A JUSTIÇA DO TRABALHO e a EMENDA CONSTITUCIONAL 45 que lhe aumentou a competência
O trabalho remonta aos tempos das cavernas, do homo sapiens, por estar ligado à sobrevivência. Com o passar dos séculos e com a evolução dos povos, naturalmente, necessária se fez a normatização das condutas, consuetudinárias ou não, para garantir direitos às relações entre os indivíduos.
A Justiça do Trabalho representa valiosa conquista na construção de uma sociedade justa e igualitária.
Sabe-se que, com a evolução, surgiu a exploração do homem pelo homem, a escravidão no mundo, entre os egípcios, gregos e, aqui no Brasil, como nos conta a história, em que os escravos eram tidos como objetos e, nessa condição, vendidos.
Na Idade Média, o sistema predominante foi o da servidão, no qual o homem já não era equiparado a um objeto, mas o seu trabalho não dispunha de amparo jurídico. Em troca do trabalho, recebia apenas o suficiente para a alimentação, habitação e vestuário.
A seguir, vieram as corporações, que deram origem aos primeiros agrupamentos profissionais e econômicos, provocando profundas alterações na economia predominante da época. O trabalho humano, contudo, ainda não se encontrava juridicamente regulamentado e protegido.
Em 1789, ocorreu a Revolução Francesa, que defendeu a bandeira da liberdade e igualdade entre os homens.
No mundo inteiro, começa a Revolução Industrial - século XVIII - com suas importantes conquistas, advindas das máquinas a vapor e de fiar, bem como das grandes fábricas, que passam a substituir parte do trabalho humano, provocando desemprego em massa.
As jornadas de trabalho, sem regulamentação jurídica, eram exaustivas, realizadas em condições subumanas, sem normas relativas ao repouso, férias ou intervalos, pois não gozavam de amparo legal.
O Estado passa, então, a interferir nas relações individuais e coletivas de trabalho. Surgem na Inglaterra, França e Alemanha leis que regulam o acidente de trabalho, a proteção aos menores e às mulheres.
O Papa Leão XIII, na Carta do Trabalho, condena os métodos exaustivos de exploração da atividade humana, as condições degradantes em que se trabalhava e a ausência de direitos em retribuição aos deveres imputados. Nasceram, assim, as primeiras normas trabalhistas.
Com a criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT em 1919, fruto do Tratado de Versalhes, as leis trabalhistas assumem lugar de relevo entre as nações.
O Direito do Trabalho no Brasil
No Brasil, a legislação do trabalho acompanhou o desenrolar da história do País.
Na fase imperial, o trabalho, essencialmente agrícola, era realizado pelos escravos. Com a abolição da escravatura, inicia-se nova etapa na história brasileira.
São promulgadas leis destinadas a amparar o trabalhador. Em 1917, cria-se o Departamento Nacional do Trabalho, órgão apenas fiscalizador e informativo.
No Estado de São Paulo, são criados os Tribunais Rurais. Surgem as Caixas de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários. Em 30 de abril de 1923, cria-se o Conselho Nacional do Trabalho, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
A reforma constitucional de 1927 delega à União competência para legislar sobre matéria de trabalho. No mesmo ano, é promulgado o Código de Menores.
O Governo Provisório de 1930, sob a égide de Getúlio Vargas, proporciona grande avanço nas políticas sociais e econômicas. É regulamentada a jornada de trabalho dos comerciantes e dos industriários e são estabelecidas normas de proteção ao trabalho. Implanta-se, naquele ano, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, a seguir, o Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP. Ampliam-se os serviços estatais de aposentadoria, o imposto sindical e o salário mínimo.
A Justiça do Trabalho
E nos idos de 1934 a 1937, no nosso torrão brasileiro, sob o domínio de um Presidente altruísta e determinado, o gaúcho Getúlio Vargas, homem de grande visão política das condições existenciais daquela época, nasciam as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento, embrião que veio a se transformar na JUSTIÇA DO TRABALHO, braço do Poder Judiciário, vislumbrada na Constituição do Brasil de 1946.
