Princípio da legalidade e atividade policial militar
A violência urbana tem alcançado índices que são considerados pelos especialistas na matéria como insuportáveis, que preocupam e muito as pessoas que vivem no território nacional, sob o império da lei, cumprindo com as suas obrigações, como por exemplo, o pagamento de impostos, os quais não afastam as filas, e nem as dificuldades para se ter acesso à saúde, habitação, previdência, financiamentos, entre outros.
A falta de empregos e também de uma melhor distribuição de renda tem gerado vários conflitos, representados pelo aumento do número de roubos, furtos, homicídios, seqüestros, seqüestros relâmpagos, que levam a população a clamar por um endurecimento do discurso de lei e de ordem, com leis mais severas.
As pessoas acreditam que o estabelecimento da pena de morte, prisão perpétua, o uso exagerado da força por parte dos órgãos policiais colocará um término a violência. Todas estas crenças não passam de meras ilusões que não resolverão os problemas nacionais.
A realidade brasileira mais se assemelha ao conceito de guerrilha urbana que vem sendo trabalhado pela doutrina2, onde as pessoas saem às ruas para o dia-a-dia, e não sabem se irão retornar com vida para as suas residências. O crime vem se tornando uma epidemia que precisa ser denunciada, para se evitar novas mortes e perdas para a sociedade. Até quando, vamos chorar os mortos?
O tecido social vem sendo corroído sem que uma solução seja apresentada, o que tem comprometido até mesmo o desenvolvimento do país, e a geração de novos empregos. Até quando as pessoas, brasileiros e estrangeiros que vivem no território nacional, terão que temer pela vida, quando na realidade esta é uma garantia expressamente estabelecida no art. 5º, da Constituição Federal de 1988?
A população no exercício dos seus direitos constitucionais cobra por parte dos responsáveis uma ação efetiva por parte dos órgãos que atuam na seara da segurança pública, que tanto são criticados por diversos organismos, nacionais ou internacionais, que querem uma polícia efetiva, transparente, atuando sob o princípio da legalidade.
Os críticos não têm mencionado que a Polícia no Brasil apesar de todas as suas dificuldades tem atuado de forma efetiva na preservação da ordem pública, e que os casos de ilegalidade são uma exceção. Mas, não adianta a Polícia prender os infratores se não existem lugares para que os presos serem colocados.
O Brasil possui uma grande carência de vagas no sistema penitenciário, e as prisões mais se assemelham a depósitos de pessoas, conforme tem sido noticiado de forma reiterada pela Imprensa que vem denunciado as precárias condições das unidades prisionais, o que prejudica uma ação mais efetiva por parte dos órgãos de segurança. Em razão das condições atuais das unidades prisionais em breve a sociedade precisará criar uma campanha com o seguinte slogan, “adote o seu preso para o bem do Brasil”.
Por falta de vagas no sistema penitenciário3 algumas alternativas têm sido criadas como forma de impedir que os infratores sejam levados para as Unidades Prisionais. Por força do vigente Código Penal, alterado por Lei Federal, nenhum infrator condenado à pena privativa de liberdade igual ou inferior a quatro anos será levado para a prisão, uma vez que terá direito ao regime aberto. Será que este fato está relacionado com a atuação das Forças Policiais?
A Lei nº 9099/95 que foi modificada pela Lei nº 10.259/2001, que alterou o conceito de infrações de menor potencial ofensivo para dois anos, em muitas localidades tem sido motivo de não pacificação dos conflitos sociais, mas incentivo para a prática de novos ilícitos. Afinal, o furto considerado de menor potencial ofensivo é uma infração endêmica que atormenta os centros comerciais das grandes cidades brasileiras. Os autores desta infração na maioria das vezes praticaram o fato pela quinta, sexta, ou sétima vez. Será que este problema está relacionado com a atuação das Forças Policiais?
A segurança pública, assim como outros setores da administração pública que enfrentam dificuldades, necessita de um planejamento que seja efetivo, sem o qual nenhuma nação conseguirá se desenvolver. Afinal, nenhum país ingressou no primeiro mundo com os seus nacionais vendendo mercadorias em ruas, ou semáforos, ou trabalhando na informalidade.
