Lei das XII Tábuas em Diálogos Divertidos
LEI DAS XII TÁBUAS
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TÁBUA PRIMEIRA
Do chamamento a Juízo
LUCIA - Salve, Antonia!
ANTONIA - Lucia! Que bênção dos deuses te encontrar! O teu esposo Lucio é o pretor, não é?
LUCIA - É sim, mas... Ué, o que que foi, guria? Por que é que tu ta assim, tão agitada? Ta mais apressada que o deus Mercúrio!
ANTONIA - Bah, amiga, nem te conto! Meu esposo Antonio foi chamado a juízo. Ai, que nervoso! Eu não sei o que fazer!
LUCIA - Peraí, me conta tudo, talvez eu possa ajudar. Vamos sentar aqui na fonte, toma uma água, respira.
ANTONIA - Ah... Então, Lucia, pois é. Agora meu esposo Antonio vai ter que ir ao Juízo, né?
LUCIA - Sim, claro, tem que ir. Diz a lei primeira da tábua primeira:
1. Se alguém for chamado a Juízo, compareça.
ANTONIA - Então não tem como o Antonio não ir, né? Ai, que aflição.
LUCIA - Olha, Antonia, é melhor ele ir. Diz a lei segunda da tábua primeira:
2. Se não comparecer, aquele que o citou tome testemunhas e o prenda.
ANTONIA - Então o compadre Marcio pode até prender o meu Antonio?
LUCIA - Ah, o Marcio que moveu a ação contra o teu Antonio? Então, se ele tiver as testemunhas, ele pode até prender o Antonio.
ANTONIA - Ah, diz ele que tem Júpiter por testemunha. Mas, escuta: o Antonio não pode só mandar um dos nossos escravos ir lá no fórum no lugar dele e pronto?
LUCIA - Olha, não dá pra se escapar do processo, que a coisa fica pior ainda. Diz a lei terceira da tábua primeira:
3. Se procurar enganar ou fugir, o que o citou poderá lançar mão sobre (segurar) o citado.
ANTONIA - O quê? Mas que barbaridade! O meu Antonio é velho e ta doente, nem pode caminhar direito!
LUCIA - Ah, é mesmo. Olha, igual ele tem que ir no Fórum. Mas ele pode exigir do Marcio o transporte. Diz a lei quarta da tábua primeira:
4. Se uma doença ou a velhice o impedir de andar, o que o citou lhe forneça um cavalo.
ANTONIA - Ah, coitado, ele não consegue nem andar a cavalo, tão doente da perna que ele tá. Pobrezinho, parece o deus Vulcano, sempre mancando.
LUCIA - Antonia, que complicação, hein? Mas olha, ele pode pedir um carro. Diz a lei quinta da tábua primeira:
5. Se não aceitá-lo, que forneça um carro, sem a obrigação de dá-lo coberto.
ANTONIA - Tu vê... Claro que não precisa ser um carro coberto, oras. Assim já fica bem melhor para o meu Antonio ir até o fórum responder a esse maldito processo.
LUCIA - E me diz uma coisa, vocês já avocaram um patrono, né?
ANTONIA - Tu diz... um advogado? Não... Ué, precisa?
LUCIA - Olha, é bom chamar, hein? O quanto antes, melhor! Tu sabe que diz a lei sexta da tábua primeira:
6. Se se apresentar alguém para defender o citado, que este seja solto.
ANTONIA - Ah, então tem que ter advogado para não ficar preso? Eu achava que tinha que conseguir um fiador... mas a gente não achou nenhum amigo nessa hora.
LUCIA - Fiador é bom ter também. Nunca se sabe o que vai vir da cabeça do meu marido, quero dizer, do pretor! ahahah Mas diz a lei sétima da tábua primeira:
7. O rico será fiador do rico; para o pobre qualquer um poderá servir de fiador.
ANTONIA - Então tem que arranjar advogado, arranjar fiador, esperar o carro do Marcio, ir no fórum... e depois, o que acontece?
LUCIA - Olha, não quero te perguntar detalhes da treta, pra não ser indiscreta. Mas diz a lei oitava da tábua primeira:
8. Se as partes entrarem em acordo em caminho, a causa estará encerrada.
ANTONIA - Duvi-de-o-dó! A deusa Discórdia se intrometeu de vez entre o Antonio e o Marcio...
LUCIA - Então vão ter que seguir os ritos habituais. Diz a lei nona da tábua primeira:
9. Se não entrarem em acordo, que o pretor as ouça no comitium ou no forum e conheça da causa antes do meio-dia, ambas as partes presentes.
ANTONIA - Barbaridade! Até o meio-dia?
LUCIA - Olha, antes do meio-dia é só para "conhecer" da causa, como eles falam... Diz a lei décima da tábua primeira:
10. Depois do meio-dia, se apenas uma parte comparecer, o pretor decida a favor da que está presente.
ANTONIA - Nossa! Os deuses nos livrem de o teu esposo Lucio decidir a favor do compadre Marcio!
LUCIA - Então é mais um motivo para o teu esposo Antonio comparecer, né?
ANTONIA - Tem razão, amiga. Mas... a coisa toda vai ser demorada então? Quando é que termina?
LUCIA - Olha, nunca se sabe... Mas pelo menos diz assim a lei décima primeira da tábua primeira:
11. O pôr-do-sol será o termo final da audiência.
ANTONIA - Gente! Vão ficar o dia inteiro juntos o meu Antonio e o compadre Marcio e o teu esposo Lucio?
LUCIA - Pode ser que sim!
ANTONIA - Pelo menos vão estar no Fórum em juízo, e não na taberna! Ahahaha!
LUCIA - Ahahaha!
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TÁBUA SEGUNDA
Dos julgamentos e dos furtos
SEVERUS - Salve, seu brigadiano! digo, Salve, Vigil Urbani! Me ajude!
VIGIL - Salve, Severus! Tudo em paz?
SEVERUS - Ah, que nada! Fui roubado! Minha colheita de uvas sumiu do meu terreno!
VIGIL - Mas que barbaridade! E tu sabes quem te roubou? Viste alguém entrando no pátio?
SEVERUS - Claro que sei! Foi o Furio, o filho do vizinho. Quero ver ele punido imediatamente!
VIGIL - Peraí, que não é bem assim... Tu tens testemunhas, Severus?
SEVERUS - Não tenho, mas é claro que foi ele. E é bem capaz de ele querer tentar de novo!
VIGIL - Olha, tem regra pra isso. A lei segunda da tábua segunda diz que:
2. Aquele que não tiver testemunhas irá, por três dias de feira, para a porta da casa da parte contrária,
anunciar a sua causa em altas vozes injuriosas, para que ela se defenda.
SEVERUS - Ah, tenho que fazer tudo isso? Porque ele tem que poder se defender, é? Mas e me diz uma coisa: e se ele tenta de novo?