"Justiça do Trabalho" foi a denominação dada pela Constituição de 1934, considerada a primeira Constituição social-democrática do País, no Governo Getulino. Nessa fase, a Justiça do trabalho (chamada Justiça Laboral) fazia parte do Poder Executivo e tinha a tarefa de simplificar os procedimentos e imprimir celeridade às decisões.
A Constituição de 1937, que substituiu a de 1934, manteve a previsão da Justiça do Trabalho, que continuou como Justiça Administrativa, esperando regulamentação por lei.
Criada no dia 1º de maio de 1939, pelo Decreto-lei nº 1.237, somente foi instalada em 1º de maio de 1941, durante ato público, realizado pelo então Presidente Getúlio Vargas, que, em discurso inflamado, declarou:
"A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico Primeiro de Maio, tem essa missão: Cumpre-lhe defender de todos os perigos nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças. Da nova magistratura outra coisa não esperam Governo, Empregados e Empregadores."
Estruturada em três instâncias, era integrada, em sua base, por Juntas de Conciliação e Julgamento, sob a Presidência de um Juiz de Direito, nomeado pelo Presidente da República, para mandato de dois anos. Os vogais (que depois passaram a ser denominados de juízes classistas, hoje extintos) eram indicados pelos sindicatos, para igual mandato. Em nível intermediário, ficaram os Conselhos Regionais do Trabalho, encarregados de deliberar sobre recursos. E, em nível superior, o Conselho Nacional do Trabalho, integrado por dezenove membros, nomeados pelo Presidente da República, também para mandato de dois anos.
Distribuídas pelo País havia 36 JCJs, oito Conselhos Regionais, origem dos atuais Tribunais Regionais do Trabalho, e o Conselho Nacional do Trabalho, antecessor do Tribunal Superior do Trabalho.
Passou para a estrutura do Poder Judiciário, após reconhecimento constitucional, em 1946.
Surgimento da Justiça do Trabalho no Estado de Goiás
No período de 1939 a 1981, o Estado de Goiás encontrava-se sob a jurisdição do Conselho Regional do Trabalho da Terceira Região, que originou o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, com sede em Belo Horizonte-MG.
A Lei nº 6.927/81 criou a 10ª Região da Justiça do Trabalho, sediada em Brasília-DF. A partir de então, o Judiciário Laboral goiano foi desmembrado do TRT da 3ª Região e agregado ao Regional de Brasília, onde permaneceu até 1989, quando a Lei nº 7.873/89, de 09.11.89, publicada no DOU do dia 10.11.89, Seção I, criou a 18ª Região da Justiça do Trabalho, com sede em Goiânia e jurisdição em todo o Estado de Goiás.
Tribunal Regional do do Trabalho da 18ª Região
Instalado em 30 de novembro de 1990, o TRT goiano teve como seu instalador e primeiro Presidente o Juiz Octávio José de Magalhães Drummond Maldonado, que, em março de 1990, foi promovido por antiguidade do TRT da 10ª Região para o recém-criado TRT da 18ª Região.
Nomeado para presidir os trabalhos necessários à instalação desse Tribunal, o Juiz Octávio Maldonado envidou todos os esforços para que o Estado de Goiás pudesse contar com um órgão especializado nas lides trabalhistas.
Finalmente, após árdua batalha, o sonho torna-se realidade e, em 30 de novembro de 1990, foi instalado o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Nessa data, foram empossados sete de seus oito juízes.
Quando das eleições para o 1º biênio, o Presidente declinou do cargo, para cedê-lo a um natural do Estado de Goiás. A escolha recaiu na pessoa do Juiz Luiz Francisco Guedes de Amorim, que exerceu seu mandato no biênio de 30.01.91 a 30.01.93.
