Resumo - Introdução à hermenêutica jurídica

❖ INTRODUÇÃO:

• Principal ferramenta para atuar com o direito - interpretação (linguagem)

• Doxa (opinião comum) e episteme (reflexão, questionamento, verificação dos pressupostos)

• Importância da localização histórica para a interpretação

• Escrita (antes: oralidade), evoluções tecnológicas - roda, fogo e agricultura

• Direito enquanto tecnologia no campo social

• Marco importante: Estado (regulado por relações societais, leis, normas sociais, vida em sociedade, organização da família) • Estado contemporâneo organizado em 3 poderes: o Judiciário exige formação em direito, enquanto que no executivo e no legislativo não é necessário. Estrutura-se pelas normas, pelo direito, sendo o Estado a maior tecnologia, uma ideia sofisticada

• Regulação dos meios de comunicação

• Direito é técnica, decisão e dominação

❖ UMA LEGIÃO DE IMBECIS - HIPERINFORMAÇÃO, ALIENAÇÃO E O FETICHISMO DA TECNOLOGIA LIBERTÁRIA (SYLVIA MORTEZSOHN):

• A tecnologia, por si só, não tem o condão de alterar as relações sociais e o ambiente virtual, não é uma realidade autônoma ou independente, ela se vincula ao real

• Fetiche da tecnologia: crença de que é possível apagar as diferenças sociais no mundo concreto

• É um erro: homem x máquina, humanismo x tecnologia

• Semiologização do real, paradigma da produção-trabalho (velocidade, excesso de informação) - importante retornar à dimensão histórica dos fenômenos

• A estupidez coletiva e a formação de bolhas: cria-se senso comum no ciberespaço sobre questões sérias que demandam maior reflexão, com um nivelamento de saberes que levam à ignorância e à desqualificação do argumento

• O mundo virtual não cria uma realidade à parte, mas reproduz as relações de força do mundo presencial, inclusive as disputas políticas

• O risco do rebanho seguro de si: necessárias articulações presenciais e virtuais em ação coletiva, aliando a luta política às condições tecnológicas do presente

• O perigo não é a falta de informações (elas estão presentes até em excesso), mas sim a ausência de uma esfera comum para compartilhar ideias além das fronteiras das crenças

• A pós-modernidade é responsável pela diminuição da capacidade do pensamento e de interpretação do mundo, inclusive no pensamento jurídico

❖ IMPORTÂNCIA E DESAFIOS DA INTERPRETAÇÃO:

• A interpretação é inerente à condição humana

• Horizonte de sentido - é uma visão de mundo, uma perspectiva (Michel Lèvy), e o desafio de se olhar para trás em face do poderio

• Principais desafios: plurivocidade da linguagem jurídica + ficção da neutralidade axiológica (não é possível ser totalmente imparcial, há sempre uma carga valorativa que o intérprete carrega, há uma distorção das normas convergindo para uma perspectiva que melhor convier ao julgador)

• Peter Häberle: todos interpretam o direito, há uma sociedade aberta de intérpretes

❖ CONTEXTO HISTÓRICO:

• Interpretação do direito penal (pré-modernidade): o ônus da prova cabia ao acusado, havia processos contra animais (respondiam penalmente e comumente eram excomungados), era comum a punição sem respeito ao contraditório e reinava o misticismo

• Revolução Industrial (Inglaterra) - paradigma que mudou nossa forma de se relacionar com o mundo, deu-se no plano econômico.