VIGIL - Bom, se tu tiver um flagrante, aí é diferente, é furtum manifestum... Diz a lei terceira da tábua segunda:
3. Se alguém cometer furto à noite e for morto em flagrante, o que matou não será punido.
SEVERUS - Ah, muito bem, então vou ficar espreitando o patife. Mas... e se for de dia?
VIGIL - De dia? A lei quarta da tábua segunda diz que:
4.a Se o furto ocorrer durante o dia e o ladrão for flagrado, que seja fustigado e entregue como escravo à vítima.
SEVERUS - Ah, muito bem, vou ganhar um escravo então. Ainda que esse Furio seja um inútil. Ainda se fosse um escravo dele... Aliás, se ele mandar um escravo me roubar?
VIGIL - Para escravo, a coisa é bem pior, claro: ainda a lei quarta da tábua segunda também diz.
4.b Se for escravo, que seja fustigado e precipitado do alto da rocha Tarpéia.
SEVERUS - Ah, a Tarpeia, aquela guria filha do Espúrio, traidora da pátria. Mas essa rocha... é aquela lá, no ponto mais alto no monte Capitolino?
VIGIL - Essa mesma.
SEVERUS - Ta, mas, nesse caso, não ganho nenhum escravo, não pego a minha colheita de volta, e esse guri ainda pode continuar a me roubar!
VIGIL - Ué, mas é um guri? Nesse caso, fica atento ao que diz a lei quinta da tábua segunda:
5. Se ainda não atingiu a puberdade, que seja fustigado com varas a critério do pretor, e que indenize o dano.
SEVERUS - Ah, muito bem! O Furio toma uma tunda de laço, e eu recebo minha colheita de volta! É justo.
VIGIL - Mas tu não inventa de atacar o guri, hein, Severus. É o pretor que decide sobre isso. Tens que mover uma ação contra o Furio.
SEVERUS - Ta, eu movo ação, faço o que for preciso. Mas e se ele não aparece?
VIGIL - Aí ele se dá mal. Diz a lei primeira da tábua segunda que só o juiz ou o arbitro que podem ter algum impedimento, daí adiam o julgamento.
SEVERUS - Ta, mas eles adiam, ou eles deixam pra lá e nunca mais voltam no assunto? Eu quero ver esse guri punido.
VIGIL - Não, eles continuam. E tu também. Depois de começar a ação, não pode desistir, hein? A lei décima da tábua segunda diz que:
10. Se alguém se conformar (ou se acomodar, transigir) com um furto, que a ação seja considerada extinta.
SEVERUS - Mas não desisto mesmo! E se eu não tiver o flagrante?
VIGIL - Ah, aí igual tu tens que mover ação contra ele, para o pretor decidir. Só que não recuperas o produto do furto. Diz a lei oitava da tábua segunda:
8. Se alguém intentar ação por furto não manifesto, que o ladrão seja condenado no dobro.
SEVERUS - Quê? Eu tenho que mover ação, esperar o pretor decidir, e mesmo assim não vou receber minha colheita de volta?
Olha, seu Vigil, eu quero ver o Furio punido! E quero minha colheita furtada de volta!
VIGIL - Severus, te acalma. Tu tens que fazer a coisa dentro da lei. Já te disse que não é pra atacar o guri assim no más.
SEVERUS - Mas e se ele vier armado pra dentro do meu terreno? Se ele me atacar?
VIGIL - Se ele estiver armado, aí tu grita e berra por socorro para todos os deuses ouvirem! A lei sexta da tábua segunda diz que:
6. Se o ladrão durante o dia defender-se com arma, que a vítima peça socorro em altas vozes e se, depois disso, matar o ladrão, que fique impune.
SEVERUS - Ah, muito bem! Então ele que nem tente de novo! Mas outra coisa: Eu quero a minha colheita de volta! Não pode ficar com ele pra sempre.
VIGIL - Quanto a isso, não te preocupa. A lei décima primeira da tábua segunda diz que:
11. A coisa furtada nunca poderá ser adquirida por usucapião.
SEVERUS - Ah, menos mal. Mas e como é que eu posso buscar de volta a minha colheita?
VIGIL - Olha... Ele chegou a cortar as tuas árvores? É que diz a lei nona da tábua segunda que ele tem que indenizar:
9. Se alguém, sem razão, cortar árvores de outrem, que seja condenado a indenizar à razão de 25 asses por árvore cortada.
SEVERUS - Hum... não dei falta de árvore nenhuma. O parreiral estava inteiro. Mas a colheita tinha sumido, e eu quero de volta!
VIGIL - Tu acha que as uvas ainda estão com ele, na casa dele, do vizinho? Se tu encontrares o produto do furto na casa do ladrão,
a coisa se equipara ao furtum manifestum, ao flagrante. Diz a lei sétima da tábua segunda.
7. Se, pela procura cum lance licioque, a coisa furtada for encontrada na casa de alguém, que seja punido como se fora um furto manifesto.
SEVERUS - E aí posso dar-lhe uma camaçada de pau? Ah, muito bem.
VIGIL - Peraí, pra valer como flagrante, a coisa tem que ser feita bem direitinho pelo ritual da procura cum lance liquoque.
SEVERUS - Como é que é isso? Ritual? Me explica, que eu faço tudo que precisar.
VIGIL - Tu, que é a vítima, tem que entrar na casa do Furio, que é o suposto ladrão, de um jeito que tu não possa esconder nada embaixo das tuas vestes.
SEVERUS - Pra que isso, se eu quero ir lá só pra buscar a minha colheita?
VIGIL - Ora, Severus, para evitar que alguém acuse outro plantando prova falsa na casa do outro, né?
SEVERUS - Ah, ta, entendi. Mas então, como é que eu tenho que fazer?
VIGIL - Tu tens que ir lá segurando um prato nas mãos, o lancen habens, e vestido só com uma faixa de tecido na cintura, o licio cintus.
SEVERUS - Mas... mas... assim eu estaria... praticamente... nu.
VIGIL - Pois é, é assim que tem que ser.
SEVERUS - Desse jeito eu já não quero mais!
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TÁBUA TERCEIRA
Dos direitos de crédito
AVIANO - Salve, aprendiz. É Rupílio, né? Bom nome.
RUPÍLIO - Salve, domine Aviano. Estou pronto para começar no serviço de rationatore, com as bênçãos de Mercúrio.
AVIANO - Tem muita coisa pra aprender, guri. Nosso banco trabalha como argentarius e faenerator, e tem fiadores e muitos devedores, até estrangeiros.
RUPÍLIO - Sim, senhor. Argentarius são os bancos de depósito, não?
AVIANO - E tem que cuidar muito isso. Dis a lei primeira da tábua terceira:
l. Se o depositário, de má fé, praticar alguma falta com relação ao depósito, que seja condenado em dobro.
