o

apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos

para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de

Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo,

além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado

espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão

temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes

a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação

penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria:

“RHC – PROCESSUAL PENAL – PRISÃO

PROVISÓRIA – A primariedade, bons antecedentes, residência

fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão

provisória” (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min.

Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).

Na visão deste julgador, prisão processual dos acusados

se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a

credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o

crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no

meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo

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objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como

exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a

reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia

cautelar.

Nesse sentido, podemos citar, apenas a título de

exemplo, os seguintes ensinamentos, além daqueles já mencionados pelo Dr.

Promotor de Justiça ao referendar o pedido de prisão preventiva formulado pela

D. Autoridade Policial:

“Desde que a permanência do réu, livre e

solto, possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão

danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a

prisão preventiva ‘como garantia da ordem pública’. Nessa

hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência

cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie,

verdadeira ‘medida de segurança’. A ‘potestas coercendi’ do

Estado atua, então para tutelar, não mais o processo

condenatório com o qual está instrumentalmente conexo e,

sim, como fala o texto do art. 312, a própria ‘ordem pública’.

No caso, o ‘periculum in mora’ deriva dos prováveis danos que

a liberdade do réu possa causar – com a dilatação do

desfecho do processo – na vida social e em relação aos bens

jurídicos que o Direito Penal tutela.” (JOSÉ FREDERIDO

MARQUES, in “Elementos de Direito Processual Penal, Ed.

Bookseller, Campinas-SP, vol. IV, pág. 63).

“Crimes que ganham destaque na mídia

podem comover multidões e provocar, de certo modo, abalo à

credibilidade da Justiça e do sistema penal. Não se pode,

naturalmente, considerar que publicações feitas pela

imprensa sirvam de base exclusiva para a decretação da

prisão preventiva. Entretanto, não menos verdadeiro é o fato

de que o abalo emocional pode dissipar-se pela sociedade,

quando o agente ou a vítima é pessoa conhecida, fazendo com

que os olhos se voltem ao destino dado ao autor do crime.

Nesse aspecto, a decretação da prisão preventiva pode ser

uma necessidade para a garantia de ordem pública, pois se

aguarda uma providência do Judiciário como resposta a um

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delito grave...” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de

Processo Penal Comentado”, Ed. RT, 6ª edição, SP, 2007, pág. 591,

sem grifos no original).

Esse entendimento doutrinário também encontra amparo

na jurisprudência pátria, como demonstra a ementa de acórdão proferido pelo

Colendo Supremo Tribunal Federal, a seguir transcrita:

“No conceito da ordem pública, não se

visa apenas prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas

acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça

em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A

conveniência da medida de ser revelada pela sensibilidade do

juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa” (STF, HC nº

60.043-RS, 2 Turma, Rel. Ministro Carlos Madeira, RTJ 124/033).

No mesmo sentido o teor do acórdão daquele mesmo

Sodalício, em que foi relator o I. Ministro Carlos Aires Brito, cujo trecho de

interesse aos autos, onde o credibilidade da Justiça é admitido como argumento

válido para fundamentar o decreto de prisão cautelar se encontra assim redigido:

“HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM.

PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO

PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR

QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO

SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE

PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA

REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO

DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA

CONCLUSÃO DO PROCESSO.”

“O plenário do Supremo Tribunal Federal,

no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério

agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir

de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão

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cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso

concreto na ordem pública.” (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel.

Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).

Sob esta ótica, pode-se constatar que a conduta

imputada aos autores do crime descrito na denúncia deixa transparecer que se

tratam de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo de

compaixão humana, ainda mais em se tratando do fato de que a vítima seria filha

de um deles e enteada do outro, a qual estava sob a responsabilidade dos

mesmos, e que, se não por esta razão jurídica, ao menos pelo dever moral,

deveriam velar por sua segurança, o que, no entanto, foi desprezado por eles,

posto que além da acusação de esganadura contra a menina, a qual teria

provocado um quadro de asfixia mecânica, como apontado na conclusão do laudo

pericial juntado aos autos, foi ainda brutalmente atirada pela janela do 6º andar

do prédio onde a família residia, sem nenhuma piedade.

Queiramos ou não, o crime imputado aos acusados

acabou chamando a atenção e prendendo o interesse da opinião pública – em

certa medida, deve-se reconhecer, pela excessiva exposição do caso pela mídia

que, em certas ocasiões, chegou a extrapolar seu legítimo direito de informar a

população – o que, no entanto, não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário e

fazer-se de conta que esta realidade social simplesmente não existe, a qual dele

espera uma resposta, ainda mais se levarmos em consideração que o inquérito

policial que serviu de fundamento à presente denúncia encontra-se embasado em

provas periciais que empregaram tecnologia de última geração, raramente vistas –

o que é uma pena – na grande maioria das investigações policiais, cujos

resultados foram acompanhados de perto pela população, o que lhe permitiu

formar suas próprias conclusões – ainda que desprovidas, muitas vezes, de bases

técnico-jurídicas, mas, mesmo assim, são conclusões – que, por conta disso,

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afasta a hipótese de que tal clamor público seja completamente destituído de

legitimidade.

Além disso, a prova pericial juntada aos autos apresenta

fortes indícios de que o local do crime foi sensivelmente alterado, com o evidente

intuito de prejudicar eventuais investigações que viessem a ser ali realizadas

posteriormente, já que vários vestígios de sangue de aspecto recente no interior

do apartamento teriam sido parcialmente removidos, inclusive em uma fralda de

algodão encontrada dentro de um balde no local do crime, em processo de

lavagem, onde foi obtido resultado positivo para sangue humano, como apontado

nas conclusões contidas no laudo pericial já encartado aos autos (fls. 674, 693 e

707).

Embora se reconheça que tal prova pericial já foi

realizada e que, em tese, a permanência dos réus em liberdade em nada alteraria

o teor daquela prova técnica já produzida, não é menos certo que este

comportamento atentatório à lealdade processual atribuído a eles constitui forte

indício para demonstrar a predisposição dos mesmos em prejudicar a lisura e o

bom resultado da instrução processual em Juízo, com o objetivo de tentar obter

sua impunidade.

Assim, frente a todas essas considerações, entendendo

este Juízo estarem preenchidos os requisitos previstos nos arts. 311 e 312,

ambos do Código de Processo Penal, DEFIRO o requerimento formulado pela D.

Autoridade Policial, que contou com a manifestação favorável por parte do nobre

representante do Ministério Público, a fim de decretar a PRISÃO PREVENTIVA

dos réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA

PEIXOTO JATOBÁ, por considerar que além de existir prova da materialidade do

crime e indícios concretos de autoria em relação a ambos, tal providência também

se mostra justificável não apenas como medida necessária à conveniência da

instrução criminal, mas também para garantir a ordem pública, com o objetivo de

tentar restabelecer o abalo gerado ao equilíbrio social por conta da gravidade e

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brutalidade com que o crime descrito na denúncia foi praticado e, com isso,

acautelar os pilares da credibilidade e do prestígio sobre os quais se assenta a

Justiça que, do contrário, poderiam ficar sensivelmente abalados.

Expeçam-se, pois, os competentes mandados de prisão

em desfavor dos réus, na forma da lei, com as advertências de praxe.

Dê-se ciência do M.P.

Intime-se e diligencie-se.

São Paulo, 7 de maio de 2008.

MAURÍCIO FOSSEN

Juiz de Direito

D A T A

Em _____ de ____________ de 2008,

recebi os presentes autos em Cartório.

Eu, _______________ , Esc. subsc.

Maria da Glória Perez Delgado Sanches

Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

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