A JUSTIÇA E SEUS ENÍGMAS
O que está no mundo não está nos autos: a construção da verdade jurídica nos processos criminais requer um aturado labor de estudos especializados, um adestrado tirocínio em saber diferenciar, a verdade do problema, com o problema da verdade. O Juiz serve, no fundo, para fazer a polícia funcionar. A justiça só é feita para registrar no nível oficial, no nível legal e ritual também. Esses controles são essencialmente controles de normatização, que são assegurados pela polícia. A Justiça está ao serviço da polícia, historicamente e, de fato, institucionalmente. (MICHEL FOUCAULT). A invasão da justiça pela polícia, a força de inércia que a instituição carcerária opõe a justiça, não é coisa nova, Nem efeito de uma esclerose, ou de um progressivo deslocamento do poder; é um traço de estrutura que marca os modos punitivos nas sociedades modernas. Podem falar os magistrados; a justiça penal com todo o seu aparelho de espetáculo é feita para atender à demanda cotidiana de um aparelho de controle meio mergulhado na sombra que visa engrenar uma sobre a outra polícia e delinquência. Os juízes são os empregados, que quase não se rebelam, desse mecanismo. Ajudam na medida de suas possibilidades a constituição da delinquência, ou seja, a diferenciação das ilegalidades, o controle, a colonização e a utilização de algumas delas pela ilegalidade da classe dominante. (FOUCAULT, 1987, P. 234) - O que torna possível que narrativas policiais sobre flagrantes do crime de Extorsão sejam recepcionadas como verdade pelos operadores do direito, sobretudo juízes? Qual verdade jurídica é construída quando a testemunha consiste no próprio policial (Delegado), fazendo a vez de advogado no suposto acordo trabalhista, ter efetuado o flagrante? Para responder essas questões, a variedade de fontes de dados exige vários métodos, tendo como ponto central a análise do fluxo do sistema da justiça criminal. Constatou-se que a verdade policial, descrita nos autos, resulta de um processo de seleção daquilo que os policiais do flagrante vão considerar adequando tornar oficial. Para descreverem essas prisões, os policiais dispõem de expressões, linguagens e categorias, utilizadas em suas narrativas. Esse vocabulário policial justifica a abordagem e a prisão, e passa a fazer parte do campo do direito, incorporado em manifestações e decisões judiciais. Mas o que torna isto possível? Inicialmente, parecia que a questão de "fé pública" era a justificativa central para a acolhida da verdade policial. Contudo, descobriu-se que um repertório de crenças oferece o suporte de veracidade às narrativas policiais: a crença na função policial, acredita-se no agente por representar uma instituição do estado; crença no saber policial, acredita-se que os agentes apresentam suas técnicas, habilidades e estratégias para efetuarem as prisões; crença na conduta do policial, acredita-se que policiais atuam de acordo com a legalidade; crença de que o acusado vai mentir, acredita-se que os acusados têm o direito de mentir para se defenderem; crença de que existe uma relação entre criminalidade e perfil socioeconômico; crença de que os juízes têm o papel de defender a sociedade e a prisão representa um meio de dar visibilidade a isto. A crença é apresentada por promotores e juízes como necessária para o próprio funcionamento do sistema de justiça. A crença dispensa o conhecer, não se questiona a forma como as informações foram produzidas e adquiridas pelos policiais. Práticas de violência, tortura ou ameaça não são averiguadas. Como não consideram verdadeiras as narrativas das pessoas presas, sobretudo aquelas acusadas, expressões como "violência policial", "extorsão", "flagrante forjado" não aparecem nas deliberações de promotores e juízes. A crença é central para o exercício do poder de prender e punir dos Juízes. A verdade policial é uma verdade que vale para o direito, possui uma utilidade necessária para o funcionamento do sistema, para que os juízes exerçam seu poder de punir, sendo o elemento central para a constituição da verdade jurídica. A emergência de revisar as leis na adjacência constitucional, e a proposta de sobreposição das emendas, pode fazer refletir sobre a precocidade ou inobservância dos fundamentos efetivos, substanciados através dos comportamentos e dados, vistos nos mecanismos sócio-políticos. Existe um esquadro sob promoção do ordenamento político, em comum, relatores dessa mesma esfera que pensam em elaborar emergencialmente, projetos e emendas para o contentamento do poder central a benefício do seu planejamento, coligar parâmetros legais, através da alteração dos códigos constitutivos; como se isso fosse o ativo para enfim, dinamizar o exercício da legalidade em atendimento ao vínculo com a própria sociedade.