RUPÍLIO - Cuidar os depósitos, anotei. E como faeneratores, emprestamos dinheiro a juros, não?
AVIANO - E temos que maneirar os pedidos dos clientes. Diz a lei segunda da tábua terceira:
2. Se alguém colocar o seu dinheiro a juros superiores a um por cento ao ano, que seja condenado a devolver o quádruplo.
RUPÍLIO - E quanto aos estrangeiros, domine Aviano? Temos que cuidar dos seus interesses, não?
AVIANO - Temos, Rupílio. Mas eles não são tão preocupantes. Diz a lei terceira da tábua terceira:
3. O estrangeiro jamais poderá adquirir bem algum por usucapião.
RUPÍLIO - Ah, pelo menos disso estamos livres! E quanto aos caloteiros, como o Cornelius? Vamos levar os devedores logo ao magistrado, não?
AVIANO - Sem dúvida, Rupílio. Mas até para o Cornelius o processo é demorado. Diz a lei quarta da tábua terceira:
4. Aquele que confessar dívida perante o magistrado, ou for condenado, terá 30 dias para pagar.
RUPÍLIO - Então, é certo que em 30 dias, teremos a dívida do Cornelius paga!
AVIANO - Quem dera, Rupílio! Que Mercúrio te ouça! Mas não duvido que ele mesmo assim não pague. Diz a lei quinta da tábua terceira:
5. Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado.
RUPÍLIO - Ah, aí eu quero ver! Assim, garanto que o Cornelius paga. Ou pelo menos, vai encontrar um fiador que pague por ele.
AVIANO - Rupílio, te prepara, que ele não encontra fiador nunca. Aí temos que tomar medidas mais drásticas. Diz a lei sexta da tábua terceira:
6. Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor.
RUPÍLIO - Mas, domine Aviano, essa é uma medida extrema e humilhante. E além do mais, teríamos que manter o Cornelius preso até ele pagar a dívida.
AVIANO - Sim, Rupílio. E é para tomar essas medidas que eu te contratei. Isso dá muita incomodação e despesa. Diz a lei sétima da tábua terceira:
7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-Ihe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério.
RUPÍLIO - Mas, domine, isso é ainda mais humilhante para qualquer um, até para o Cornelius. Ele ficaria vivendo a pão e água, preso aqui no banco?
AVIANO - É, até que ele concorde em pagar a dívida. E outra: é você que vai para o comitium, que eu já to velho e cansado dessa gritaria. Sabe, né? Diz a lei oitava da tábua terceira:
8. Se não houver conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida.
RUPÍLIO - Então toda a urbe vai ficar sabendo da dívida do Cornelius?
AVIANO - Todos que ainda não sabem? Sim, se ainda existir alguém que não seja credor desse safado. Diz a lei nona da tábua terceira:
9.b se os credores preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.
RUPÍLIO - Lá nos confins mais antigos da cidade! Domine Aviano, vender uma pessoa livre como se fosse uma escrava, por causa de suas dívidas, é repugnante demais! O senhor não concorda que só os bens do credor deveriam ser dados em garantia de um crédito, e não a sua própria pessoa?
AVIANO - Olha, guri, eu quero é o meu dinheiro de volta. E os outros credores também. De mais a mais, dura lex sed lex. Tu sabe: a lei é dura mas é a lei. Se tu discorda, acha alguém que peticione aos cônsules para eles mudarem isso.
RUPÍLIO - Os cônsules? Ah, o Caio Petélio e o Lucio Papirio, né? Conheço uns podres desse aí, justamente um caso de dívida com um amigo meu, Caio, também aprendiz, mas não de rationatore. Creio que eles vão acatar a minha petição...
AVIANO - Mas não fica te queixando tanto, que nem te falei a parte mais polêmica. Diz a lei nona da tábua terceira:
9. Se são muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos.
RUPÍLIO - OOHHH, que crueldade! Mercúrio do céu! Eu não estou pronto para este serviço. Vou vomitar.
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TÁBUA QUARTA
Do pátrio poder e do casamento
MARCIA - Tito, meu esposo, precisamos conversar.
TITO - O que foi, Marcia? To indo ver o futebol, digo, o harpastum, dos guris no stadium.
MARCIA - Pois é, tem a ver com os guris. Tu é o pater familias, nós tivemos oito filhos, e tem mais um a caminho.
TITO - E daí? Tudo normal. Eu fiz alguma coisa? Eu deixei de fazer alguma coisa?
MARCIA - Tito, tu matou o nosso primeiro filho quando ele nasceu. Nem deixou eu dar nome para o pobrezinho.
TITO - Claro, mulher, era minha obrigação. Era um monstrum. Até meia dúzia dos vizinhos se sentiram ameaçados pela existência dele. Se tu não sabe, diz a lei primeira da tábua quarta:
l. É permitido ao pai matar o filho que nasceu disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos.
MARCIA - Tito, tu deixou viver o nosso filho, o Quintus, que quando nasceu parecia monstrum, até mais que aquele primeiro. Então qual foi o teu critério?
TITO - Eu...
MARCIA - Tito, tu matou o nosso filho Sextus também, ele que não era monstrum nenhum. Qual foi o critério dessa vez? Os vizinhos?
TITO - Marcia, eu...
MARCIA - Eu devia pedir a tua deportação para alguma ilha, pelo teu abuso!
TITO - Marcia, me ouve, eu...
MARCIA - E tu vendeu o nosso filho Sétimus.
TITO - Escuta aqui, Marcia, tu para de me questionar, que eu tava completamente dentro da lei quando eu fiz isso. Se tu não sabe, diz a lei segunda da tábua quarta:
2. O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los.
MARCIA - Eu perguntei sobre critérios, Tito, e tu não respondeu. É porque não teve nenhum?
TITO - Olha como fala, mulher... Eu vendi o Sétimus porque tive dívidas, tu sabe disso. Ele ficou só um tempo como escravo do meu credor, e logo eu resgatei.
MARCIA - Logo? Quase um ano, Tito, que o guri fica como escravo! E o Tertius, que tu vendeu tantas vezes, que ele nem voltou mais pra casa?
TITO - Marcia, foram as dívidas, tu lembra. Eu precisei vender o Tertius também, mas eu resgatei ele. Duas vezes!
MARCIA - Tu e as tuas dívidas. Tu não ta nem um pouco em situação de extrema pobreza, Tito, pra justificar o que tu fez.
TITO - Marcia, o Tertius não voltou mais porque ele virou sui iuris. Diz a lei terceira da tábua quarta:
3. Se o pai vender o filho três vezes, que esse filho não recaia mais sob o poder paterno.
MARCIA - Ah, e tu acha que se ele ainda gostasse de ti, ele não viria morar aqui perto de nós? Por que ele foi para longe?
TITO - Ah, o Tertius. Sei lá por que ele foi embora.
