Considerações sobre o Movimento da Lei e Ordem.
Considerações sobre o Movimento da Lei e Ordem.
A expressão em inglês é Law and Order que correspondeu a uma política criminal vigente nos EUA, especialmente, depois dos anos 1980. Em linhas gerais, endossou maior atuação policial capaz de restaurar a ordem nos grandes centros urbanos e assim mitigar a criminalidade. A Law and Order serviu como contraponto ao abrandamento da repressão policial que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial e se justificou pela necessidade de se combater pequenos delitos ou atos de delinquência que se disseminavam nas grandes metrópoles, os quais causavam sensação generalizada de insegurança e barbárie.
Ganhou embasamento teórico através da publicação em 1975 da obra intitulada "Pensando sobre o delito", do criminólogo chamado James Q. Wilson, associado à direita, com forte caráter punitivo e ganhou notoriedade com outra obra intitulada "Fixing Broken Windows" ou Consertando Janelas Quebradas de autoria de George L. Kelling e Catherine M. Coles. Suas práticas ocorreram durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989) e, posteriormente, no governo de Rudolph Giuliani, então prefeito de Nova York no período de 1994 a 2001.
Possuía como foco principal a atuação da força policial, pelo qual a polícia interfere diretamente e modifica o cotidiano do cidadão. Foi desenvolvida em diversas cidades norte-americanas. E, seus defensores enxergaram na polícia como principal componente para a manutenção da ordem em comunidades e bairros. E, a partir do século XX, porém, a instituição conheceu grave crise, pois os policiais que eram incumbidos de manter a ordem e preservar a paz, passaram a acumularem diversas funções. E, pelo Regimento de Nova York havia o controle de diversas localidades públicas, combate a mendicância, à prostituição e, até mesmo a assistência provisória aos imigrantes desempregados.
A corrupção policial igualmente se tornou um problema em face da ampliação exagerada do rol de funções dos policiais e que endossou forte influência política, submetendo-se os políticos locais e recebendo subornos para assegurar a fiel aplicação de leis impopulares, tais como as que proibiram consumo de álcool.
A polícia atuava contra minorias, não apenas de afro-americanos, mas também contra imigrantes de outras etnias.
No afã de reformismo, O.W. Wilson que foi um dos mais expressivos teóricos sobre a polícia de sua época, partiu em defesa de novo modelo policial no qual se fundiram as funções policiais na sociedade e, evitaria a excessiva discricionariedade policial. O referido modelo envolveu também a locomoção policial por meio de carros dotados de rádios, tornando rápida atuação e varredura dos policiais propiciando a prevenção de crimes. A reforma igualmente fora influenciada por Frederick Taylor que era adepto de teorias de cietifização. E, propôs modulação administrativa da polícia, dando maior centralidade e dividida em níveis, promovendo assim maior simplicidade e roteiros de tarefas.
A referida reforma contaria com o sistema 911 e, tornou os policiais como autênticos combatentes d crime, mas teria apresentado diversos defeitos práticos e inconstâncias ao longo das décadas seguintes.
Este novo modelo policial logo começou a ser criticado pelos cidadãos, principalmente minorias, no modo como eram tratados pelos policiais (diga-se com certo desprezo). Além disso, grande parte das críticas figurava como um clamor pela volta das patrulhas a pé. A população acabou se distanciando da polícia pelo fato de estes usarem apenas veículos e não terem atuação vinculada a áreas definidas, o que tornou os bairros “ambientes estranhos”, contribuindo para a discricionariedade da polícia, abusos de poder e reprovação popular.
A polícia não conhecia a realidade de cada região e, portanto, não saberia o melhor modo de agir ou mesmo qual era a vontade da comunidade. As patrulhas motorizadas mostraram-se ineficazes na prevenção do crime ao passo que Alberto Reiss realizou uma pesquisa em Chicago e concluiu que 93% das prisões realizadas pela polícia eram resultado de chamadas iniciadas pelos próprios cidadãos.
Outros dados revelaram que o aumento do número de patrulhas preventivas não possuía relação com diminuição do grau de criminalidade nas regiões ou mesmo sobre a percepção de segurança dos cidadãos, o que novamente demonstrava o efeito das patrulhas a pé como diferencial nestes quesitos.
Além disso, descobriu-se que grande parte das demandas da população não tinha relação com crimes, e que a polícia exercia grande esforço prático para tentar satisfazê-las, ou seja, houve um retorno às funções originais de manutenção de ordem e paz através de demandas populares.
