Padrões decisórios
A uniformização das decisões é um fator elementar para a estabilidade e para a previsibilidade dos julgamentos, o que confere aos jurisdicionados maior igualdade e segurança jurídica. O tema tem se mostrado uma alternativa relevante à cacofonia judiciária das divergências entre os magistrados. Sendo o direito uma ciência não exata, certamente não podemos falar em fórmulas perfeitas para um julgamento preciso, haverá divergências entre aqueles que decidem. No entanto, a problemática não incide nas diferentes perspectivas dos julgadores brasileiros propriamente, mas sim no modo como tais escolhas afetam negativamente os cidadãos, sobre os quais não recai certeza alguma em face dos rumos de um processo no qual se encontram em posição de litigância.
É conveniente a conceituação de liberdade decisória enquanto a garantia de que o julgamento não estará condicionado por forças externas ou à pressões de terceiro sobre determinada decisão de um juiz. Embora frequentemente confundida com arbitrariedade, o conceito de ser livre para decidir não diz respeito a decidir conforme o que se pensa. O Direito é inegavelmente uma ciência interpretativa, isto é, cada qual ressignifica o que está disposto nas leis, mas se faz necessária uma mínima padronização que proporcione ordem em meio a tantos julgamentos semelhantes.
Um caso concreto que ilustra a situação em debate é o seguinte: pensemos no cliente de um advogado que expõe os fatos e as características de seu caso na reunião inicial entre ambos. Ao fim, o indivíduo questiona:
- Dr, quais são as minhas chances?
E o bom advogado, já conhecedor das varas de sua região e com um mapeamento geral do tribunal de seu estado, lhe afirma:
- Se o processo cair na segunda, na quinta ou na oitava, você ganha. Caso caia na primeira, na terceira ou na sexta, você perde. Já se cair na sétima, eu não sei, porque um juiz novo assumiu o cargo e ainda não conheço a forma como ele julga.
Como se explica isso ao jurisdicionado? Como explicar que caso o advogado sucumba e recorra, as turmas competentes de segundo grau julgam de formas tão distintas, como ter uma justificativa para processos que são redistribuídos por sorteio? E ainda por cima, é incompreensível respostas destoantes para casos iguais seja um fenômeno habitual no sistema de justiça.
Padrões decisórios não são sinônimos de precedentes, embora os precedentes sejam fontes para a padronização das decisões por meio dos casos análogos. A caracterização dos padrões em questão é mais ampla e abrange inclusive decisões posteriores que venham a modificar uma decisão anterior sem prejuízo à coisa julgada, seriam estes os chamados “poscedentes”, visto que situam-se em temporalidade posterior à decisão primeira. Ainda neste contexto, pode-se pensar no critério da prevenção no juízo de admissibilidade recursal, que faz referência ao fato de o juiz ser prevento ou não para julgar determinada causa, tendo em vista seu contato anterior com o processo originário.
Nesse ínterim, é apropriado fazer um adendo para se pensar o conceito da palavra súmula, que indica o diminutivo de “suma” ou “síntese”. É comum depararmo-nos com as diversas súmulas dos tribunais superiores e concebê-las como uma quantidade imensurável. Se visualizarmos, contudo, que as súmulas são expressões resumidas extraídas das inumeráveis decisões já proferidas, perceberemos que elas condensam em si de forma muito mais sucinta os julgamentos. Súmula, portanto, não se configura como precedente, posto que não se classifica como uma decisão anterior, mas sim como uma abreviatura dessas infindáveis deliberações.
A tradição jurídica brasileira está pautada no civil law, ou seja, no Brasil, as leis predominam em detrimento dos costumes. Essa lógica se inverte quando discutimos o sistema americano e o inglês, por exemplo, cuja fonte suprema do direito se encontra nos costumes, compostos principalmente por decisões antigas que se assemelham ao caso concreto. Por vezes é comum ouvirmos em matéria de precedentes no direito brasileiro, que o Brasil se encaminha para o common law, tendo os costumes recebido proeminência nos últimos anos, com o maior ativismo das cortes superiores e com as atribuições da jurisprudência no manuseio jurídico. Este modo de pensar, entretanto, não é embasado na realidade dos fatos, e é simples entender o quão diferente são os dois modelos.
Primeiramente, no common law, o julgamento dos casos sempre retorna a um caso anterior, que por sua vez, retornou a outro caso anterior e assim ocorre sucessivamente até o ponto em que podemos nos indagar sobre onde está escrito que se deve apreciar os casos anteriores, e a resposta de um jurista inserido neste raciocínio é breve: sempre nos casos anteriores. Já no common law, modelo adotado pelo Brasil, ao nos perguntarmos sobre o motivo de olharmos para os precedentes, obteremos como explicação que os costumes estão dispostos em lei como fontes do direito, o que ilustra a superioridade legal em face das normas costumeiras.
Por conseguinte, retornar às decisões já pronunciadas e buscar semelhanças entre sentenças anteriores em casos correspondentes é uma solução que confirma a metodologia dos padrões decisórios, mas cabe lembrar que ao falarmos de padronização das decisões, o tema se estende para além daquilo que convencionamos chamar de precedentes. Ademais, a uniformização das decisões está em pauta como protetora do direito fundamental à igualdade, com a conformidade de julgados que garantam coerência entre os destinos dos processos. Uniformizar decisões é, sobretudo, reiterar o espírito republicano tendo em vista o direito a um contraditório devidamente fundamentado e a salvaguarda da confiança na justiça.