Hegel e o Direito

O artigo comenta sua importância do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel para o Direito e Filosofia do Direito correlacionando com os conceitos de direito, Estado, moralidade e civilização.

Gisele Leite

Hegel 1 é um genuíno pensador que se dedicou às grandes questões suscitadas pelo Direito. Vários textos trouxeram importantes elucidações: Fenomenologia do espírito, Introdução à história da filosofia, Ciência da lógica, Enciclopédia das ciências filosóficas, Filosofia do direito, Filosofia da história universal, Filosofia da religião.

Também é curial a leitura das seguintes obras: “ Como o senso comum compreende a filosofia” , de Hegel trad.: Eloísa Araújo Ribeiro, São Paulo, Editora Paz e Terra, 1995 e “ Princípios da filosofia do direito”, tradução: Orlando Vitorino Lisboa: Guimarães Editores, 1990.

Essencialmente racionalista2 mas de caráter idealista,o pensamento hegeliano sintetiza a teoria do conhecimento marcada pela idéia de que a realidade mora na racionalidade, ou de que o sujeito é o construtor da realidade das coisas na idealidade da razão.

Nada existe fora do pensamento, tudo que é conhecimento já é pensamento. O que não pode ser conhecido não possui lugar lógico. Então o ser possui existência racional, lógica a isto chamam de panlogismo, uma vez que tudo se logiciza na ótica hegeliana.

É um peculiar racionalismo o de Hegel que aliás se distancia de Kant, há uma diferença substancial, principalmente ganhando uma acepção de concretitude dialética, onde empiria(ser) e a razão(dever-ser) se unem de modo indiferenciável.

Hegel jamais conheceu a razão de uma maneira abstrata, separada dos dados empíricos. sua filosofia é o desejo de levar a posição kantiana até as que lhe parecem ser suas últimas conseqüências, onde o espírito é a síntese a priori, como força sintética constitutiva da realidade cognoscível.

A concretitude dialética é facilmente perceptível no elemento histórico, onde se dá a realização do espírito que está ausente na reflexão kantiana.

Aliás, a partir da filosofia de Hegel se erigiu o pensamento de Karl Marx e toda sua dialética da história.

Apesar de que o marxismo tenha rumado mais para social, ideológico e político, identificando na práxis um agente transformador da política.

A idéia da dialética como forma de superação dos opostos pela síntese. A tese, a antítese e a síntese. É o mesmo ciclo que ocorre com os fatos históricos com relação às demais relações sociais, os movimentos intelectuais.

A matriz teórica de Hegel foi sem dúvida o criticismo kantiano 3, criando um racionalismo diferenciado representando um verdadeiro marco intelectual da modernidade.

Destaca-se também o realce conferido por Hegel à Revolução Francesa que teve a grande influência na reestruturação das relações humanas da época.

Hegel foi o primeiro pensador a ter consciência completa de que a modernidade haveria de se tornar objeto de reflexão e justificação e o contexto da modernidade( definido pela trama da Revolução Francesa, o Iluminismo e da Reforma).

A Filosofia do Direito de Hegel passará, então, a representar um desafio no sentido dos indivíduos, entre a ordem e a liberdade, com vistas na construção de uma estrutura institucional sendo simultaneamente funcional e ética(onde há a proteção das liberdades individuais uma das maiores conquistas da modernidade).

“O que é real é racional, o que é racional é o real”, é a máxima do idealismo racional hegeliano. Todo real só é real pois é conhecido por um sujeito que lhe identifica como real, e, nessa medida, aquilo que já foi conhecido, já se tornou racional.

Só conhecemos, o que se converte em pensamento. O ser para o idealista, é uma idéia, é um ser pensado.

Nessa sua especulação contundente que geou polêmica, está imersa uma certa metafísica e uma certa gnoseologia, a um só tempo4.

Em Hegel se almeja a fusão entre a metafísica e a gnoseologia, fundo excluídos todas as transcendências. A Lógica de Hegel é uma lógica do ser, a metafísica do ser.

