Resumo sobre a aula aberta - Global Access to Justice Project
O presente texto se baseia na apresentação sintetizada das principais ideias extraídas da aula aberta organizada pelo programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas, o qual pretende discutir um projeto global de mobilização em prol de estudos e de pesquisas que tenham em vista o efetivo acesso à justiça de maneira ampla e intercultural.
Link de acesso à aula: https://www.youtube.com/watch?v=WQAU8c357_E
Trata-se, pois, de um resumo com base nos principais assuntos abordados no âmbito desta temática, de modo a suscitar comparações com as primeiras ondas renovatórias de acesso à justiça, e discorrer de forma crítica e reflexiva sobre alguns dos diversos e essenciais pontos abordados pelo professor Diogo Esteves, que é mestre e doutorando em sociologia e direito pela Universidade Federal Fluminense, e é atualmente defensor público no estado do Rio de Janeiro, além de ser co-coordenador do projeto Global Access to Justice Project, que se encontra em andamento e em pleno desenvolvimento.
Preliminarmente, o professor contextualiza o projeto em ascensão, e para tanto, vale-se de uma crítica sobre a tese de que o Projeto Florença permaneceu no passado. É indispensável, no entanto, segundo atenta Diogo Esteves, compreender que as ondas renovatórias na verdade se consolidam como as raízes do Global Access. Seguindo em suas asserções históricas, o professor complementa que a partir da segunda metade do século XX houve uma vertiginosa expansão dos modelos assistencialistas, principalmente no que tange às democracias ocidentais diante do welfare-state pós-segunda guerra mundial.
Pode-se extrair da fala do professor que o marco epistemológico no estudo do acesso à justiça e aquilo que se pode conceber como o embrião do Projeto Florença, cuja acepção atualizada se vislumbra nos ideias do Global Access to Justice Project em seu objetivo de universalidade, foi a publicação do livro Towards equal justice, que reuniu grandes pensadores envolvidos, como Mauro Cappelletti, James Gordley e Earl S. Johnson, o que culminou em estudos comparativos e no crescente interesse sobre a pauta referente ao acesso à justiça de maneira irrestrita enquanto um ideal a ser perseguido por diversos teóricos. Chama-me a atenção o fato de que o projeto reuniu uma grande equipe multidisciplinar formada por juristas, sociólogos, conferindo ao movimento um tom mais heterogêneo e culturalmente enriquecido por ideias diferentes e demandas em contraste.
Não se sabe o motivo pelo qual o Brasil não participou do Projeto Florença, mas pode se invocar o argumento de que o país atravessava um período ditatorial. Por seu turno, no contexto do Global Access, foi difundido apenas o relatório-geral do projeto, que se encontra na fase final de seu desenvolvimento, e conforme o professor Diogo Esteves:
“O amplo processo de desenvolvimento ainda não foi devidamente estudado e compreendido, dificultando a busca por soluções promissoras que possam estimular discussões e contribuir para futuras reformas”.
Hoje a ascensão da assistência não se amolda somente a países com altos índices de desenvolvimento humano, mas também de muitas nações subdesenvolvidas e em subdesenvolvimento, e as matizes do acesso variam de acordo com o país, embora siga-se um padrão ditado pelas tendências globalizantes de uniformização.
Despertou a reflexão o fato de que o professor não apenas aponta para as problemáticas do acesso à justiça com suas disparidades ao redor do globo, como também embasa seus argumentos em dados estatísticos que ilustram na realidade concreta a calamidade que as desigualdades evidenciam no que toca ao acesso do jurisdicionado a um serviço essencial, e por vezes, insuficiente a depender de suas condições sociais e financeiras. A título de exemplo, o professor Diogo Esteves traz a informação de que se estima que mais da metade da população mundial se encontra hoje fora da efetiva proteção da lei, o que equivale a 3,8 bilhões de indivíduos.
Diante disso, é válido questionar o que fazer para reverter essa conjuntura. A resposta que o professor assinala, todavia, não é simples, mas é a partir dela que ele localiza o ponto de inserção do Global Access, que está munido de dois objetivos fundamentais. Sejam eles:
1. Estimular a adoção de políticas para o aprimoramento dos diversos sistemas de justiça e para atrair atenção dos governos e formuladores de políticas públicas para a importância do acesso à justiça enquanto caminho de consolidação da democracia, posto que perseguir o ideal democrático é uma ilusão em um cenário em que a justiça não se revela acessível a todos.
2. Gerar e compartilhar conhecimento de forma organizada e estruturada, visto que o norte de um objetivo almejado é a sua metodologia. Tal objetivo se traduz em alcançar alternativas promissoras para assegurar o acesso igualitário à justiça para todos, além de pesquisar e identificar soluções práticas para a problemática do acesso formando uma rede internacional de pesquisadores advindos de todas as partes do mundo em uma escala global sem precedentes através da colaboração de especialistas e de representantes das mais variadas culturas e nações.
Sob meu ponto de vista, o primeiro objetivo se vincula fortemente ao entendimento de acesso à justiça como um metaprincípio, já que é a partir dele que derivam os demais direitos. É somente tendo o acesso à pleitear direitos que se pode gerar uma expectativa de ter os demais garantidos, ainda que o professor faça o seguinte adendo: “o reconhecimento formal de direitos previstos no ordenamento jurídico não implica necessariamente sua efetivação prática”. O acesso à justiça, contudo, não deve se prestar a meramente proclamar direitos, mas sim assegurá-los indistintamente, o que se tornou bastante propício com as metas estipuladas pela Agenda 2030 da ONU, de modo que se conclui a importância de lutar pelo acesso à justiça ainda que a passos lentos.