• Capitalista (detentor dos meios de produção) X do proprietário de até então - revolução que mudou os donos do poder. A aristocracia fundiária (terras) foi substituída pelo capital (burguesia), a terra deixa de ser o foco e passa-se a haver maior preocupação com o acúmulo de capital. Vassalagem substituída pelo proletariado. A terra era o principal instrumento de produção, as famílias ricas possuíam título de nobreza e havia relação jurídica de aluguel (alugavam-se terras para o plantio - enfiteuse)

• A modernidade se inicia com a cisão entre o Estado e a propriedade, deixando o Estado de ser o proprietário de tudo - implica novas formas de ver e de pensar

• Marco para o direito moderno: Código Civil napoleônico

• Estar em um sistema capitalista não significa que somos capitalistas, somos vítimas de uma forma de pensar colocada pela classe dominante

• Mudança no plano político- revolução francesa (1789)

• O Estado passa a ser um instrumento de dominação por meio do direito, mantendo-se o status quo vigente e a burguesia, e a terra passa a ser vista como mercadoria, não mais como meio de produção (reforma agrária)

• Portanto, pode-se dizer que a capacidade interpretativa se dá a partir das mudanças do mundo

• A modernidade perdurou até cerca de 1950

• Antes da dupla revolução: pré-modernidade. Posteriormente (1789)- início da modernidade, logo em seguida (1804)- Código Civil Napoleônico

• Para Bauman, a pós-modernidade tem a ver com a publicização dos aspectos pessoais e da vida

• Pós-modernidade (modernidade líquida): desreferencialização do pensamento, perdem-se os referenciais da modernidade - problemas na interpretação do direito

❖ PONTOS TEÓRICOS:

• Relação cognitiva: sujeito cognoscente (o que conhece) e objeto cognoscível (o que está sendo conhecido)

• Não há confiabilidade científica no uso dos sentidos, eles nos enganam, mas tornam possível a existência

❖ ESCOLAS CIENTÍFICAS:

1- Empirismo: experimentação, chega-se à verdade por meio da repetição, há um conhecimento prático para se chegar à essência, emprego dos sentidos

2- Racionalismo: reconheceu a fragilidade da experimentação empírica, porque os sentidos nos enganam. Descartes afastou-se do pensamento da época - “cogito ergo sum” - é uma condição de existência, conhece-se a verdade por meio da razão

✱ Lógica formal: preocupa-se com a forma

Princípios da lógica formal:

- Princípio da identidade: a proposição é verdadeira quando se refere a si mesma - o que é, é

- Princípio da não contradição na lógica formal: uma proposição verdadeira não pode ser falsa, e uma proposição falsa não pode ser verdadeira

- Princípio do terceiro excluído: ou a proposição é verdadeira ou é falsa, não há uma terceira possibilidade

- Princípio da razão suficiente: tudo o que acontece ou existe tem uma razão, funda a lógica científica - causalidade, determinismo natural e princípio da finalidade

✱ Lógica material: preocupa-se com o conteúdo, é a lógica mais importante para o direito, e a forma existe em razão do conteúdo

• Crítica: as decisões judiciais não obedecem à lógica formal, irracionais - embargos

•Crise no pensamento racional: a razão pura, por si só, não é suficiente

3- Dialética: tese, antítese e síntese

•A síntese é uma tese, pode ser levantado um contra-argumento e gerar uma nova síntese

• Exemplo de procedimento dialético: contraditório

4- Fenomenologia: O que pensamos é a representação de um fenômeno, tudo é representacional, e a verdade provisória da dialética é ficcional

• Luís Alberto Warat: o direito é ficcional

• Direito intertemporal: coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido (ficções criadas)

• O intérprete deve ter uma visão comedida, uma posição recuada (as coisas não são o que parecem)

• Na modernidade, predominam explicações racionais, referências (construção) com causa e efeito que permitem uma interpretação razoável, plausível, há uma existência referencial a partir do indivíduo

• Na pós-modernidade, rompeu-se com os referenciais construídos (modernidade líquida, transmodernidade), há uma queda da modernidade. Marco inicial da pós-modernidade: após a Segunda Guerra Mundial, com a demonstração da capacidade destrutiva das bombas atômicas

• Guattari e Deleuze: desterritorialização (problema do processo cognitivo em face da perda de referência - obliteração cognitiva)

• O direito não existe, ele é criado a partir da linguagem. Para a fenomenologia, os objetos são conhecidos através da representação