MARCIA - Agora tu não sabe? Vendeu o guri um monte de vezes, fez ele trabalhar como escravo, e não sabe por que ele se foi?
TITO - Se fosse por isso, o Sétimus também já estaria querendo ir embora.
MARCIA - E tu acha que logo mais ele não se vai também?
TITO - Quê?
MARCIA - E o Quintus, e os outros. E eu.
TITO - Tu ta louca, mulher? Tu tem um filho na barriga.
MARCIA - Pois tenho. E com esse tu não vai abusar!
TITO - Se for monstrum, eu mato, e os vizinhos ajudam! Se tiver que vender, eu vendo.
MARCIA - Não, Tito. Eu também me vou, com o Sétimus e o Quintus. Volto para a casa do meu pater, e acabo com nosso matrimônio.
TITO - Marcia, tu não inventa de fugir de casa. Mesmo se tu te for, a criança ainda é minha por direito. Diz a lei quarta da tábua quarta:
4. Se um filho póstumo nascer até o décimo mês após a dissolução do matrimônio, que esse filho seja reputado legítimo.
MARCIA - É verdade. Mas se tu morrer, tu não vai poder abusar desse teu direito.
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TÁBUA QUINTA
LIVIA - Oi, Júlia!
JULIA - Oi Lívia!
LIVIA - Tá tudo bem contigo? Que cara é essa?
JULIA - Ai, amiga, meu esposo Tício morreu. E junto com ele o Sempronio, aquele liberto que ainda trabalhava com ele na lojinha. Já faz um tempo estou morando com meus pais de novo. Estamos tratando da herança. Está uma incomodação, que até Júpiter dúvida.
LIVIA - Guria dos Deuses, e agora? E os filhos de vocês, o Caio, o Mévio? Como é que estão com tudo isso? E a casa, a carroça, os bois, a loja, as mercadorias, como é que fica? Me conta, o Tício fez testamento? É que eu aprendi que as disposições testamentárias de um pai de família sobre seus bens ou a tutela dos filhos terão força de lei. É isso que diz a tábua quinta, lei primeira.
JULIA - Ah pois é, essa lei. E pior é que o Tício não fez testamento nenhum. Onde já se viu? Todo mundo faz, só ele que não. Se tivesse feito, pelo menos a gente ia ter um norte para seguir.
LIVIA - Ai, que droga que as esposas não podem ficar com a herança, né, amiga? Já estaria tudo resolvido. Peraí, que eu tô tentando lembrar das outras regras da lei.
JULIA - Mas, guria. Para piorar, nem te conto. Sabe o Semprônio, o liberto? Ele sempre cumpriu o dever de gratidão para com o Tício, e não tem herdeiros. Agora que ele também morreu, adivinha? A lei quarta da Tábua quinta diz que se um liberto morre intestado sem deixar herdeiros, mas o patrono os filhos do patrono sobrevivem a ele, então que a sucessão desse liberto se transfira ao parente mais próximo da família do patrono. Então, guria, temos que fazer duas sucessões em vez de uma.
LIVIA - Ah, sim, eu to ligada. Mas tá aí, amiga. Essa lei diz que o diz o que fazer quando não tem testamento. Fica tudo para o parente mais próximo. O herdeiro necessário mais próximo seria o Caio, né? Então, tá resolvido.
JULIA - Que nada, amiga. Uma maldição dos deuses. O Caio - ai, que vergonha, - o Caio é um pródigo... ou é louco... Eu levei no templo de Apolo, mas os sacerdotes ainda não sabem se é uma coisa ou outra. Em todo caso, ele não pode receber herança. E a tábua quinta, lei oitava, diz que se alguém torna-se louco ou pródigo e não tem tutor, então que a pessoa e os seus bens sejam confiados à curatela dos agnados, e se não há agnados, à dos gentis. Eu até decorei de tanto ouvir eles dizendo.
LIVIA - Minerva do céu! Então fica tudo para o Mévio, o teu guri mais novo? Ele vai ter que cuidar do Caio também? Ai, ele é tão jovem!
JULIA - Então, amiga, eu soube que, como o Mévio é muito jovem, impúbere, por causa disso ele também não pode receber herança. A Tábua quinta lei sétima diz que se o pai de família morre sem deixar testamento, ficando um herdeiro seu impúbere, que o agnado mais próximo seja seu tutor. Tô decorando essas leis todas, de tanto que to me incomodando com essa história.
LIVIA - Ah, tem isso também. Puxa! Dessas leis, eu lembro ainda daquela que diz que se o pai de família morre intestado, não deixando herdeiro seu necessário, então que o agnado mais próximo seja o herdeiro. Acho que é a lei segunda da tábua quinta.
JULIA - Ah, mas então tudo indica que vai para os agnados.
LIVIA - E o Tício tinha irmãos?
JULIA - Não, pior que não. Só irmãs, e elas tiveram filhas e não filhos. Quando encontrarem os herdeiros, os Herdeiros poderão partilhar os bens da sucessão indivisa, se assim o desejarem. Para este fim o pretor poderá indicar três árbitros. Assim diz a lei sexta da tábua quinta.
LIVIA - Eu quero ver esses árbitros conseguirem apartar as brigas. hahaha! Mas me conta: o Semprônio tinha família?
JULIA - Ai, não sabemos. Do semprônio não sabemos nada da família dele. E o pior é que o malandro, filho de Mercúrio, tinha várias dívidas no comércio. Nem te conto. Chegam a valer mais que os bens do meu Tício. Como é que pode?
LIVIA - Guria, eu lembro que a tábua quinta, lei quinta, diz que as dívidas ativas e passivas sejam divididas entre os herdeiros segundo o quinhão de cada um. Tu sabia dessa?
JULIA - Capaz? Então quem herdará os bens do Tício vai herdar as dívidas do Semprônio também!
LIVIA - haha É isso mesmo! Pensando bem, nesse caso vale lembrar a tábua quinta lei terceira. Se não existem agnados, que a herança seja entregue aos gentis.
JULIA - E que os gentis façam bom proveito dessas dívidas! Hahaha!
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TÁBUA SEXTA
Do direito de propriedade e da posse
CORNELIA- Salve, Rupílio. Você é aprendiz de rationatore, não é?
RUPÍLIO - Salve, senhora dona Cornelia. Sou sim. Em que posso ajudar?
CORNELIA- Quero saber posses minhas e do meu esposo Cornelio. Com os negócios dele, ele não me explica direito.
RUPÍLIO - Às ordens, senhora dona Cornelia.
CORNELIA- Mês passado, o Cornelio empenhou um boi e vendeu uma vaca das nossas. Isso ta valendo?
RUPÍLIO - Olha, senhora dona Cornelia, diz a lei primeira da tábua sexta que:
1. Se alguém empenhar a sua coisa ou vender em presença de testemunhas, o que prometeu terá força de lei.
CORNELIA- Mercúrio nos salve! E se o Cornelio não puder cumprir?