Quanto ao segundo objetivo, que convive harmoniosamente com o primeiro, complementando-o, tem-se a noção de que os sistemas serão analisados por suas barreiras sociais, econômicas e psicológicas, e que o projeto conta com uma rede integrada de coordenadores regionais seguindo-se as particularidades jurídicas de cada país e agrupando-os aos demais conforme as suas similitudes.
Vencidas essas digressões, o professor Diogo Esteves aborda de forma mais procedimental o funcionamento específico do projeto e traz à tona informações relevantes para que se possa entender as dimensões do projeto em construção, explanando sobre os métodos, a cooperação entre os coordenadores gerais, regionais, temáticos e participantes, a elaboração de questionário de caráter objetivo-descritivo a ser aplicado em todos os países. Outrossim, identificou a barreira de idioma que acomete a América Latina, o que levou à tradução do questionário, além de sua serventia em observar soluções promissoras que vêm sendo adotadas em países e que poderiam ser remanejadas para suprir determinadas demandas de outros sistemas.
Os relatórios serão emitidos pelo coordenador regional e agrupados conforme a região, de modo que o material coletado pretende ser disposto e publicado em uma coletânea de cinco volumes. Neste ponto, o professor estabelece uma diferenciação em relação ao Projeto Florença e um ponto de avanço, ao aduzir que neste último, as disciplinas foram reunidas em um relatório geral, enquanto que o projeto em andamento propõe um relatório específico para cada onda, funcionando como uma releitura do Projeto Florença com maior especialização, tendo em vista a globalização, que enseja a revisitação de ideias outrora definidas.
O professor, após essa breve discussão procedimental, enfatiza a importância do elemento humano com suas práticas, tentativas, conquistas e fracassos, para além da coleta de dados numéricos e alarmantes, e resume a essência e a motivação de cada onda renovatória:
• Primeira onda: voltou-se aos custos para resolução de litígios no judiciário formal, prevendo serviços jurídicos assistenciais aos mais vulneráveis;
• Segunda onda: iniciativas contemporâneas para garantir a representação dos direitos difusos e coletivos;
• Terceira onda: iniciativas para aprimorar o procedimento das instituições que compõem o sistema de processamento de litígios, trata de métodos alternativos e mecanismos simplificados para evitar a sobrecarga do Judiciário;
• Quarta onda: proposta por Kim Economides, busca a ética nas profissões jurídicas;
• Quinta onda: internacionalização da proteção aos direitos humanos, transcende a nacionalidade do sistema jurídico;
• Sexta onda: tecnologias como meio, ganhou maior proeminência após a pandemia
• Sétima onda: novidade inaugurada pelo Global Access, surgiu com o movimento “Black Lives Matter” e tem como cerne o ciclo de desigualdades na esfera do sistema de formação acadêmica em direito, e a disparidade representativa entre os operadores do direito e os jurisdicionados.
A fim de discutir sobre algumas questões mais próximas do contexto brasileiro, o professor apresenta a pesquisa realizada no Brasil em 2021 que mapeou a situação das defensorias públicas em sua efetiva prestação de serviços à população declaradamente hipossuficiente. Para tanto, o professor Diogo salienta que tal pesquisa foi fomentada pelo Global Access e nasceu a partir da necessidade de se obter informações atualizadas.
Assim, coletou informações que remetem à distribuição regional dos defensores, à estrutura das defensorias, ao número de comarcas atendidas, à estrutura e ao perfil demográfico e as implicações de temas relativos às disparidades e ao sistema de cotas. Mediante os dados elencados e analisados, pôde-se proceder a um estudo bastante contundente e realista.
Concordo com o Prof. Diogo Esteves no sentido de que o embasamento em dados fornece um olhar bastante preciso sobre o contexto de que trata na videoaula, visto que tais informações tornam os fenômenos com suas respectivas problemáticas mais palpáveis. Nisto pode-se pensar na frase formulada pelo pensador Charles Caleb Colton: “A má informação é mais desesperadora que a não-informação”, o que remonta à importância não somente de dados que possam nortear os avanços no âmbito do Global Access, mas principalmente ao empenho em confirmar que os dados de que se tem conhecimento são de fato procedentes para que se reúnam forças em prol de um acesso à justiça cada vez mais amplo e efetivo em seu alcance e simultaneamente mais específico e resolutivo ao atender às suas demandas.
Por fim, o professor conclui sua exposição com um chamamento para a provocação do que se pode esperar futuramente quanto ao acesso à justiça e sua respectiva democratização. O mapeamento das diversas vertentes sobre o acesso levam a deduzir que a justiça para todos se configura como um desafio difícil de ser alcançado. Ou seja, o Global Access to Justice Project nunca estará completamente encerrado, porque sempre haverá novas pesquisas, alterações e incrementos com a condução de novos estudos.
Logo, a tendência do atual projeto é que ele possa reverberar nos tempos futuros, esperando-se mudanças e melhorias que se visualizem com base no conhecimento e na pesquisa sólida. Conclui-se que o autor considera-se um verdadeiro sonhador em prol do ideal de acesso à justiça em acepção totalizante, embora esteja completamente amparado em estudos e projetos que demonstram que se se alguém esteve disposto a estudar a justiça e suas dinâmicas de acesso, e em última instância, sonhar com a sua efetividade, isso pode significar que o futuro reserva grandes outros pensadores que possam aperfeiçoar ainda mais as concepções sobre o que deve ser acolhido em cada onda renovatória e nas próximas ondas que terão espaço em um verdadeiro mar de possibilidades sócio-jurídicas.
Mais informações sobre o Global Access to Justice: https://globalaccesstojustice.com/global-access-to-justice/?lang=pt-br
Disciplina: Teoria do Processo