Após o primeiro mandato, dirigiram o TRT goiano os seguintes Presidentes, nos respectivos biênios:
Juiz Octávio José de Magalhães Drummond Maldonado - 29.01.93/30.01.95;
Juiz Sebastião Renato de Paiva - 30.01.95/29.01.97;
Juiz Platon Teixeira de Azevedo Filho - 30.01.97/29.01.99;
Juíza Ialba-Luza Guimarães de Mello - 29.01.99/2001;
Juiz Saulo Emídio dos Santos - 2001/2003;
Juíza Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque - 2003/2005;
Juíza Dora Maria da Costa - 2005/2007.
Reforma do Judiciário
Tudo começou em 1992, quando o Deputado Hélio Bicudo apresentou, no Plenário da Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição nº 96/92, de sua autoria, com o objetivo de introduzir modificações na estrutura do Poder Judiciário.
- Após vários anos de tramitação, a redação foi aprovada na Câmara dos Deputados, cujo último relator, para vaidade nossa, foi uma mulher - a Deputada Zulaiê Cobra.
- Essa proposta chegou ao Senado no ano 2000, protocolizada como PEC nº 29/2000, onde foi acrescida por relevantes alterações estruturais, formais e procedimentais.
- Encerrou-se a Legislatura sem que o Plenário deliberasse sobre a matéria. Iniciando-se nova Legislatura, determinou-se a oitiva das Lideranças Partidárias, com novos Senadores compondo a Casa, advindo mais debates, inclusive com audiências públicas, com a participação de vários segmentos sociais e políticos, além de várias entidades. Essa reforma, ora aprovada, durou 12 anos, durante os quais juristas e parlamentares debateram as mudanças, com o acompanhamento e participação da sociedade civil. Afinal, a esperança de um povo reside nos poderes constituídos, e o Poder Judiciário é um deles.
Procuraram atacar questões consideradas fundamentais, que causavam insatisfação generalizada, tentando ver melhorado o desempenho do Poder Judiciário, ressaltando a morosidade no andamento dos processos e a ausência de controle por órgão que contivesse representantes da sociedade. Criou-se, então:
- a Súmula vinculante para o Supremo tribunal Federal (esse instituto obriga os juízes de instâncias inferiores a seguirem o entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF, para combater a morosidade);
- o Conselho Nacional de Justiça, encarregado do controle externo do Poder Judiciário;
- o Conselho Nacional do Ministério Público (fiscalização e controle disciplinar);
- a quarentena para os membros da Magistratura (carência de três anos para que o juiz aposentado possa atuar como advogado nos tribunais de origem);
- o fim das férias coletivas. Ingresso na carreira só após 3 anos de exercício na advocacia;
- a quarentena para os membros do Ministério Público (medida moralizadora, idêntica para os juízes e integrantes do MP);
- a proibição de nomear parentes (impede a nomeação, por parte dos juízes, de parentes até o segundo grau);
- a federalização dos crimes contra os direitos humanos (deslocamento da competência para a Justiça Federal no caso de julgamento de crimes contra os direitos humanos, visando à sustentação das garantias individuais).
Competência da Justiça do Trabalho
A anterior redação do artigo 114 da Constituição Federal disciplinava o alcance da Justiça do Trabalho para a solução de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores.
A Emenda Constitucional nº 45 valorizou a Justiça do Trabalho e ampliou sua competência. Novas lides passarão a ser julgadas pela Justiça do Trabalho, como as decorrentes da fiscalização do trabalho, do exercício do direito de greve, as relativas aos sindicatos e os habeas corpus, habeas data e mandados de segurança, quando a matéria relacionar-se com o trabalho.
Com efeito, os juízes do trabalho terão sob sua responsabilidade outras questões, além das tradicionais reclamações trabalhistas, que envolviam somente empregado e empregador.
Agora, exigir-se-á dos juízes do trabalho o domínio sobre outras áreas do Direito, pelo alargamento das matérias, objeto das novas competências. A postura, antes mais voltada à aplicação das regras protecionistas, próprias do Direito do Trabalho, terá caráter mais universal.