RUPÍLIO - Aí diz a lei segunda da tábua sexta que:
2. Se não cumprir o que prometeu, que seja condenado em dobro.
CORNELIA-Aiaiai. Já to vendo essa condenação. E aquele escravo Estico que o Cornelio recebeu de herança do pater dele? Tinha uma condição de o Estico pagar um valor para se libertar, mas o Cornelio vendeu o Estico para o vizinho Fúrio.
RUPÍLIO - Nesse caso, senhora dona Cornelia, diz a lei terceira da tábua sexta que:
3. O escravo a quem for concedida a liberdade por testamento, sob a condição de pagar uma certa quantia, e que for vendido em seguida, tornar-se-á livre, se pagar a mesma quantia ao comprador.
CORNELIA- Ah, então se o Estico pagar o valor para vizinho, ele fica livre?
RUPÍLIO - Exatamente, senhora dona Cornelia.
CORNELIA- Esse escravo Estico o Cornelio já entregou, mas o vizinho Fúrio ainda não pagou.
RUPÍLIO - Ah, então ainda não é propriedade do vizinho. Diz a lei quarta da tábua sexta que:
4. A coisa vendida, embora entregue, só será adquirida pelo comprador depois de pago o preço.
CORNELIA- E as terras e a carroça? Já faz uns dois ou três anos que o Fúrio ta ocupando um terreno que era nosso. E a nossa carroça o Fúrio também tem usado já faz mais de ano. Como é que ficam?
RUPÍLIO - Ah, então temos más notícias. Diz a lei quinta da tábua sexta que:
5. As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano.
CORNELIA- Usucapião? Como assim, como se fosse um casamento sem a convenção de manus?
RUPÍLIO - Ahn... sim, senhora dona Cornelia. É um tanto parecido. Diz a lei sexta da tábua sexta que:
6. A mulher que residir durante um ano em casa de um homem, como se fora sua esposa, será adquirida por esse homem e cairá sob o seu poder, salvo se se ausentar da casa por três noites.
CORNELIA- Mas tem esse caso de exceção de três noites para as terras e a carroça? Não, né? Ainda que eu acho que o Fúrio usou todinhos os dias. Aff.
RUPÍLIO - Nesse caso tem outras diferenças, imagino que a senhora dona Cornelia conheça. Diz a lei nona da tábua sexta que:
9. Se alguém quer repudiar a sua mulher, que apresente as razões desse repúdio.
CORNELIA- Sei, sei, sei. Mas não é o caso. Vamos tratar das coisas que o Cornelio pode buscar do vizinho Fúrio. Cornelio tem muitas dívidas, e tem que pagar todas para não sofrer certas penas repugnantes.
RUPÍLIO - Tem outras coisas dos senhores que o vizinho Fúrio vem utilizando, senhora dona Cornelia? Diz a lei sétima da tábua sexta:
7.a Se uma coisa for litigiosa, que o pretor a entregue provisoriamente àquele que detiver a posse;
CORNELIA- Coisas, não, mas pessoas: tem o escravo Tracio, que o Fúrio diz que é dele, mas não é, é nosso, o Cornelio comprou.
RUPÍLIO - O caso do escravo é diferente do caso das coisas, senhora dona Cornelia. Diz também a lei sétima da tábua sexta que:
7.B mas se se tratar da liberdade de um homem que está em escravidão, que o pretor lhe conceda a liberdade provisória.
CORNELIA- Então as coisas nossas que o vizinho Fúrio está usando há menos de ano... nós podemos buscar agora mesmo? Pensei nas madeiras.
RUPÍLIO - Aí depende, senhora dona Cornelia. Diz a lei oitava da tábua sexta:
8.a Que a madeira utilizada para a construção de uma casa, ou para amparar a videira, não seja retirada só porque o proprietário reivindicar; mas aquele que utilizou a madeira que não lhe pertencia seja condenado a pagar o dobro do valor;
CORNELIA- Safado! Ele usou madeiras nossas no vinhedo e na casa, então não vamos poder buscar. Mas vamos acionar ele para pagar esse dobro, ah, se vamos!
RUPÍLIO - Muito bem, senhora dona Cornelia! E também diz a lei oitava da tábua sexta:
8.b e se a madeira for destacada da construção ou do vinhedo, que seja permitido ao proprietário reivindicá-la.
CORNELIA- Excelente. Ele também usou nossas madeiras fora da casa e do vinhedo. Essas nós vamos buscar, e já! Nem que seja a última coisa que resta.
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TÁBUA SÉTIMA
Dos delitos
DECRIO - Senhor doutor excelência pretor Lucio!
LUCIO - Décrio, você deve responder agora a uma sabatina sobre Delitos, para alcançar o posto de pilus prior - o centurião mais graduado da coorte.
DECRIO - Entendido, senhor. Estudei com muitos detalhes a tábua sétima, a repressão penal dos principais ilícitos privados.
LUCIO - Muito bem, veremos então. Se um quadrúpede causar qualquer dano...
DECRIO - 1. Lei primeira da tábua sétima, senhor: Se um quadrúpede causar qualquer dano, que o seu proprietário indenize o valor desse dano, ou abandone o animal ao prejudicado!
LUCIO - Se alguém causar um dano premeditadamente...
DECRIO - 2. Lei segunda da tábua sétima, senhor: Se alguém causar um dano premeditadamente, que o repare!
LUCIO - Décrio, quem deverá ser sacrificado a Ceres?
DECRIO - 3. Lei terceira da tábua sétima, senhor: Aquele que fizer encantamentos contra a colheita de outrem, aquele que colher furtivamente à noite a colheita de outrem antes de amadurecer, aquele que cortar a colheita de outrem depois de madura, será sacrificado a Ceres! A agricultura é fundamental para nossa sociedade! A lei deve ser severíssima contra esse demônio. Ceres há de condenar o desgraçado que estragar a colheita de outro!
LUCIO - Calma, Décrio. Você está indo muito bem. Até não vou lhe exigir a lei quarta da tábua sétima.
DECRIO - Gratias, senhor.
LUCIO - Mas, nesse mesmo caso que causou tanta exaltação em você, se o autor do dano for impúbere...
DECRIO - 5. Lei quinta da tábua sétima, senhor: Que seja fustigado, a critério do senhor doutor excelência pretor, e indenize o prejuízo em dobro! Confio que o julgamento do senhor doutor excelência pretor será justo e severo como deve ser.
LUCIO - Aquele que fizer pastar o seu rebanho em terreno alheio...
DECRIO - 6. Lei sexta da tábua sétima, senhor: Seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo! Patife!
LUCIO - Aquele que intencionalmente incendiar uma casa, ou um monte de trigo perto de uma casa...
DECRIO - 7. Lei sétima da tábua sétima, senhor: Seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo! Louco!
LUCIO - Mas se assim agir por imprudência...