O programa Tolerância Zero4 somente poderia dar resultados no Brasil se houvesse investimentos reais no sistema penitenciário, nas forças policiais, na reestruturação das cidades, com uma melhoria efetiva das condições de vida das populações mais carentes, um efetivo controle de natalidade, com orientações voltadas para o planejamento familiar.
Não basta apresentar possibilidades, sendo necessário que estas sejam efetivadas, para que a criminalidade não se torne crônica, vitimando pessoas inocentes, jovens em sua maioria, que buscam uma oportunidade de emprego, com condições dignas de constituírem suas famílias.
A Polícia pode e deve ser crítica toda vez que seus integrantes se afastaram da legalidade. Não cabe aos agentes policiais a aplicação de nenhuma penalidade aos infratores. Os grupos de extermínio que na década de 70 foram duramente criticados pelo então promotor de justiça Hélio Bicudo são uma triste herança, que ainda existem em um país que fez uma opção por um Estado que tenha como fundamento a lei.
O Estado conforme ficou estabelecido no vigente texto constitucional responde de forma objetiva pelos atos que são praticados pelos agentes policiais, cabendo ao administrado caso venha a suportar alguma lesão demonstrar o nexo de causalidade existente entre o ato praticado e a lesão, podendo inclusive pleitear em razão deste evento uma indenização por danos morais e materiais conforme ensina a doutrina que cuida dos assuntos referente a responsabilidade civil do Estado5.
A sociedade sofre e vem sofrendo com todos os fatos que assolam o país de norte a sul. Somente com a união de todos é que a violência poderá ser vencida. Caso contrário, mais e mais pessoas serão vítimas da criminalidade, que faz do Brasil o quarto país mais violento do mundo, perdendo apenas para Colômbia, El Salvador e Federação Russa.
Por fim, a sociedade não pode esquecer que o país somente se tornará melhor quando todos aprenderem a respeitar a Lei, e ao próximo, não fazendo da norma um motivo para a aplicação da Lei de Gerson, levar vantagem em tudo. Os direitos e garantias fundamentais enumerados no art. 5º, da Constituição Federal, não são absolutos, e admitem limitação, na busca da preservação das garantias essenciais para o desenvolvimento da nação, com o respeito efetivo a lei e as autoridades constituídas, sem as quais o direito perde a sua força, e a lei e o seu significado.
Notas de rodapé
1 No Estado de Direito, a Polícia como Instituição desenvolve um papel fundamental na preservação da lei e da ordem. Os investimentos nos órgãos policiais não devem ser apenas durante as campanhas eleitorais. Os investimentos devem ser efetivos com o estabelecimento de uma política nacional de segurança pública, que é essencial para a diminuição dos índices de violência urbana.
2 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Guerrilha Urbana. Site Página Militar, Rio de Janeiro, Disponível em: http://www.militar.com.br, 2003.
3 O sistema penitenciário brasileiro enfrenta uma crise que tem demonstrado a precariedade do sistema, que na maioria das vezes não tem contribuído para a ressocialização do preso. É preciso a realização de investimento efetivos nesta área, para se evitar a ocorrência do caos, que trará sérios prejuízos para a imagem do país junto à comunidade internacional.
4 No Brasil muito se fala na política de segurança zero que foi desenvolvida na cidade de Nova Iorque, mas se esquece de mencionar que o governo daquela cidade investiu de forma efetiva tanto no material humano, como em estrutura funcional para que os resultados de diminuição da violência pudessem ocorrer. Afinal, a busca de resultados não depende apenas de vontade, mas de ações efetivas por parte de todas as pessoas envolvidas nas questões de segurança pública, ou seja, governo e sociedade.
5 Na obra, Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles utiliza a expressão Responsabilidade Civil da Administração Pública. Acontece, que a maioria dos autores que escrevem na seara do Direito Administrativo, como por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello, entendem que a melhor denominação é Responsabilidade Civil do Estado.