A Justiça do Trabalho não se aterá mais a dissídios envolvendo unicamente trabalho subordinado. A partir de agora, autônomos, profissionais liberais, representantes comerciais, corretores, eventuais, entre outros trabalhadores, utilizar-se-ão dessa Justiça especializada para dirimir seus litígios decorrentes das relações de trabalho.
Na verdade, não era razoável o fracionamento das competências, distribuídas por diferentes tribunais, com soluções contraditórias para questões da mesma natureza. Não se justificava confiar questões tipicamente trabalhistas a Tribunais não especializados, como se dava em relação à matéria sindical ou multas administrativas.
Como se vê, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada. Não se limita mais à espécie "relação de emprego". Agora atinge o gênero relação de trabalho e em torno desse novo núcleo passam a gravitar as novas competências daí decorrentes ou correlatas.
Precisa-se de tempo para se determinar o exato alcance da expressão ações oriundas da relação de trabalho. É necessária essa nova dimensão em face da “reconfiguração do direito do trabalho” e revisão do conceito de subordinação e do próprio papel do direito do trabalho na sociedade.
Por situar-se na confluência do econômico, do político e do social, o Direito do Trabalho é mais sensível às diversas alterações ocorridas na coordenação das novas formas de trabalho, motivo pelo qual se confiaram à Justiça do Trabalho novas e relevantes competências.
A Emenda Constitucional nº 45 transferiu para a Justiça do Trabalho as ações relativas às penalidades administrativas, até então submetidas à Justiça Federal.
As ações anulatórias de autos de infração, lavrados pelos auditores fiscais do trabalho, serão decididas por juízes mais afeitos à matéria.
Foi retirada da Justiça Comum a competência em matéria sindical, transferindo-a à Justiça do Trabalho, onde os magistrados têm mais afinidade com o tema.
Não obstante a reforma do Judiciário conter dispositivos de grande relevância, podem ser apontados alguns aspectos negativos.
A imediata transferência dos autos dos processos em curso, tanto da Justiça Comum, quanto da Justiça Federal, para a Justiça do Trabalho, e o ajuizamento das novas ações, por força das novas competências, inevitavelmente provocarão notável impacto e consequente congestionamento na Justiça do Trabalho, pelo menos no início.
Ao constatar o impacto da Emenda em face das novas competências, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vantuil Abdala, esclareceu que tal fato “trará repercussões no direito processual do trabalho e, com isso, a possibilidade de controvérsias sobre questões procedimentais que devemos tentar evitar".
Com exceção de instrumentos judiciais sujeitos a procedimentos específicos, tais como, habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e ação rescisória, a Resolução do Pleno do TST mantém o rito ordinário (procedimento comum) ou sumaríssimo, conforme disposições expressas da CLT.
O texto constitucional atual é o seguinte:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Para atender a toda essa demanda sabe-se que serão criadas 245 Varas do Trabalho no Brasil, bem como a abertura de concurso público.
O entusiasmo que as mudanças provocam, por vezes, converte-se em pesadelo, muito mais pelo medo que temos de mudar. O espetáculo da mudança pode apresentar um lado negativo, a ponto de nos amarrar ao que não mais existe, impedindo-nos de crescer, de enxergar o novo que está nascendo.
A ameaça recente de extinção dessa Justiça especializada provocou reação por parte dos profissionais do Direito do Trabalho, em especial dos juízes do trabalho, culminando no seu fortalecimento, comprovando-se que é no após-guerra que surge a união, a força e os grandes inventos.
É inegável a valorização da Justiça do Trabalho em função das novas competências, completando-se o ciclo de sua integração ao Poder Judiciário.
O avançado da hora se registra. Esperando ter passado alguma informação sobre o tema que me foi dado, agradeço a atenção de todos.
Obrigada, novamente.
Palestra proferida por Genaura Tormin, Analista Judiciário, da Diretoria de Recursos e Distribuição do TRT-18ª Região, em Goiânia-GO. 26.06.05.
Genaura Tormin