Limbo Previdenciário
LIMBO PREVIDENCIÁRIO
Limbo previdenciário é um assunto corriqueiro nos escritórios de advocacia trabalhista e previdenciária. Vamos entender o que é esse limbo e as suas consequências no contrato de trabalho.
É dever do empregador realizar o pagamento dos salários de seus empregados, afastados por motivo de doença, pelos primeiros 15 dias, consoante estabelece o artigo 59, § 3º, da Lei nº 8.213/91. A partir do 16º dia e, enquanto durar a causa incapacitante para o labor, o empregado recebe o benefício previdenciário, ocorrendo a suspensão do contrato de emprego até a alta médica consoante o art. 476 da CLT e o art. 60 da Lei nº 8.213/1991.
Após a alta médica do INSS, o contrato de trabalho volta a produzir todos os seus efeitos legais, ficando o trabalhador à disposição do empregador, aguardando as ordens, com o respectivo cômputo do tempo de trabalho e direito aos salários e demais vantagens decorrentes do vínculo de emprego.
A seguir, a lição dos professores Christiano Fagundes e Léa Paiva sobre a caracterização e os efeitos do limbo previdenciário, in verbis:
“A jurisprudência do TST posiciona-se pela caracterização do descumprimento contratual, por parte do empregador, nos termos do artigo 483, “d”, da CLT, quando o empregado fica no “limbo previdenciário”, haja vista que, à luz do artigo 476, da CLT, o contrato de trabalho volta a produzir seus efeitos após o encerramento do benefício previdenciário. Assim, quando o empregado é declarado apto pela perícia do INSS, mas o médico do trabalho, indicado pelo empregador, discorda, deve a empresa pagar os salários desse período, sob pena de caracterizar o descumprimento das obrigações contratuais” (Christiano Fagundes e Léa Paiva, in Curso de Direito do Trabalho, 4ª ed., Autografia, Rio de Janeiro, pág. 429, 2023).
Ainda, no que tange ao limbo previdenciário, destacam os mestres Christiano Fagundes e Léa Paiva que:
"À luz do artigo 476 da CLT, com o término do benefício previdenciário, o contrato de trabalho volta a produzir todos os efeitos, mantendo-se o dever do empregado de prestar serviços e as obrigações do empregador de oferecer trabalho e de pagar salários.
Nessa vertente, se o empregado é considerado apto ao retorno ao trabalho pela Previdência Social, mas impedido de retornar ao labor por médico da empresa, deve o empregador pagar os salários durante esse interregno, numa interpretação sistemática, envolvendo os artigos 476, 2º, 4º, todos, da CLT, evitando-se que o obreiro fique na situação de "limbo jurídico previdenciário trabalhista”, tendo a sua dignidade violada. (...)
O cenário de limbo previdenciário viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88), o direito fundamental ao trabalho (arts. 1º, IV, e 170, caput, da CRFB/88), a responsabilidade social das empresas (arts. 3º, I, 170, da CRFB/88) e a própria função social do contrato (art. 421 do CC). Em síntese, quando o empregador submete o empregado à situação de inação, de ficar sem trabalho e sem salário, depois da alta previdenciária, caracteriza o abuso de direito, ou seja, ato ilícito, na forma do art. 187, do Código Civil brasileiro, exigindo a devida repreensão pelo judiciário" (Christiano Fagundes e Léa Paiva, in Curso de Direito do Trabalho, 4ª ed., Autografia, Rio de Janeiro, págs. 506 e 507).
Pelo fio do exposto, quando o órgão previdenciário considerar o empregado apto para o retorno ao trabalho, cabe ao empregador, caso entenda que o empregado não reúna condições para retornar às atividades antes exercidas, zelar pela sua readaptação em função compatível com seu atual estado de saúde.
Assim sendo, ao não permitir o retorno do empregado, deixando de pagar-lhe os salários a partir da alta médica dada pelo INSS, o empregador age de forma ilegal, o que caracteriza o limbo previdenciário trabalhista, dando ensejo à condenação deste ao pagamento dos salários do período em que obstado o retorno do empregado, bem como o pagamento de uma reparação por danos morais.