DECRIO - 8. Lei oitava da tábua sétima, senhor: Mas se assim agir por imprudência, que repare o dano, senhor.
LUCIO - E se não tiver recursos para isso, Décrio?
DECRIO - Se não tiver recursos para isso, senhor, que seja punido menos severamente do que se tivesse agido intencionalmente.
LUCIO - E no caso de dano leve, Décrio?
DECRIO - 9. Lei nona da tábua sétima, senhor: Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses! É um bom dinheiro, senhor.
LUCIO - E se alguém difamar outrem com palavras ou cânticos?
DECRIO - 10. Lei décima da tábua sétima, senhor: Se alguém difamar outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado! Para aprender a não falar mais do que deve!
LUCIO - Você está se saindo muito bem. Vejamos alguns casos que tem certas exceções? Se alguém ferir outra pessoa?
DECRIO - 11. Lei décima primeira da tábua sétima, senhor: Se alguém ferir outra pessoa, ora, senhor, que sofra a pena de Talião!... Ah, salvo se houver acordo entre a vítima e o agressor, senhor!
LUCIO - E se alguém arrancar ou quebrar um osso de outra pessoa?
DECRIO - 12. Lei décima segunda da tábua sétima, senhor: Aquele que arrancar ou quebrar um osso a outrem deverá ser condenado a uma multa. Se o ofendido for um homem livre, a multa será de 300 asses, senhor, e se o ofendido for um escravo, a multa será de apenas 150 asses, a metade, senhor!
LUCIO - E quanto aos tutores, Décrio? Se um tutor administrar com dolo?
DECRIO - 13. Lei décima terceira da tábua sétima, senhor: Se o tutor administrar com dolo, que seja destituído como suspeito e com infâmia! Prevalecido! Abusa do poder que tem sobre o tutelado! Tem que ser bem punido!
LUCIO - E se o tutor tiver causado algum prejuízo ao tutelado?
DECRIO - E se o tutor tiver causado algum prejuízo ao tutelado, que seja condenado a pagar o dobro ao fim da gestão! Bem feito!
LUCIO - Décrio, você está indo muito bem, mas não se exalte tanto. Algumas questões sobre o processo judicial... E se um patrono causar dano a seu cliente?
DECRIO - 14. Lei décima quarta da tábua sétima, senhor: Se um patrono causar dano a seu cliente, que seja declarado sacer, e seja morto como vítima devotada aos deuses! Outro abuso infame, detestável!
LUCIO - E se alguém participar de um ato como testemunha, ou desempenhar nesse ato as funções de libripende, e recusar dar o seu testemunho?
DECRIO - 15. Lei décima quinta da tábua sétima, senhor: que recaia sobre ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha! Para aprender a contribuir para a realização da justiça, senhor.
LUCIO - E se alguém proferir um falso testemunho?
DECRIO - 16. Lei décima sexta da tábua sétima, senhor: Se alguém proferir um falso testemunho, que seja precipitado da rocha Tarpéia! Nada menos do que merece o traidor.
LUCIO - E se alguém matar um homem livre e empregar feitiçaria e veneno?
DECRIO - 17. Lei décima sétima da tábua sétima, senhor: que seja sacrificado com uso de veneno! Para que prove da sua própria feitiçaria.
LUCIO - E agora a última pergunta, Décrio. Acalme-se. E se alguém matar o próprio pai ou a própria mãe?
DECRIO - 18. Lei décima oitava da tábua sétima, senhor: Se alguém matar o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio! E coloque-se no saco uma cobra, um cão, um galo, e um macaco, e se lance o maldito com saco e tudo no rio Tibre. É a poena cullei que merece o desgraçado que cometer parricídio ou matricídio. Não vale nada! Tem que morrer! E que a cobra o envenene! E que o cão o morda! E que o galo o bique! E que o macaco o espanque até morrer! E que morram todos afogados no rio Tibre, demônios!
LUCIO - Centurião! Vigil! Recolham o candidato Décrio! Ficou louco! Mantenham-no preso a ferros até que se recupere.
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TÁBUA OITAVA
Dos direitos prediais
SERENUS - Salve, senhora dona Julia!
JULIA - Salve, senhor brigadiano, digo, senhor vigil urbani Serenus. Fazendo a ronda?
SERENUS - Sim, senhora. Revisando os prédios da nossa urbe, se estão dentro das regras. E se os vizinhos estão cumprindo a lei, ou se têm demandas.
JULIA - São muitas regras, senhor vigil Serenus? Os vizinhos estão a se queixar quando são demandados uns pelos outros para cumprir tal ou qual lei.
SERENUS - São sim. A senhora sabia? Lei primeira da tábua oitava: 1 . A distância entre as construções vizinhas deverá ser de dois pés e meio.
JULIA - Ah, sim, muito justo. Precisa de espaço entre os prédios, não é mesmo?
SERENUS - Lei segunda da tábua oitava: 2. Que os sócios façam para si os regulamentos que entenderem, contanto que não prejudiquem o público.
JULIA - Ah, também é justo. Os confinantes se resolvem entre si e ninguém se intromete. E eles também não se intrometem no que é dos outros.
SERENUS - Lei terceira da tábua oitava: 3. A área de cinco pés deixada livre entre os campos limítrofes não poderá ser adquirida por usucapião.
JULIA - Ah, e precisava de uma lei para dizer isso, senhor vigil Serenus? É claro que a área deixada livre deve ficar livre.
SERENUS - Lei quarta da tábua oitava: 4. Se surgirem divergências entre possuidores de campos vizinhos, que o pretor nomeie três árbitros para estabelecer os limites respectivos.
JULIA - Ah, precisa de três árbitros para estabelecer limites? Não basta um só? Curioso isso, não? E tem mais regras sobre isso de limites?
SERENUS - Er... na verdade, a lei é um tanto incerta sobre limites, jardins, herdades, choupanas, sabe, senhora dona Julia?
JULIA - Mas sobre as árvores deve ter alguma regra sim. Por exemplo, se uma árvore se inclinar sobre o terreno do vizinho...
SERENUS - Ah, tem sim. Lei nona da tábua oitava: 9. Se uma árvore se inclinar sobre o terreno alheio, que os seus galhos sejam podados à altura de mais de 15 pés.
JULIA - Ah, eu sabia! Mas essa medida de 15 pés é um tanto inusitada, o senhor não acha? Mas e outro caso: se as frutas caem no terreno do vizinho?
SERENUS - Lei décima da tábua oitava: 10. Se caírem frutos sobre o terreno vizinho, o proprietário da árvore terá o direito de colher esses frutos.
JULIA - Epa, essa tem todo o jeito de que causará polêmica entre os cidadãos! E sobre a água da chuva de um vizinho para o outro?
