FALSAS MEMÓRIAS REGISTRADAS PELA VÍTIMA NO JULGAMENTO

É justamente por essa razão que a memória pode ser falsificada pela própria pessoa e nem sempre de via externa. Outrossim, as imagens não ficam registradas na memória como se fossem microfilmagens que podem ser acessadas a qualquer momento e com total integralidade da lembrança. Essa característica é inerente à pessoa, já que a memória humana não se compara a de um computador e por isso, as pessoas não recordam de todos os eventos vividos com precisão, esquecendo a maioria dos detalhes e relembrando a parte mais sucinta dos acontecimentos. Assim, há que se pensar que experiências passadas são expressas através de lembranças e não podem ser testemunhadas, observadas, reconstruídas realmente. As lembranças são sempre fontes suspeitas, uma vez que com o passar do tempo, o fato vivenciado vai se flagelando, e a pessoa vai esquecendo partes daquilo, não conseguindo mais recordar com precisão do que acontece.

Passa-se a pensar a memória como uma colcha de retalhos constituída por traços de informações armazenados no sistema nervoso central e recuperados para a reconstrução das lembranças, nem sempre constituindo um quadro fiel ao que foi vivenciado no passado. Para a psicanálise, há no funcionamento psicológico das pessoas, ainda que elas não se encontrem sob pressão interna ou externa, mecanismos falsificadores das memórias, e se as experiências, vivências do sujeito, suas perspectivas, seus pontos de vista são havidos como verdade, ele não necessita de provas para acreditar nisso.

A memória não funciona como uma filmadora, que grava a imagem e essa pode ser vista e revista diversas vezes. Muitas são as interferências que podem ocorrer entre as fases da aquisição e recuperação da memória de um evento. As falas memórias podem resultar de sugestão externa, acidental ou deliberada, como no caso dos experimentos, com a introdução de informação falsa, ou de origem interna, resultado de processos de distorções mnemônicas endógenas. Desta forma, constata-se que existem as falsas memórias que são produzidas pelo próprio agente, chamadas de falsas memórias espontâneas, e as falsas memórias advindas de fatores externos; chamadas de falsas memórias sugeridas.

As primeiras resultam de distorções internas, que ocorrem de forma espontânea, alterando a memória da pessoa sem que ela perceba, misturando lembranças recentes com antigas, sem que tenha havido uma influência externa, isto é, a pessoa, viu, ouviu, ou vivenciou determinado evento, entretanto sua lembrança é confusa e sofre interferência de outros fatos vividos, acabando muitas vezes, por misturar as situações. Há autossugestões quando o indivíduo recupera somente a memória da essência, ou seja, do significado do fato vivido.

Com base nisso, as Falsas Memórias Espontâneas ou auto sugeridas consistem no erro de lembrar algo que é coerente com a essência do que foi vivido, mas que, na verdade, não ocorreu. A distorção consciente conduz à mentira. As falsas memórias não são dominadas pelo agente e podem ocorrer até mesmo de uma interpretação errada de um acontecimento. Para Enrico Altavilla (apud DI GESU, 2014, p. 129) esse processo leva o nome de ruminação, segundo qual o fato ocorrido entra num organismo dinâmico - o cérebro, a memória - e não fica impresso de forma estática, congelando o evento por inteiro com detalhes e, por essa razão, experiências novas se confundem com as antigas, por alguma similaridade entre elas, desformando as vivências atuais com com as já passadas e vice-versa, muitas vezes tendo forte aliado: o esquecimento, fruto da natureza humana. Destarte, entende-se que as falsas memórias espontâneas ou auto sugeridas são distorções mnemônicas endógenas, ou seja, internas e inconscientes, pois do contrário será mentira, uma vez que a pessoa passa a alterar o relato propositalmente. Quanto às falsas memórias sugeridas, "elas advêm da sugestão de falsa informação externa ao sujeito, ocorrendo devido à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento ocorrido e a subsequente incorporação na memória original.

O clássico escrito pelo escritor russo, Fiódor Dostoiévsky, esclarece que Mikólka confessou o crime com medo de ser torturado pela polícia russa. Neste caso Mikólka mesmo sendo inocente seria condenado como verdadeiro culpado. No caso do casal Nardoni, sem nenhuma prova que os incriminassem, foram condenados no tribunal do júri, cumprindo uma pena sem prova. A cadeia de custódia foi quebrada, os princípios constitucionais foram ignorados, restando uma única pergunta. O casal Nardoni são culpados ou inocentes? A sociedade responde...

ERNESTO COUTINHO JÚNIOR
Enviado por ERNESTO COUTINHO JÚNIOR em 15/01/2024
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