O Menor Infrator e a Sociedade Moderna: Influências e modelagem de posturas conflitantes
É do conhecimento dos grupos de pesquisa acadêmica, das secretarias de governo e do próprio senso comum da sociedade, de uma forma geral, que o processo de construção da cidadania da criança e do adolescente se faz em meio a mecanismos de interação e articulação de valores à medida que a sua identidade pessoal os coloca diante de escolhas e, principalmente, quando o ambiente que os abriga passa a lhes dar respostas ao seu comportamento.
O princípio fundamental que ordena uma sociedade que apregoa as mesmas oportunidades e direitos equânimes deve estar alinhado em tratados, acordos e legislações de âmbito nacional ou regional. No caso do universo da Infância e da Juventude, a Carta Maior é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8069) e a ele devem ser reportadas toda a gama de conjunturas em que a faixa infanto-juvenil figure como personagem que sofra maus tratos ou que pratique atos infracionais.
Importante é destacar que, levando-se em consideração que o indivíduo em formação psicossocial deve receber atenção qualitativa e quantitativa (composta por profissionais da rede de atendimento especializado, tais como Promotoria, Juizado da Infância e da Juventude, Conselhos Tutelares, Agentes de programas governamentais de apoio e assistência, entre outros) e, ainda, que o jovem seja o braço que pratique transgressões e acometimentos que atentem contra a liberdade de outrem (patrimonial, intelectual e física), há que se privilegiar a intenção da lei menorista, quer seja a diferenciação na interpretação da posição peculiar e especial deste jovem em desajuste com as bases regulatórias em que está inserido.
Rapidamente, frente ao pronto aparecimento de vozes mais afoitas que, de certo, irão bradar sobre aspectos de impunidade juvenil, respondo que o tratamento diferenciado não se dá na anulação das sanções punitivas, como acautelamentos (medidas restritivas de liberdade), encaminhamentos com a obrigação de reparar danos (recuperação de muros e fachadas atingidas por vandalismo), prestação de serviços à comunidade (parte integrante do conjunto de procedimentos de reintegração ao convívio social e realizada em estabelecimentos que coadunem com o espírito cooperativo proposto) e tantas outras providências aplicadas.
A viga de sustentação deste modelo reintegrativo deve se apoiar em três pontos: a) capacitação dos profissionais (Comissários de Justiça, Psicólogos, Assistentes Sociais, Juízes, Promotores, educadores sociais e todos os demais que compõem o sistema) que desempenham tarefas nas Instituições de apoio e formação de uma consciência coletiva de que não lidamos com marginais, mas, com pessoas que forçosamente foram jogadas a esta condição por obra e ação [omissão] daqueles que deveriam guiar seus passos [genitores, tutores, familiares e guardiães];b) melhoria e aperfeiçoamento estrutural das instalações dos estabelecimentos para recebimento e permanência da população infanto-juvenil;c) intercâmbio e promoção de encontros e seminários para trocas de experiência entre profissionais da rede de atendimento residentes em diferentes localidades.
Prosseguindo, muitos deverão estar com a seguinte indagação: Quem é menor? Quem é criança? Quem é menino de rua? Quem é menino da rua?
Pelo Estatuto, define-se como criança o indivíduo com até doze anos incompletos. Adolescente será aquele ocupante da faixa etária entre doze anos até dezoito anos incompletos. Aproveito para esclarecer que, tocante à criança, serão dirigidas ações única e exclusivamente com o objetivo de protegê-la e isto significa que não serão aplicadas medidas restritivas de liberdade, ainda que ela seja praticante de ato infracional. Tem-se, pois, a aplicação daquilo que foi entendido como adequado ao nosso país e, mesmo despertando discussões (redução da idade penal), poderá ser redimensionado observando-se a harmonia entre a questão jurídica e o interesse da nossa sociedade, sem se querer pegar carona em soluções rasteiras e de maior impacto midiático, como incorporação de deliberações normativas “mais duras” de outras nações.
Cabe, ainda, explicar que o atendimento aos jovens entre dezoito e vinte e um anos pela Justiça Menorista far-se-á sempre que houver manifesto interesse ou alcance legal destes (Exemplo: cometimento de ato infracional aos dezessete anos e cumprimento de internação até os vinte e um anos de idade). Sobre o menino de rua e da rua, o paralelo é o seguinte: o “da rua”, tem um suposto vínculo familiar, mas é afeito a transitar pelas ruas da cidade em busca de aventurismos e, portanto, está mais ligado à rebeldia e intempestividade, retornando ao lar, ainda que em intervalos de tempo mais espaçados. Quanto ao menino “de rua”, este já se enraizou substancialmente em ruas, avenidas, casas abandonadas e já não traz consigo nenhuma ligação com entes familiares e, muitas das vezes, renuncia voluntariamente à existência destes, fazendo, logo, parte dos cenários urbanos dos nossos municípios.
O leitor poderá estar pensando: bem, ele falou sobre lei, explicou alguma coisa sobre as implicações dela junto ao menor infrator e agora deverá trazer o discurso de que o adolescente infrator nada mais é do que um produto do meio. Será?
Seja qual for a perspectiva de análise, esta deverá passar pela substituição da massificação nas políticas de apoio aos jovens, tendo a saída de se buscar uma leitura consciente do histórico de vida de cada um e pela educação em salas de aula mais próximas da sua realidade cotidiana e com a mobilização de tantos quantos se vejam capazes de dar uma contribuição aquecida por corações solidários.
O gargalo não são as correntes reluzentes de ouro ou os famigerados tênis de marcas famosas que seduzem e levam os jovens ao crime. Aqueles são armas dos traficantes e parte do seu modus operandi. A dureza e o recrudescimento de todos diante disso é que irá armar o gatilho nervoso no próximo sinal de trânsito.