A polícia possuía o hábito de adotar certo segmento da população, em geral, uma minoria, como seu inimigo, e o problema foi se agravando pela própria organização de atuação policial que era descentralizada, deslocalizada e, colocando o indivíduo num bairro totalmente desconhecido. Foi nesse contexto que surgiu a alternativa de patrulhas a pé que geraria uma conexão direta entre população e força policial, tronando o trabalho de prevenção ao crime mais efetivo ao passo que indivíduo conhece a vizinhança e, produzindo abordagens menos preconceituosas e sim baseadas em informação.
Dentro da evolução histórica dos modelos policiais, observou-se que logo no início dos anos cinquenta, os EUA e as instituições ligadas ao direito penal eram providas de grande discricionariedade, o que deixava a população alheia à sua atuação. Destacou-se a atividade de policiais, apesar de que acreditassem que atuavam em estrito cumprimento da lei, o que realmente não ocorria.
A exemplo disto, o policial poderia dissolver um grupo de pessoas que conversavam na rua, e estes prontamente obedeceriam as ordens do agente da lei, acreditando que se tratava de cumprimento da lei. Entretanto, tais "ordens" possivelmente poderiam decorrer apenas da discricionariedade do polícia, a qual muitas vezes ordenava contra a própria lei. Esta realidade culminou em diversos casos de pessoas sendo detidas sem que houvesse a prática de crime tipificado, apenas por procederem de maneira diversa à concepção de ordem pública desejada pelo policial ou sob a alegação de que determinada conduta lícita teria ligação com outra questão.
Devido ao desconhecimento das pessoas comuns sobre os procedimentos da atuação policial no âmbito do controle social e seus limites, esta discricionariedade exagerada não promovia comoção social, pois era de difícil visualização e de algum modo os cidadãos acreditavam que era uma prerrogativa legal da policial em agir deste modo.
Tudo começou a mudar com a pesquisa empreendida pela American Bar Foundation (ABF), liderada pelo Professor Frank Remington, a qual se debruçava sobre o funcionamento das as agências de justiça criminal e sobre atuação de seus agentes, e não sobre dados estatísticos acerca de quanto indivíduos foram encarcerados ou quais crimes cometeram, como era comum ser o foco na época. Esta pesquisa concluiu que existia um elevado grau de discricionariedades cabíveis a estes agentes (policiais, promotores, juízes), onde muitas vezes a custódia de um indivíduo poderia se dar pela simples e imprecisa alegação de que a lei penal foi violada, o que, materialmente, era uma forma de manter a “ordem social”.
Em 1969, foi escrita pelo Professor Kenneth Culp Davisa a famosa obra "Discritionary Justice:A Preliminary Inquiry", na qual é reafirmada a discricionariedade dos agentes ligados ao direito penal, evidenciando a maior relevância deste fenômeno na atividade Policial. Justificava-se que a discricionariedade da qual o policial se valia ao analisar determinada conduta era ferramenta necessária para a atuação da discricionariedade dos outros agentes, como Promotores e Juízes. Este mesmo estudo também mostrou que o direito penal vinha sendo utilizado para lidar com diversos problemas sociais, não apenas para tratar a questão de crimes graves, os quais vinham se tornando cada vez mais a exceção nos códigos penais.
Da atuação dos agentes que compunham o sistema penal criou um "direito penal de consenso" entre estes, no qual o tratamento dos acusados não era generalizado de acordo com o crime cometido, mas sim pelas condições globais de seu acontecimento. Isto se dava pelo poder discricionário dos agentes, os quais poderiam considerar penalmente irrelevante um senhor de bom status social cochilar em banco público, mas relevante do ponto de vista penal um mendigo que tem a mesma atitude.
O reflexo da pesquisa feita pela ABF foi perceptível a partir de 1965, no governo do presidente Lyndon B. Johnson, que criou uma comissão especial para discutir a aplicação e administração da justiça. Tal Comissão, preocupada com o aumento da violência ao longo dos anos 60 e com o temor popular do abuso da discricionariedade por parte da polícia, juntamente com pesquisadores de renomadas universidades americanas, promove um série de pesquisas sobre a atuação e a prática da discricionariedade na atividade policial.