❖ DIREITO E LINGUAGEM:

• Distinções entre hermenêutica e interpretação: a hermenêutica é a ciência que se preocupa com a interpretação, discutindo seus pressupostos e fornecendo elementos, métodos e procedimentos para interpretar. Já a interpretação possui aspecto mais estrito e prático

• Conceito de hermenêutica (Carlos Maximiliano): A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis do direito, para determinar o sentido e o alcance das expressões de direito

• Interpretação em sentido latíssimo: visão de mundo, horizonte de sentido / em sentido lato: hermenêutica, compreensão de uma linguagem, procedimentos interpretativos / em sentido estrito: interpretação mais direta, extração do conteúdo normativo

• O Direito é linguagem, a Lei é linguagem (o Direito só existe se puder ser explicado pela linguagem)

• Letras - signos (é a coisa), é natural. E símbolos linguísticos (é àquilo a que se refere a coisa), é artificial e veiculam a norma

O signo/símbolo é um elemento cognitivo e fenomênico que aponta para algo distante de si (se não apontasse para algo distante, seria a coisa, não o símbolo), é àquilo que se refere a coisa. É o meio dos signos que a linguagem se manifesta, e por sua vez, o direito

❖ PLANOS DA LINGUAGEM:

1- Sintática: diz respeito à estrutura entre os signos e à relação entre as palavras, é a primeira análise a ser feita pelo jurista

• No plano sintático, a norma é um conjunto de relações entre as palavras

• No plano sintático não é necessário ter relação com a realidade, não precisam estar “corretas” ou ter correspondência com o mundo exterior

2- Semântica: relação entre o signo e o objeto, guarda relação com o significado/conteúdo com o objeto no mundo real

• É feito um acordo semântico, geralmente no parágrafo único de cada artigo da lei, que esclarece, trata-se de pegar uma palavra que pode compreender diversos significados e definir/explicar o significado daquela palavra

3- Pragmática: contexto em que os signos se inserem, é o campo da complexidade discursiva (Tércio Sampaio)

• Para uma interpretação adequada, é necessário contemplar os 3 planos da linguagem em seu conjunto

• Os planos da linguagem podem apontar para direções opostas

• Meta-linguagem/para-linguagem

• Linguagem: primeiro nível

• Meta-linguagem: segundo nível

• Quando há uma ruptura com a cadeia de linguagem, desviando-se o assunto, cria-se uma meta-linguagem acima da linguagem de primeiro nível (estratégia comum entre advogados para deslocar o discurso)

❖ TIPOS DE LINGUAGEM:

1- Natural: linguagem do cotidiano, mais simples, maior plurivocidade, interpretação mais abrangente

2- Técnica: linguagem utilizada em um campo específico do saber, reduz um pouco a plurivocidade

3- Simbólica: “linguagem artificial”, alto grau de precisão e certeza, com o predomínio da univocidade

• Quanto mais próxima da linguagem natural - plurivocidade (múltiplos sentidos, polissemia)

• Quanto mais próxima da linguagem simbólica - univocidade (não há muita margem para interpretação)

• O contexto de uso define o seu significado (pragmática)

• Direito - linguagem técnica para reduzir a plurivocidade linguística da linguagem natural, mas quem interpreta o direito é o destinatário da norma jurídica (o cidadão)

• Bourdieu: violência simbólica - o uso da linguagem técnica oculta uma violência

❖ SENSO COMUM TEÓRICO DO JURISTA:

• Interpretamos o direito segundo os ideais da pós-modernidade (automatismo), o que interfere na prática jurídica

• A linguagem jurídica e o direito possuem textura aberta

• Desafio/dificuldade em interpretar o direito - linguagem plurívoca

• Neutralidade/imparcialidade do juiz é uma ficção

• Conteúdo axiológico (valores) - horizonte de sentido

• Ideologia é um conjunto de ideias, impressões e saberes sobre algo, pode ser entendida de forma negativa (Napoleão, Marx)

