Resumo - Lei de drogas (L. 11.343/2006)
• Medidas para prevenção do uso indevido + reinserção social dos usuários e dependentes
• Crimes relacionados ao consumo e ao tráfico de drogas, contexto de combate às drogas - influência norte-americana
• Alta incidência prática da Lei (após os crimes patrimoniais, os crimes ligados às drogas é o mais comum)
• Crítica: elitismo e discriminação contra grupos marginalizados
• A Lei estabeleceu uma distinção entre usuário e traficante - despenalizou o consumo e fixou punição mais severa ao tráfico
• Despenalizar é diferente de descriminalizar (o consumo segue sendo crime, apenas retirou a previsão de pena privativa de liberdade, propondo sanções alternativas)
• STF: entendeu inconstitucional a criminalização do porte da maconha para uso pessoal (quantidade mínima para caracterizar uso pessoal: 40g ou 6 plantas fêmeas) - presunção relativa que pode ser afastada com base em elementos objetivos que sinalizem o intuito de mercancia
• Bem jurídico: coletivo - saúde pública (em razão da nocividade das drogas)
• Crítica doutrinária: intervenção paternalista, falso bem jurídico coletivo, já que os prejuízos são individuais e envolvem direitos disponíveis
• Argumento em favor da criminalização: o tráfico/consumo de drogas produz outros crimes “autônomos” - que podem ser punidos, mas não se justifica a punição do consumo/tráfico
• Crimes de perigo abstrato: não requerem comprovação de dano à saúde, mas exige-se laudo toxicológico definitivo (conforme a natureza da substância, pode-se excepcionalmente admitir a comprovação por laudo preliminar, desde que acompanhado de outras provas. Ausência de assinatura do perito no laudo definitivo é mera irregularidade-STJ)
• O conceito de droga demanda complementação por outro ato normativo, é lei penal em branco heterogênea, complementada pela Portaria 344/98 da Anvisa, que lista as substâncias consideradas ilícitas e é atualizada periodicamente
• Discussão sobre a administrativização do direito penal e sua compatibilidade com a legalidade penal
• Ressalva à proibição de drogas em caso de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Nos demais casos, a produção é autorizada apenas para fins medicinais/científicos
• A lei de drogas foi elaborada pelo Congresso Nacional, mas é complementada por norma do Poder Executivo (heterogênea)
• Importação de produto derivado da cannabis - Res. 660/2022 da Anvisa
• Plantio para uso medicinal - autorizado por habeas corpus preventivo
• Princípio da insignificância: rejeitada para o consumo/tráfico pelos tribunais superiores (a rejeição é generalizada quanto ao tráfico, mas quanto ao consumo há divergências)
Penas aplicadas isolada ou cumulativamente e passíveis de substituição a qualquer tempo - art. 27:
❖ Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
Porte de droga para consumo próprio + conduta equiparada - art. 28 (advertência, prestação de serviços e medida educativa pelo prazo máximo de 5 meses, e em caso de reincidência, no prazo máximo de 10 meses, sendo que para a sua prestação, o juiz pode submeter o agente a admoestação verbal e multa):
❖ Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Disposições sobre a sanção do porte para consumo - art. 29 (de 40 a 100 dias-multa):
❖ Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6º do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.
Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6º do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.
Tipo principal do tráfico de drogas - art. 33 (vários verbos no tipo e pena alta - 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1500 dias-multa):
❖ Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Condutas equiparadas no § 1º - elementos quanto à destinação, não somente quanto à substância:
❖ § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
• Art. 33, § 1, incisos I e II - punem ato preparatório, mas com a mesma pena do tipo principal
Induzimento e oferecimento para consumo conjunto (§ 2º e 3º): privilegiadoras
❖ § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
❖ § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
• “Ainda que gratuitamente” - questionável em relação ao fim de comercialização, e no sentido de impedir o tráfico gratuito uma vez, para depois vender outras vezes, já estando o comprador viciado (interpretação restritiva)
Causa de redução de pena - tráfico minorado (erroneamente entendido pela doutrina como privilegiado) - § 4
❖ § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
• Quando minorado, o STF entende que não é crime hediondo e que cabe substituição (art. 44 CP)
Tráfico de drogas é equiparado a crime hediondo (caput do art. 33 + § 1) - sursis incabível
❖ Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos (equipara o tráfico a crime hediondo)
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.
• Súmula vinculante 59 do STF - sobre a substituição da pena privativa de liberdade no caso de tráfico privilegiado: “É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c, e do art. 44, ambos do Código Penal.”
• STJ: é vedada a substituição de inquéritos/ações penais em curso para impedir a aplicação do § 4º do art. 33 (tráfico minorado)
Outras condutas relacionadas ao tráfico: art. 34 - atos preparatórios são punidos no crime de tráfico (com pena mais baixa, é antecipação de tutela):
❖ Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Crime associativo (2 ou + pessoas com vínculo duradouro e estável) - problema: “reiteradamente ou não”: o injusto autônomo perde seu desvalor:
❖ Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Financiamento do mercado ilícito - pena mais grave que a aplicada ao traficante (pune quem está por trás e não tem envolvimento direto - difícil identificar):
❖ Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
“Avião” do tráfico - pune o externo ou interno que fornece informações ao grupo:
❖ Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
Prescrever/ministrar de forma culposa, havendo dolo-art. 33:
❖ Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.
Conduzir embarcação ou aeronave:
❖ Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.
Causas de aumento de pena (majorantes) aplicadas ao tráfico:
❖ Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.
• O inciso VII é majorante problemática, visto que há lei específica - bis in idem
• Súmula 607 STJ: aplica-se a majorante mesmo que não haja a transposição de fronteiras: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”.
Colaboração premiada, sanção premial para aquele que colabora (segue as regras da L. 12.850/2013):
❖ Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Particularidades da aplicação da pena ao caso: arts. 42 e 43 (multa, há previsão no CP):
❖ Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
❖ Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas no máximo.
• STF: circunstâncias da natureza e da quantidade de droga devem ser consideradas na primeira ou na segunda fase (pode ser em qualquer uma delas), resolve bis in idem
Isenção de pena ao inteiramente incapaz:
❖ Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.
Minorante de pena ao parcialmente incapaz:
❖ Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Possibilidade de encaminhamento para tratamento:
❖ Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
• Já há previsão genérica no CP relativa à exclusão/redução por embriaguez fortuita/força maior
• STF entende inconstitucionais as vedações de substituição por penas restritivas de direito e de concessão de liberdade provisória - viola a presunção de inocência (também no art. 33, § 4)
Disciplina: Direito Penal IV