A conclusão destes levantamentos é de que na realidade o policial lidava muito pouco com a matéria propriamente penal durante sua rotina de trabalho: sua prática diária é a discricionariedade. Prova desta afirmação é a numerosa quantidade de inquéritos relacionados à violência doméstica que alcançaram resultados controversos ou inconclusivos, assim demonstrando a discricionariedade de promotores e policiais a qual formava a chamada “lei consensual”. Este dado reflete a ideia dos agentes penais de que o estado não deveria intervir em questões familiares, embora a agressão física fosse tipificada.
Muitos intelectuais e estudiosos passaram a defender o controle desta prática na atividade policial, até mesmo chegando a propor a extinção da mesma, principalmente no tocante a efetuar prisões. A exemplo destes últimos, destaca-se o médico Joseph Goldstein, o qual defendia que aos policiais não se deve delegar a discricionariedade de invocar ou não a lei penal no caso concreto, tendo sempre de invocá-la (full enforcement). Caso contrário, cair-se-ia em um processo criminal não democrático e extremamente subjetivista, uma vez que a norma aplicada poderia ser mero fruto do consenso dos agentes da justiça penal, contrariando as disposições do poder Legislativo eleito.
Joseph Goldstein propos que os policias procedam no estrito cumprimento da lei e não se ocupem de nada que não seja a aplicação desta, ou seja, erradicando a discricionariedade. Ele propõe que o legislativo se ocupe de definir as prioridades da atividade policial, além de controlar seus poderes investigativos e, por fim, criar guias de procedimento policial. Esta mudança trouxe certas consequências iníquas: a polícia por diversas vezes era utilizada pelo legislativo para reprimir problemas menores, como a prostituição, ao invés de resolver problemas mais danosos à sociedade.
Além de demonstrar incapacidade técnica ou desinteresse em regular o comportamento do policial frente à miríade de possibilidades de atuação deste, o legislador angariava visibilidade mediante o uso populista da polícia, que de regra é pautado pela tônica da repressão exagerada.
O judiciário também impunha controle sobre a atividade policial ao julgar determinada conduta da corporação como abusiva ou como aceitável, fazendo com que a jurisprudência também contribuísse para a construção de um padrão de atuação policial.
Por fim, a promotoria também detinha sua atuação em relação de dependência com a discricionariedade policial, uma vez que não poderia oferecer denúncia caso houvesse entendimento de que a atuação policial foi abusiva, já que não haveria violação à legislação penal.
Destas reformas vieram pesquisas e novas ideias, inclusive por intermédio de pressão popular, que exigia ordem pública e clamava por uma polícia que atuasse apenas de acordo com a lei, com baixo grau de discricionariedade. O resultado destas pressões foi a criminalização de diversos comportamentos comuns tidos como danosos à ordem.
Foi desenvolvido um novo modelo policial que se estabeleceu ao longo dos anos 1970. Tal modelo preconizava uma sistematização repressiva ao delito, ou seja, a polícia funcionaria de modo “industrial”, reprimindo todo comportamento tido como ilegal.
Para assegurar a eficiência, o policial era bem equipado, com armas modernas e carros potentes, entretanto ele não se integrava à comunidade onde atuava, já que passou a ser chamado ao local para reprimir o delito pela aplicação do direito penal, ainda que posterior ao fato.
Este modelo de policiamento é bastante repressivo e pouquíssimo preventivo, uma vez que o policial só pode agir quando o crime já foi praticado. A redução da discricionariedade impede que o policial, por exemplo, intervenha contendo um morador de rua com comportamento violento, uma vez que ele ainda não feriu ninguém, logo não praticou conduta tipificada como crime.
Para satisfazer a população que demandava por criminalização de comportamentos como no caso supra referido, o legislador passa a criminalizar esse tipo de conduta. A título de exemplo, a mendicância que passou a ser criminalizada pelo código penal da Califórnia. Deste modo, a polícia passa a ter legitimidade para intervir em uma situação como esta, a custo da elevação a população carcerária.
As normas que criminalizavam conduta tidas como ofensivas à ordem pública foram largamente questionadas quanto à sua constitucionalidade. Entretanto, esta questão não era tão clara em casos concretos, como na norma aplicada em Nova York. Lá proibia-se a mendicância agressiva, tendo algumas das qualificações deste delito bloquear o passeio público, seguir transeunte, tocar outrem sem consentimento, usar vocabulário ofensivo ou qualquer situação constrangesse alguém a dar dinheiro. Para incidir neste crime, o pedinte poderia ter diversos comportamentos, desde que constrangesse a pessoa, o que dependia da situação fática para que se possa dizer se ouve ou não delito. Deste modo o policial teria de agir com discricionariedade para enquadrar ou não a conduta ao tipo penal.