SERENUS - Lei décima primeira da tábua oitava: 11. Se a água da chuva retida ou dirigida por trabalho humano causar prejuízo ao vizinho, que o pretor nomeie cinco árbitros, e que estes exijam do dono da obra garantias contra o dano iminente.
JULIA - Bah, precisa de cinco árbitros para resolver uma coisa simples assim? Que mandem consertar a obra, oras.
SERENUS - Ah, senhora dona Julia. Eu não faço as leis, não é mesmo? Para mim, algumas parecem estranhas, e outras, até desnecessárias, como disse a senhora.
JULIA - Senhor Serenus, diga uma lei que o senhor acha estranha.
SERENUS - Lei décima segunda da tábua oitava: 12. Que o caminho em reta tenha oito pés de largura e o em curva tenha dezesseis.
JULIA - Realmente, é meio estranha. E uma lei que o senhor mesmo acha desnecessária?
SERENUS - Lei décima terceira da tábua oitava: 13. Se aqueles que possuírem terrenos vizinhos a estradas não os cercarem, que seja permitido deixar pastar o rebanho à vontade nesses terrenos.
JULIA - Mas é claro. Se não tem cerca, é lógico que o rebanho vai pastar à vontade. Ou será que os nossos legisladores vão criar leis para o gado cumprir?
SERENUS - Ahahah, essa foi boa! Nesse caso, rezo a Jupiter que o gado cumpra as leis mais do que os cidadãos nossos vizinhos, senhora dona Julia!
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TÁBUA NONA
Do direito público
TERCIO - Salve, senhor pretor! Poderia me ajudar com umas leis?
LUCIO - Salve, Tercio, garoto estudioso. Claro que posso. Pergunte!
TERCIO - Senhor pretor, meu pai Tito me vendeu várias vezes para pagar dívidas, para não ser preso. Mas outra vez ele foi preso pelas dívidas e pagou.
LUCIO - Olha, Tercio, pela lei segunda da tábua nona, 2. Aqueles que forem presos por dívidas e as pagarem, gozarão dos mesmos direitos como se não tivessem sido presos.
TERCIO - Ah, então é isso. E é assim para todos os povos, ou só para nós, cidadãos?
LUCIO - Os povos que forem sempre fiéis e aqueles cuja defecção for apenas momentânea gozarão de igual direito.
TERCIO - Entendido. Mas não é uma lei só para determinadas pessoas, né?
LUCIO - Jamais! A lei primeira da tábua nona determina, 1. Que não se estabeleçam privilégios em lei. (Ou que não se façam leis contra indivíduos).
TERCIO - Claro, porque as leis devem ser para todos.
LUCIO - Exato. Inclusive, certas questões devem ser decidias pela jurisdição popular, sabes? A lei quarta da tábua nona determina, 4. Que os comícios por centúrias sejam os únicos a decidir sobre o estado de uma cidade (vida, liberdade, cidadania, família).
TERCIO - E, senhor pretor, se não for indiscreto perguntar, o que fazem os questores de homicídio? Não encontrei nos meus estudos.
LUCIO - Olha, tu terias que estudar por outras fontes, pois a lei quinta da tábua nona não está clara. Mas eles organizam a instrução preparatória em diversas audiências públicas, formulam a demanda da pena, e submetem ao povo reunido nessas centúrias.
TERCIO - Entendido. Falando sobre as penas, queria confirmar com o senhor pretor. Temos penas capitais para meras questões de processo judicial?
LUCIO - Temos sim. Pela lei terceira da tábua nona, 3. Se um juiz ou um arbitro indicado pelo magistrado receber dinheiro para julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto. Mas veja que não é apenas uma questão menor. É a própria legitimidade judicial que está em jogo. Não vejo como excessiva a pena capital nesse caso.
TERCIO - É comparável à traição à pátria.
LUCIO - Sim, veja que a lei sétima da tábua nona prevê: 7. Se alguém insuflar o inimigo contra a sua Pátria ou entregar um concidadão ao inimigo, que seja morto.
TERCIO - Entendido. E como se pode fazer para prevenir esse tipo de atitude?
LUCIO - É difícil, mas temos a lei sexta da tábua nona, que determina: 6. Se alguém promover em Roma assembléias noturnas, que seja morto.
TERCIO - Então não se pode fazer uma reunião noturna em Roma? Os patrícios costumam fazer seus banquetes, em que se falam de temas políticos também.
LUCIO - Ah, é diferente... Uma reunião de amigos é diferente de uma assembleia de subversivos.
TERCIO - Como se pode diferenciar uma da outra, senhor pretor?
LUCIO - Ora, nós conhecemos cada pessoa...
TERCIO - Mas a lei não pode estabelecer privilégios, nem se pode ter leis contra indivíduos!
LUCIO - Er... bem... Ahn, veja bem... Ora, Tercio, para de fazer perguntas e vai estudar!
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TÁBUA DÉClMA
Do direito sacro
JULIA - Salve, rapaz. Tu és o filho do senhor Tito e da minha amiga Marcia, não? O que estuda para advocatus?
TERCIO - Salve, senhora dona Julia. Sou o Tercio, sim, senhora. Meus sentimentos pelo seu esposo.
JULIA - Gratias. Tu podes me ajudar explicando todas as regras de funerais, para podermos fazer o do meu esposo?
TERCIO - Em tudo que eu puder, senhora dona Julia. Conheço bem a tábua décima e suas leis.
JULIA - Ah, graças aos deuses. Eu só conheço a lei quarta, que diz: 4. Fazei apenas o que é permitido.
TERCIO - Ah, sim, e tem tantas coisas que não são permitidas... A lei quinta diz que 5. Não deveis polir a madeira que vai servir à incineração.
JULIA - Até isso está na lei? Bah! Então me diga, por favor, onde podemos sepultar o meu esposo.
TERCIO - Olha, pela lei segunda da tábua décima, 2. Não é permitido sepultar nem incinerar um homem morto na cidade.
JULIA - Então não podemos sepultar no terreno de casa?
TERCIO - Tem que ser fora da cidade. Mas cuide a distância estabelecida na lei décima quinta da tábua décima. 15. Não é permitido, sem o consentimento do proprietário, levantar uma pira ou cavar novo sepulcro, a menos de sessenta pés de distância da casa.
JULIA - Queremos fazer um grande funeral, inesquecível.
TERCIO - Olha, senhora dona Julia, a lei terceira diz que: 3. Moderai as despesas com os funerais.
JULIA - Mas queríamos doze instrumentistas, isso acaba sendo custoso...
TERCIO - Não pode. A lei sexta manda: 6. Que o cadáver seja vestido com três roupas e o enterro se faça acompanhar de dez tocadores de instrumentos.
JULIA - Mas não poderemos nem contratar carpideiras?
TERCIO - De jeito nenhum! A lei sétima diz: 7. Que as mulheres não arranhem as faces nem soltem gritos imoderados.
JULIA - E os licores?