A seguir, julgados das Turmas do Tribunal Superior do Trabalho ratificando a tese acima:
Colenda 1ª Turma:
“RECURSO DE REVISTA. RETORNO DA EMPREGADA APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. EMPREGADA CONSIDERADA INAPTA PELA EMPREGADORA. PAGAMENTO DE SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. 1. O Tribunal de origem registrou que "Segundo decisões do INSS emitidas em 24/04/2010, 04/06/2010, 09/11/2010, 25/05/2012 restou reconhecida a existência de capacidade laboral", e que "Por outro lado, o serviço médico da reclamada sustentou a incapacidade da reclamante, consoante se observa do reportado no documento ID2648324". Destacou que "o contrato de trabalho é suspenso com a concessão do benefício previdenciário e retoma seus efeitos com a cessação do benefício, de modo que cessada a suspensão do contrato de trabalho por alta previdenciária, retomam sua eficácia as obrigações contratuais" e que "se a interrupção da prestação de serviços se dá por imposição do empregador que, diferentemente do Órgão Previdenciário, não considera o empregado apto ao trabalho, como no presente caso, é certo que os pagamentos dos salários devem ser mantidos, ante o afastamento por iniciativa do empregador e ausente a concessão de benefício previdenciário, tendo em vista que o trabalhador não pode ficar sem meios de sobrevivência por divergência de entendimentos entre o empregador e o Órgão Previdenciário em situação obscura que a doutrina e a jurisprudência atuais denominam de ' limbo previdenciário trabalhista' ". 2. Com a cessação do benefício previdenciário, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos, conforme art. 476, parte final, da CLT. Contudo, a reclamada não cuidou de viabilizar o retorno da empregada em atividade semelhante à que desempenhava ou, na linha do art. 89 da Lei 8.213/91, sua readaptação em função compatível com eventual limitação laboral. 3. Portanto, correta a decisão recorrida ao determinar o pagamento dos salários do período em que obstado o retorno da empregada, bem assim o pagamento de indenização pelos prejuízos morais decorrentes do ato ilícito praticado. 4. Para se chegar à conclusão diversa, necessário seria o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado a este Tribunal, em razão da natureza extraordinária do recurso de revista, consoante a Súmula 126/TST. 5. Precedentes. Recurso de revista integralmente não conhecido.” (TST-RR - 1002136-66.2013.5.02.0502, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 12/05/2017).
Colenda 2ª Turma:
“(...). PAGAMENTO DOS SALÁRIOS RELATIVOS AO "LIMBO JURÍDICO". RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. A Corte de origem registrou que a trabalhadora recebeu alta previdenciária, porém não retomou suas atividades, pois não foi considerada apta ao trabalho pela reclamada. Registra que "restaram comprovadas as alegações da reclamante de que compareceu à empresa após o término de seu benefício, sendo que, por ter sido considerada inapta, não foi reintegrada e permaneceu sem perceber sua remuneração desde 07/01/2016 (quando o INSS comunicou a revogação do benefício) até 15/08/2016, data do ajuizamento da presente demanda.". A partir deste dado fático, o TRT julgou procedente o pedido de rescisão indireta, condenando a reclamada no pagamento dos salários vencidos (janeiro/2016 a agosto/2016) e consectários, ao entendimento de que foi demonstrado que a reclamante compareceu à reclamada após o término de seu benefício, tendo sido informada não seria reintegrada. A decisão proferida pelo TRT está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em casos análogos. Com efeito, esta Corte Superior tem entendido que em situações de "limbo previdenciário" - como a retratada nos autos - deve ser garantido o pagamento da remuneração integral do empregado. Isso porque, conforme se infere do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho volta a gerar seus efeitos após o encerramento do benefício previdenciário, sendo irrelevante o fato de a moléstia do empregado não possuir origem ocupacional. Ora, se a empresa deixou de cumprir com suas obrigações contratuais, correta a decisão que declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho. Dentro desse contexto, a admissibilidade do recurso de revista esbarra no óbice do artigo 896, § 7º, da CLT c/c a Súmula 333/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST-AIRR - 1187-07.2016.5.19.0009, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, DEJT 13/04/2018).