Para evitar o abuso da discricionariedade, atividade já verificada como inerente à atuação policial, mesmo que passível de redução, Frank Remington percebe todas as falhas de um controle legislativo dos procedimentos de ação policial em seu livro "The Challenge of Crime in a Free Society". Nele, propõe a ideia de limitar a discricionariedade do policial internamente, dentro da corporação da qual faz parte. A própria polícia desenvolveria, juntamente à comunidade ao seu redor, linhas de atuação e definiria formas de ação policial frente a determinados comportamentos. Esse modelo, é superior do ponte de vista regulatório pois a polícia sabe melhor as situações que passa no dia-a-dia, assim pode definir de modo mais preciso qual a melhor forma de agir. Estes direcionamentos que definem o agir no caso concreto e elaboram princípios norteadores da atividade policial são chamados pelo autor de Guidelines.
Nos anos 1990, o prefeito da cidade de Nova York Rudolph Giuliani empreende uma reforma na polícia. Este novo modelo propõe que o policial esteja verdadeiramente integrado na sociedade, conheça os moradores do bairro e seja um elemento presente da vida cotidiana, transmitindo uma ideia de segurança. Acreditava-se que a sensação de insegurança era contínua no antigo modelo, visto que o policial não estava próximo da comunidade, mas ele apenas agia se um delito tivesse ocorrido; então, a presença do agente de segurança pública não intimidava os malfeitores.
Era generalizada a sensação de que a polícia nada fazia, já que seu trabalho não era visto pela população, e sua capacidade de resolver problemas era baixa. O policial não resolvia pequenos problemas; assim, se alguém passasse mal não poderia contar com a ajuda do policial, nem tampouco este poderia intervir para impedir a desordem e o temor público que um bêbado ou um grupo de jovens poderiam causar, a menos que configurasse crime.
Diferentemente, o novo modelo, chamado de “Community Policing” põe como um dos focos da atividade policial “resolver problemas”. O agente de segurança pública tem de garantir as liberdades públicas e agir dentro da lei, mas pode juntamente da comunidade definir suas prioridades e modos de atuação, o policial pode até mesmo interferir em questões que não toque o direito penal, desde que sejam importantes para resolver problemas da comunidade, mas sempre respeitando a lei. Ao resolver problemas locais o policial ganha legitimidade para sua autoridade, dirime a ideia de que a polícia não faz nada e passa a reconquistar o sentimento de segurança e bem estar para a vizinhança. É vital que o policial conheça a comunidade que protege, assim é possível ser mais preciso ao aplicar sua discricionariedade, método necessário para resolver os problemas locais e cumprir sua larga gama de funções.
Um exemplo desta atuação intervencionista fora do âmbito penal pode ser descrito por um morador de rua que pede dinheiro em frente a uma creche. Nesta situação fática, o policial deve conhecer também o morador de rua a fim de prever seu comportamento usual. Assim, embora todos tenham o direito de ir e vir, o policial se souber que ele costumar ser agressivo pode pedir que o morador de rua se desloque para outro local no horário em que as crianças saem da creche, se souber que ele costuma ser agressivo ou intimidador. Por outro lado, se a polícia souber que tal indivíduo tem hábitos pacíficos deve permitir que ele permaneça, visto que a discricionariedade do policial deve ser orientada por sua experiência na comunidade em que atua.
É de relevância capital para este modelo de policiamento manter a comunidade “em ordem”. Todo tipo de perturbação da ordem pública deve ser resolvido pelo policial, do contrário irá resultar em uma perda do espaço público pela comunidade, uma vez que esta terá medo de frequentá-lo. Um local abandonado passa a se degradar cada vez mais, não só retirando da vizinhança a sensação de segurança trazida pela polícia comunitária, mas também a real segurança, uma vez que estes ambientes são largamente criminógenos.