Por isso, a doutrina do espírito envolve a compreensão do que seja o espírito e de quais sejam as expressões do espírito, a saber: o espírito subjetivo que é a alma, a consciência, a razão; o espírito objetivo que é direito, a moralidade e o costume e, por fim, o espírito absoluto(como manifestação do espírito como plenamente consciente de si e conhecedor de si), que é arte, religião e filosofia.

Para Hegel, o Espírito torna-se um ser para si(autonomia humana) À medida que se libera e se distingue do ser em si(natureza).

A vida humana não é simplesmente existência, mas sobretudo existência consciente.

A odisséia humana revela-se na libertação do espírito e seu conseqüente desenvolvimento histórico5.

É uma gradação também da trilogia dos espíritos pois se a razão(espírito subjetivo) é importante para o homem, filosofia é também, sumamente importante para o homem(espírito absoluto).

Dentro do Espírito objetivo, o Direito é a liberdade em grau máximo, em sua abstração lógica mais genérica e, portanto, infinita em si que se projeta para fora de forma imperfeita( esta é a liberdade em si; a moralidade é a liberdade voltada para o sujeito que dela se vale).

A síntese(costume) entre direito tese e moral(antítese) esta é a liberdade feita objeto social e coletivo do comportamento humano.

As três partes do Espírito objetivo são desdobramentos dialéticos da noção de vontade. O elemento dinâmico da base material do direito, a sociedade civil, cuja mola propulsora é a força de trabalho e suas relações.

A respeito da moralidade, explica Hegel, é a vontade no momento em que deixa de ser infinita em si para o ser para si.

A liberdade é um plano superior. Aquela parte da existência em que o elemento real se junta agora à idéia é subjetividade da vontade.

Dessa trilogia extrai-se que a reflexão jurídica tem por base a análise do Espírito Objetivo.

O Direito figura, portanto, neste contexto de discussões, como o momento em que o espírito que determina a liberdade, a determina do modo mais abstrato e do modo mais geral possível.

Porque o Direito terá por objeto o comportamento de múltiplos sujeitos, na projeção da liberdade em sua exterioridade.

Cumpre ao Direito fixar os limites entre o justo e o injusto, entre lícito e o ilícito e nisso há grande margem de liberdade e grande amplitude conceitual.

Para Hegel, portanto, a Filosofia do direito possui um objeto, qual seja, a idéia do conceito de direito.

“Há duas posições teóricas claramente combatidas por Hegel pela sua unilateralidade: o jusnaturalismo, que apresenta como fundamento do direito positivo a razão no modo abstrato e formal do Iluminismo, e o historicismo da Escola Histórica, que fundamenta o direito, não na natureza da coisa, mas na aparência ou contingência fenomenal dos fatos históricos; racionalismo abstrato do direito natural e irracionalismo do historicismo fático ou empírico”. (Salgado A idéia de justiça em Hegel, 1996 p.343)

A história é uma contínua evolução da idéia de liberdade. O objeto da ciência da Filosofia do Direito é a idéia do direito, o conceito e sua realização.

Toda realidade que não for a realidade assumida pelo próprio conceito é existência passageira, opinião, aparência, superfície, erro ou ilusão.

A Filosofia do Direito é forma de manifestação da lógica quês está contida a liberdade dos conceitos. Não há para Hegel uma idéia de justiça separada da realidade em que ela se revela.

A idéia da Justiça não é criação arbitrária do homem para ser aplicada como esquema compulsório. Assim, na medida em que o Estado ou o direito aparecem na sua mais clara inteligibilidade, na mais radical expressão da racionalidade, mostram-se na sua maior expressão de realidade.

A justiça é conjunto de idéias e não um mero dado axiológico da sociedade, sendo idéia que norteia a própria formação do Direito.

Portanto, a idéia de justiça, a realidade efetiva do direito, não em si imediato e natural, mas em si e para si, enquanto liberdade efetiva ou vontade livre.

Pode-se dizer que o Direito é o existir da vontade livre, sem sua essência, é liberdade autoconsciente.

Nisto, Hegel prossegue o pensamento de Kant, o direito é o lugar da liberdade.Para Hegel como para Kant, o direito continua a ser a única forma de existência da liberdade e, a razão o critério de sua validade.