• Bobbio: ideologia em sentido negativo é forte, e em sentido positivo é fraco

• Senso comum: ideias compartilhadas no cotidiano

• Ciência: maior rigor, refutabilidade

•Não há hierarquia entre senso comum e ciência, há especificidades cognitivas

• O senso comum é o local mais propício à alienação, e pode se encontrar na ideologia

• A ciência verifica o senso comum, provoca sua desideologização

• Senso comum teórico dos juristas - expressão criada pelo Warat, é um conhecimento técnico em direito que pode ser desideologizado pela ciência

• Teorias descritivas e normativas da interpretação, essa última determina como se deve interpretar, fornecendo diretrizes

• Os valores exercem papel na atividade interpretativa

• Tipologias da interpretação jurídica: autêntica, legal e operativa

• Ideologias da interpretação: ideologia estática e dinâmica

❖ JERZY WRÓBLEWSKI - INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

• 3 modalidades de interpretação: latíssimo sensu (sinônimo de entendimento nas ciências humanas ou da cultura), lato sensu (compreensão de uma expressão linguística ou de um ato de linguagem, devendo-se interpretar cada sinal) e em sentido estrito (situações em que há dúvida sobre o sentido das expressões da língua em alguns de seus usos)

• Situações de isomorfia: o entendimento imediato/direto basta para compreender o texto, em outras situações o sentido é indeterminado

• Língua semanticamente vaga: o sentido das expressões depende do contexto em que são empregadas - há relação estreita entre a semântica e a pragmática, de forma que os contextos são importantes para a determinação

• A interpretação jurídica pode ser tratada do ponto de vista descritivo e do normativo

• Teorias descritivas da interpretação: descrição psicológica, psicossociológica e lógico-semiótica

• Ocorre a desconstrução dos modelos descritivos da interpretação em detrimento da perspectiva normativa

• A perspectiva normativa determina como se deve interpretar, fornece as diretrizes de interpretação e possui função heurística ou justificatória

• Sem os valores, não se pode interpretar o texto jurídico nem justificar a decisão interpretativa

• Contextos linguístico, sistêmico e funcional

• Tipologias da interpretação jurídica: quanto às diretrizes de interpretação (sistêmica, funcional e teleológica), quanto à validade em função da posição dos intérpretes (autêntica, legal e operativa), quanto às fontes, métodos e autoridades (histórica, legal, teleológica, gramatical e sistêmica)

• As ideologias da interpretação do direito são reconstruídas a partir dos textos jurídicos em vigor, das justificações das decisões e dos tratados de interpretação

• Ideologia estática e dinâmica

❖ SENSO COMUM TEÓRICO DOS JURISTAS - LUÍS ALBERTO WARAT

• É o conjunto de representações, crenças e ficções que influenciam os juristas sem que eles tomem ciência de tal influência

• Fala-se em um novo senso comum jurídico - pós-modernidade

• O conceito “senso comum teórico” foi elaborado com base na recusa às teorias linguísticas dominantes, com uma dicotomia entre linguagem e realidade

• Crítica à ideia de “real” - é um conjunto complexo de significados

• O significado é um instrumento de poder à medida em que assegura a sua conservação, sendo o direito uma técnica de controle social

• As representações que o senso comum teórico integra aniquilam nossa compreensão sobre as verdades jurídicas

• A ordem epistemológica (restrita a um círculo pequeno), foi substituída por uma ordem ideológica, sendo a verdade submetida a um processo de persuasão

• Na pós-modernidade, o saber científico regrediu para o senso comum

• O conhecimento científico só ocorre se ele pode se converter em senso comum

• Novo senso comum jurídico: é o pensamento do direito além da dicotomia Estado-sociedade civil

Disciplina: Hermenêutica Jurídica

Isadora Welzel
Enviado por Isadora Welzel em 17/10/2024
Código do texto: T8176012
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