Em suma, o modelo de “Community Policing” visa uma paulatina retomada da ordem, sempre respeitando os direitos da minoria, agindo apenas quando necessário, retomando espaços degradados pela desordem e devolvendo-os à comunidade. Por fim, a presença e atuação do policial têm papel de produzir o bem-estar público e a sensação de segurança.
termo “janelas quebradas” foi cunhado pelos criminólogos James Q. Wilson e George L. Kelling em um artigo chamado “Broken Windows” publicado na edição de março de 1982 da revista The Atlantic. Porém, a maior repercussão da teoria veio com o livro "Fixing Broken Windows" (1996), escrito pelo próprio Kelling em conjunto com Catherine Coles.
Os autores basearam-se na metáfora das janelas quebradas para expressar a ideia que as pequenas desordens em um bairro são propícias a gerar ainda mais desordens e comportamentos inadequados, mesmo que não ofensivos às leis penais. Neste sentido, um bairro com pichações ou pessoas urinando em locais públicos, dentre outros sinais de comportamentos inadequados, trazem a sensação de que ninguém se importa com as condições daquele local e acarreta ainda mais atitudes de desordem. Tais comportamentos, se não contidos ou, em última hipótese, reprimidos, propiciam um aumento da criminalidade na região e incutem o medo nos moradores da vizinhança.
Na busca desse maior coletivismo e paz nas comunidades, os autores criticam as teorias de total proteção ao indivíduo perante o Estado que floresceram na década de 1960 nos EUA.
Pode-se citar, por exemplo, a descriminalização da embriaguez em público e a desinstitucionalização dos doentes mentais e viciados em drogas, que não podiam mais ser forçados a se tratar em hospitais públicos. Eles condenam a política liberalizante vigente na época por julgarem-na responsável pelo aumento dos comportamentos nocivos à ordem social.
Segundo a Fonte do US Department of Justice, Bureau of Justice Statistics, Uniform Crime Reports no ano de 1994 o republicano Rudolph Giuliani assumiu o cargo de prefeito de Nova Iorque, uma cidade que tradicionalmente votava nos democratas, e implementou uma série de mudanças na forma de combater o crime ao endossar a teoria das janelas quebradas.
O governo Giuliani foi marcado por um aumento na repressão policial às pessoas consideradas estranhas ou indesejáveis aos “cidadãos”, como moradores de rua, limpadores de para-brisa e gangues de jovens. A política criminal implementada visava combater os pequenos delitos para restaurar a confiança na população e eliminar a sensação de insegurança. De fato, apesar de quase todos os nova-iorquinos temerem crimes mais graves como homicídio e estupro, o medo que neles incidia vinha de situações aparentemente banais como mendicância, porte de drogas e embriaguez.
Assim, o prefeito colocou a polícia nas ruas para combater qualquer tipo de desordem e os resultados imediatos agradaram o eleitorado.
Se a política de tolerância zero estava, por um lado, atrelada a uma moral ultraconservadora de criminalização da pobreza e gerou efeitos perversos à população mais carente, em especial à juventude negra, por outro ela foi largamente importada pelos demais países capitalistas.
O movimento de lei e ordem busca trazer sensação de segurança aos cidadãos e fazer com que eles ocupem locais antes abandonados em função da degradação causadas por pessoas com comportamentos indesejados, como mendicância, embriaguez, uso e tráfico de drogas, prostituição, dentre outros. Esses comportamentos produzem medo e repulsa em grande parte da sociedade, compelindo as pessoas a abandonarem determinados locais públicos que tenderiam à degradação e se tornariam ambientes propício para a ocorrência de crimes.
Entretanto a repressão à desordem nestes locais leva a diversas questões constitucionais que inevitavelmente são judicializadas. Por exemplo, a atuação da polícia, braço armado do Estado, que proíbe condutas na cidade de São Francisco, como a mendicância, em 1993, no governo do prefeito Jordan.
A constitucionalidade desta norma não impede o seguinte questionamento: se essa lei pune as ações e comportamentos indesejáveis ou se pune os que não podem subsistir em outras condições, ou seja, criminalizam os pobres pelo fato de serem pobres.
Nesse sentido, a cidade de São Francisco não penas adotou uma postura de repressão penal, porém também um política social massiva, investindo mais de 6 mil dólares por morador de rua a fim de garantir que tivessem um mínimo para sobrevivência. A questão da constitucionalidade deste projeto político foi levado à Suprema Corte, que entendeu não se tratar de proibição inconstitucional, uma vez que o modelo não punia a pobreza, pois o sem-teto poderia encontrar guarida no programa social a ele oferecido.