Hegel introduz a historicidade do direito e da sociedade em que o direito se desenvolve. A lei é a forma para si do direito, plenamente conhecida, ou posta ao conhecimento de todos.

Assim, afirma que a sentença que é a qualificação legal de um caso, garante o direito subjetivo das partes; quanto à lei, porque é conhecida e é portanto, a lei da própria parte; quanto à publicidade do processo.

A justiça é puramente a eliminação do arbitrário subjetivo e a instauração da possibilidade de uma jurisdição neutral, imparcial.

Justa é a decisão imparcial, não arbitrária, ainda que do ponto de vista do seu resultado possa ser considerada como injusta.

“O imperativo do direito é portanto: sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas”(Hegel, Princípios da filosofia do Direito, 1990, pág. 56).

O Estado é a estrela primordial na filosofia do Direito hegeliana, nesse sentido o Estado é a manifestação também do Espírito, nele estando imersas as noções de moralidade e de liberdade.

O Estado é um estágio evolutivo das corporações humanas que oferece aos cidadãos a ordem e o império da razão.

O que faz do Estado um aparelhamento ético é o fato de operar a compatibilização, pós-revolucionária entre ordem e liberdade.

Hegel é apologista do estado que considera o mais alto grau do espírito objetivo, espírito desperto, ao contrário da natureza que é espírito adormecido.

São quatro os tipos de Estado analisados pelo filósofo: oriental, grego, romano e prussiano( sendo este o ideal para Hegel).

A guerra é ilegítima pois que contraria a racionalidade do diálogo, não só pela lei do mais forte que impõe mas por ser contrária ao desenvolvimento do direito e da ordem.

Para a compatibilização das vontades internacionais é que foi criado o direito internacional.

Por fim Hegel, quer captar em suas filosofia o movimento dialético da realidade e assim atingir a síntese superior. Vários filósofos contestaram-no o que mais se destacou foi Feuerbach que recusou veemente o idealismo hegeliano, taxando-o de “especulação vazia”, apega-se ao ser concreto e funda um materialismo que seria muito importante para o marxismo.

Outro importante contestador foi Kierkegaard que alegava que a filosofia não consegue compreende a existência do ser humano, a sua angústia e o seu desespero, aliás recomendo também a leitura do artigo “O romântico Kierkegaard” da mesma autora.

A filosofia de Hegel é dialética6(não como método) mas como uma concepção do real mesmo “todas as coisas são contraditórias em si”, logo a contradição faz parte da essência.O próprio conceito de civilização é antes de tudo a superação das contradições humanas, rumando para síntese final que é evolução.

Adendos

*1 Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart em 1770, estudou no seminário de Tübingen, mas logo deixou a intenção de ser pastor de lado. Tornou-se catedrático na Universidade Heidelberg quando redige a Enciclopédia das ciências filosóficas(1817).

*2 Hegel abusa no uso do vocabulário técnico que possui um sentido específico dentro de sua obra.

*3 A crítica de Hegel a Kant segue a linha do racionalismo moderno que fora inaugurado pela tentativa de Descartes que fulcra o conhecimento na consciência do sujeito pensante.

*4 Pretende substituir o problema epistemológico de fundamentação do conhecimento pela auto-reflexão fenomenológica(fenomenologia), ou seja, “ciência dos atos da consciência”.

A ciência é uma manifestação do conhecimento como qualquer outra. Hegel é refratário ao privilégio da ciência, que considera um pressuposto não justificado.

*5 Cada indivíduo é sempre filho de sua época; portanto, a filosofia é a sua época tal como apreendida pelo pensamento. Ratifica plenamente Ortega Y Gasset.

É tão absurdo imaginar que a filosofia pode transcender sua realidade contemporânea quanto imaginar que um indivíduo pode superar seu tempo, saltar sobre Rodes.

*6 A dialética do senhor e do escravo, por exemplo, descreve uma relação assimétrica entre duas consciências que se tratam como sujeito e objeto, e não uma relação entre dois sujeitos, como deveria ser, uma relação de reconhecimento mútuo e recíproco.

Só ao atingir o saber absoluto a consciência será capaz do reconhecimento universal.

Gisele Leite

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 05/03/2008
Reeditado em 27/04/2008
Código do texto: T888654
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