TERCIO - Também não. A lei décima diz: 10. Que não se lancem licores sobre a pia de incineração nem sobre as cinzas do morto.
JULIA - E os turíbulos?
TERCIO - Não. A lei décima primeira diz: 11. Que não se usem longas coroas nem turíbulos nos funerais.
JULIA - Nem coroas? Mas meu esposo foi campeão nos torneios com seus cavalos e escravos!
TERCIO - Bom, nesse caso até pode. A lei décima segunda diz: 12. Que aquele que mereceu uma coroa pelo próprio esforço ou a quem seus escravos ou seus cavalos fizeram sobressair nos jogos, traga a coroa como prova do seu valor, assim com os seus parentes, enquanto o cadáver está em casa e durante o cortejo.
JULIA - E todo o ouro dele? E os dentes de ouro que ele tinha?
TERCIO - A senhora fala em enterrar o ouro? A lei décima quarta diz que: 14. Não é permitido enterrar ouro com o cadáver; mas se seus dentes são presos com ouro, pode-se enterrar ou incinerar com esse ouro.
JULIA - Ah, pelo menos não mexeremos nos dentes! Esse ouro ficará no túmulo para sempre, não é mesmo?
TERCIO - Sim, e o túmulo também. A lei décima sexta diz: 16. Que o vestíbulo de um túmulo jamais possa ser adquirido por usucapião, assim como o próprio túmulo.
JULIA - Podemos fazer os funerais na casa da cidade e depois também na casa da província?
TERCIO - Com moderação, senhora dona Julia. A lei décima terceira diz que: 13. Não é permitido fazer muitas exéquias nem muitos leitos fúnebres para o mesmo morto.
JULIA - E como faremos com a pira?
TERCIO - Senhora dona Julia, cuidado. Seu esposo não morreu na guerra nem em país estrangeiro, não é mesmo? A lei oitava manda: 8. Não retireis da pira os restos dos ossos de um morto, para lhe dar segundos funerais, a menos que tenha morrido na guerra ou em país estrangeiro.
JULIA - Entendido. Mas pelo menos podemos embalsamar o corpo dele e beber em torno do cadáver, não é? A lei não nos tirou esse direito, Tercio?
TERCIO - Poderão sim. Somente para escravos é que a lei nona proíbe: 9. Que os corpos dos escravos não sejam embalsamados e que seja abolido dos seus funerais o uso da bebida em torno do cadáver.
JULIA - Ah, muito grata, Tercio. Faremos belos funerais para o meu esposo. Com moderação, sem grandes despesas, sem gritos, sem turíbulos, sem instrumentistas, sem ouro, sem licores... Pensando bem, os funerais assim talvez não fiquem tão belos.
TERCIO - Pelo menos ele terá as coroas dos torneios.
JULIA - Aff.
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TÁBUA DÉCIMA PRIMEIRA
TICIO - Claudia, meu amor, quero me casar contigo!
CLAUDIA - Tício, meu amor, eu também quero me casar contigo. Mas tu sabes que a lei não nos permite!
TICIO - Que lei é essa, que eu não to sabendo?
CLAUDIA - Lei segunda da tábua décima primeira. Como é que tu não sabes?
TICIO - Peraí, deixa eu ver aqui... 3. ... Da declaração pública de novas consecrações. Ué, aqui não diz nada!
CLAUDIA - Não, Tício, lei segunda, olha aqui: 2. Não é permitido o casamento entre patrícios e plebeus.
TICIO - É sério isso? Só porque tu és patrícia e eu sou plebeu? Deixa eu ler de novo isso aí.
CLAUDIA - Lê então.
TICIO - Ué, diz aqui, lei primeira da tábua décima primeira: 1. Que a última vontade do povo tenha força de lei.
CLAUDIA - Tício, lê direito. É a lei segunda.
TICIO - Eu sei, eu sei. Mas olha só... se a lei primeira diz que a última vontade do povo deve ter força de lei, então, minha amada, nós podemos mudar isso.
CLAUDIA - Podemos, meu amor? Como seria isso?
TICIO - Eu to pensando em falar com o Caio Canuleio, sabe? O tribuno da plebe. Quem sabe ele faz alguma coisa por nós?
CLAUDIA - Talvez quem sabe um... plebiscito!
TICIO - Oh, Claudia! Que boa ideia! Eu te amo!
CLAUDIA - Oh, Ticio! Que boa escolha! Eu te amo!
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TÁBUA DÉCIMA SEGUNDA
ANTONIA - Salve, seu brigadiano, digo, vigil urbani, senhor Serenus.
SERENUS - Salve, senhora dona Antonia.
ANTONIA - O que que eu faço, senhor Serenus? Nosso escravo Estico causou dano à cerca do vizinho Cornelius e ainda furtou uma enxada.
SERENUS - Isso é muito grave, senhora dona Antonia. A lei quarta da tábua décima segunda diz que: 4. Se um escravo cometer um furto, ou causar algum dano, sabendo-o patrono, que seja obrigado esse patrono a entregar o escravo, como indenização, ao prejudicado.
ANTONIA - Então vamos ter que entregar o Estico ao próprio Cornelius? Mas não temos como negociar isso aí? Sabe, esse mesmo Cornelius se adonou da nossa carroça e de duas vacas nossas, faz uns dias. Nós emprestamos faz um tempo, mas quando nós pedimos de volta, ele não nos devolveu!
SERENUS - Ah, dona Antonia. Tem que ver isso aí. A lei terceira da tábua décima segunda diz que: 3. Se alguém obtiver de má fé a posse provisória de uma coisa, que o pretor, para pôr fim ao litígio, nomeie três árbitros, que estes condenem o possuidor de má fé a restituir o dobro dos frutos.
ANTONIA - Quê? Tem que chamar três árbitros para decidir uma coisa simples dessa? Minha amiga Julia é que tem razão... Não bastava eles nos devolverem as vacas e a carroça? E ainda nos entregar todo o leite que elas deram nesse perído, oras.
SERENUS - Senhora dona Antonia, não sou eu quem faz as leis... E já tenho que ir andando, sabe?...
ANTONIA - Não, peraí, me ajuda. O Cornelius diz que fez consagrar a dita carroça. O senhor sabe como é que faz nesse caso?
SERENUS - Olha, não sei se entendi muito bem, mas a lei segunda da tábua décima segunda diz que: 2. Se alguém fizer consagrar uma coisa litigiosa, que pague o dobro do valor da coisa consagrada. E já vou indo...
ANTONIA - Ah, então o Cornelius tem que nos pagar duas carroças! E isso de fazer consagrar? Sei que ele já penhorou a bendita carroça. O que nós podemos fazer?
SERENUS - Olha, sobre penhor não sei, que a tábua décima segunda não é clara. E agora tenho que ir mesmo! Adeus e boa fortuna nas ações contra o vizinho senhor Cornelius!
12 jul. 2022