Este tipo de iniciativa, a despeito de eventuais abusos e da judicialização demostrou significativo resultado quanto à redução da criminalidade nas áreas anteriormente degradas, principalmente as centrais que foram revigoradas do ponto de vista econômico, uma vez que as pessoas de maior poder aquisitivo voltaram a ocupar este espaço.
Pelos dados apresentados é plenamente possível questionar a qualidade da prática de política baseada no Law and Order. Primeiramente, percebe-se uma criminalização da população já historicamente marginalizada nos EUA, como os negros e, num período mais recente, os hispânicos.
Esses dados passam desapercebidos pela opinião pública e pela imprensa, fiéis à queda dos índices de criminalidade divulgada pelos órgãos oficiais. Tal queda, se realmente existiu de forma significativa, precisa ser relativizada, dizem os críticos, visto que, no ano de 1998 surgiram inúmeras denúncias de policiais que se viram forçados a alegar diminuição das taxas de criminalidade[19]. A expressão decorrente desses escândalos “cooking the books” tornou-se famosa e preocupou autoridades federais americanas.
Outros dados revelam o aumento da brutalidade policial, responsável por vários processos contra a prefeitura para exigência de indenização, e a indignação de setores da sociedade revoltados com os abusos policiais. Diante das distorções ocorridas na prática, alguns autores dedicaram-se a criticar a teoria das janelas quebradas, que serviu para embasar políticas de tolerância zero.
De acordo com Harcourt, a teoria das janelas quebradas não é empiricamente comprovada e é bem provável que esteja equivocada. De fato, seus criadores afirmaram repetidas vezes que a teoria é baseada em experiência, porém não citam métodos científicos que a comprovem.
Em segundo lugar, a política de tolerância zero implementada em Nova York não pode ser citada como causa ou determinação da redução da criminalidade, já que as mesmas quedas nos índices foram vistas em inúmeras metrópoles americanas e, além disso, outros fatores foram determinantes na redução desses índices. O autor cita como exemplo as melhores condições econômicas dos anos 1990, a mudança no consumo de drogas do crack e cocaína para a heroína, novas tecnologias que permitiram à polícia responder de forma mais célere às chamadas, a prisão de grandes gangues de tráfico de narcóticos na cidade de Nova York, dentre outras determinações.
O movimento defendeu também o máximo rigor com as pequenas infrações, não havendo sequer espaço para se cogitar o princípio da insignificância dentro dessa estrutura de política criminal.
Válido é relembrar a Teoria das Janelas Quebradas de James Wilson e George Kelling, pela qual, se uma janela de um edifício/casa for quebrada e não for restaurada, a tendência é que as demais também sofram fratura, posto que, o abandono causa a sensação de que não há vigilância, logo, não há temor ou receio em danificá-lo e/ou degradá-lo.
Dessa forma, a teoria está dividida em Metáfora e Experimento. Pela Metáfora, a ideia é a de que a sociedade está em ruínas (casa) e a reforma deve ser iniciada pela segurança, pois isso comunica ordem e domínio, ensejando o cenário ideal para realizar os demais reparos.
Já o experimento, é de fato um o que foi realizado nos Estados Unidos. Foi assim: dois carros foram deixados em dois bairros distintos. Um automóvel foi deixado intacto, com as janelas fechadas e no dia seguinte estava da mesma forma: no estado perfeito de antes. Já o outro veículo foi deixado com a janela
quebrada. Ao amanhecer, o veículo estava ainda mais danificado e já havia sido levado grande parte de suas peças.
Ou seja, concluiu-se que, independentemente do poder aquisitivo dos dois bairros, não foi a pobreza ou qualquer outro fator que propiciou o crime, mas sim, o estado de abandono.
Nos Estados Unidos, em meados da década de 70, advém a necessidade de repressão máxima e com ela, a elaboração de variadas leis repressivas. Por consequência, a sociedade se ramifica em dois grupos: aquele composto por pessoas do bem, as quais merecem a proteção das leis; e os delinquentes, considerados inimigos da sociedade e do Estado, que devem ser punidos de forma que não haja reincidências criminosas.
Como consectário do movimento lei e ordem, em meados dos anos 80, surge a teoria da tolerância zero, simbolizada na política criminal adotada nos anos 90, pelo então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, que transforma a capital do crime em uma das cidades mais seguras dos Estados Unidos.
A teoria da tolerância zero é baseada em um viés mais conservador do estudo da criminologia e traduz uma forma inédita de administrar a vida em sociedade e a conturbada relação polícia/cidadão.
Nesse sentido, a repressão confere espaço à permanente vigilância do Estado, permitindo-o punir de forma concreta os infratores da lei, bem como propicia que a burocracia em demasia ceda espaço às novas responsabilidades e funções das autoridades distritais e seus policiais.
O resultado seria um sentimento geral de decadência e desamparo em que a desordem social encontraria terreno fértil para enraizar-se e gerar seus frutos maléficos. Ou seja, a violência urbana e os crimes graves seriam o último elo de uma cadeia em que pequenas infrações levam a formas mais acerbas de delinquência. As pequenas desordens do cotidiano das grandes cidades seriam o embrião de patologias mais graves sob a leniência ou condescendência dos órgãos de segurança do Estado, os quais, preocupados em resolver os crimes violentos, sobretudo homicídios, roubos e estupros, perderiam de vista a dimensão preventiva da luta contra as ofensas que afetam a "qualidade de vida".
Em decorrência da teoria da tolerância zero, Ivo Aragão destacou a necessidade de se coadunar o estudo à “teoria da vidraça quebrada” – Broken Windows Theory – que preconizava o dito popular: “quem rouba um ovo, rouba um boi”, mensurando que a punição de qualquer conduta, mesmo com reduzido grau de ofensividade ao bem jurídico, possui finalidade de apresentar exemplos à sociedade e ampliar sensação de autoridade do Estado.
A “teoria da vidraça quebrada” Broken– Windows Theory – que preconizava o dito popular: “quem rouba um ovo, rouba um boi”, mensurando que a punição de qualquer conduta, mesmo com reduzido grau de ofensividade ao bem jurídico, possui finalidade de apresentar exemplos à sociedade e ampliar sensação de autoridade do Estado
Essa teoria foi baseada em experimento realizado em 1969 por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford. Observou-se que em relação à dois automóveis idênticos quanto à marca, modelo e cor, quando estacionados em via pública, houve diferente resultado dada à localidade em que cada um foi deixado. Um dos automóveis foi deixado no Bronx, à época uma área pobre e conflituosa de Nova York, e o outro, em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Aquele deixado no Bronx teve suas peças furtadas em poucas horas até sua completa destruição. O outro, permaneceu intacto e após uma semana, os investigadores quebraram uma das janelas do carro. A partir desse momento, o mesmo ocorrido no Bronx aconteceu: a destruição total do automóvel. Com esse experimento concluiu-se que as pequenas desordens acarretam grandes desordens.
Percebe-se que a teoria das janelas quebradas emergia na sociedade como uma espécie de solução milagrosa no combate à criminalidade, pois os delitos menos gravosos, agora severamente punidos, gerariam no cidadão a sensação de maior segurança e de confiança no Estado, que conseguia garantir a aplicação da lei e da ordem.
Em sua obra, Tiago Ivo Odon explica que a implementação do programa tolerância zero contou com (a) um Departamento de Polícia de Nova York completamente reestruturado, através de serviços descentralizados, fim da exacerbada hierarquia entre os agentes, demissão de policiais graduados e assunção direta de responsabilidade pelos comissionários de bairro, que passaram a contar com remuneração e promoção proporcionais aos resultados obtidos na batalha à criminalidade, (b) um aumento dos recursos humanos e financeiros, onde o número de policiais passou de 27.000 em 1993 para 41.000 em 2001 e (c) um sistema informatizado para coleta e compartilhamento de dados, permitindo acompanhar de forma mais precisa os índices de crimes cometidos.
Segundo doutrina criminal brasileira, capitaneada por Aury Lopes Jr. , o modelo de tolerância zero é fruto de uma equivocada política norte-americana repressiva, chamada de movimento law and order (movimento da lei e da ordem). Para os críticos da teoria, o law and order prega a supremacia estatal e legal em detrimento ao indivíduo e seus direitos fundamentais.
Diante da análise dos preceitos defendidos pela doutrina garantista brasileira, salienta-se que as políticas criminais precisam ser mais eficazes no combate a criminalidade, pois alguns princípios constitucionais do Estado Democrático Brasileiro estão em perigo, tais como o direito à segurança, direito à livre locomoção e o direito à vida.
Nos Estados Unidos, a redução da criminalidade urbana em Nova York foi alcançada com a adoção da política de tolerância zero, que mesmo muito criticada, surtiu efeitos pretendidos, transformando a cidade em umas das mais seguras do mundo. Destaca-se a visível diferença da Nova York em que não se podia andar com segurança nos metrôs e trens, na região de Times Square, do Central Park e a transformação em um dos pontos turísticos mais visitados do mundo.
As taxas de criminalidade das cidades que adotaram políticas públicas lastreadas nos movimentos lei e ordem, em particular na tolerância zero, foram comprovadamente reduzidas porque, de forma complementar, houve significativo investimento em projetos sociais e estímulo à economia.
Importante destacar que um Estado Democrático somente possui forças de garantir o que preceitua sua Constituição, se realizar investimentos sérios em projetos sociais e na educação. Neste cenário, a garantia à ordem pública, através da segurança, mostra-se como base para todos os demais projetos de governo.
A sistemática da tolerância zero é lastreada no denominado "Direito Penal Máximo", que tem a sua metodologia estruturada na ampliação dos tipos penais, aumento das penas de prisão com longa duração, regime de execução mais rígido, redução da maioridade penal e a utilização de determinadas noções referentes ao direito penal do inimigo.
A pena máxima de privação de liberdade no Brasil é de 40 anos, conforme o artigo 75 do Código Penal, alterado pela Lei nº 13.964/2019, também conhecida como "Pacote Anticrime". O crime de feminicídio é o que tem a maior pena prevista no Código Penal Brasileiro, passando de 12 a 30 anos de reclusão para 20 a 40 anos.
O direito penal máximo é um modelo penal que se baseia na tolerância zero para todos os delitos mínimos, com o objetivo de não permitir que eles se tornem mais graves. No entanto, alguns críticos afirmam que esse modelo é incompatível com o constitucionalismo brasileiro e que as leis punitivas podem: Aumentar a taxa de encarceramento, Criar um sistema prisional caótico, Desrespeitar a dignidade da pessoa humana, Dessocializar os condenados, Aumentar a taxa de reincidência.
Existe uma interligação entre a teoria da sociedade de risco, desenvolvida pelo sociólogo Ulrich Beck, o conceito do direito penal máximo e os princípios da intervenção mínima e ofensividade. Ademais, demonstrar-se-á que três vetores levam à necessidade de tal discussão: a crescente violência, o consequente sentimento de insegurança da sociedade e o discurso do endurecimento das leis penais como solução para tal problema. Contudo, há limitações jurídico-constitucionais ao Ius puniendi, como os princípios da intervenção mínima e da ofensividade.
Na contramão a essa política adotada pelos Estados Unidos, o Brasil muito influenciado por teorias baseadas no garantismo penal, não consegue ter a coragem necessária para enrijecer o seu sistema punitivo. Isso porque, haveria de ter um fortalecimento das entidades persecutórias, como a polícia judiciária, que possui o papel investigativo.
É necessário destacar que a segurança pública é um consectário garantidor do direito à vida, do direito à liberdade de circulação, da dignidade da pessoa humana, dentre outros direitos fundamentais que inseridos na Carta Magna e não respeitados em muitos casos.
Há grande resistência na doutrina penal à aplicação de normas mais rigorosas no que concerne ao Direito Penal, ignorando por completo a ineficiência do atual sistema punitivo brasileiro: nem previne delitos e nem reinsere o condenado na sociedade quando egresso do sistema prisional.
Em contramão a esse pensamento, o presente trabalho defende-se que a segurança é um direito fundamental classificado como direito de segunda geração, definidos por José Afonso da Silva como aqueles que exigem uma ação estatal, ou seja, não pode haver inércia na sua prestação, o Estado deve atuar para garanti-la.
Em que pese todas as críticas feitas à adoção dos ideais do movimento lei e ordem nos Estados Unidos, inegável o fato que deu certo e hoje, quando comparadas, às décadas de 80 e 90, tem-se Nova York e Los Angeles completamente diferentes das cidades que possuíam índices de criminalidade e desordem urbana nas alturas.
Neste diapasão que se lastreia a defesa feita no presente trabalho, no sentido de haver possibilidade de mudança efetiva da atual fase de extrema violência a qual se vive. Para tornar essa tese real e concreta, há necessidade conjunta de um trabalho social sério aos que dele necessitam aliada a instituição da taxa de polícia, assim como feito no corpo de bombeiros, com a denominada taxa de incêndio.
REFERÊNCIAS
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