Ambientalismo abolicionista
A professora e bióloga Paula Brügger adota uma perspectiva ambiental-abolicionista para a sustentabilidade e ética na Terra e me agregou em muitos conhecimentos relativos às problemáticas da ação humana no meio ambiente, por meio de relevantes informações trazidas e de necessárias reflexões propostas. A busca por um novo paradigma sustentável diz respeito a um ambientalismo não especista nem discriminador dos animais, visando à inclusão. Para tanto, a professora lançou um questionamento que consistia em: “através de quais lentes vemos o nosso entorno?” Nitidamente, em relação à construção de valores e ideologias humanas, nossa lente é mecanicista e instrumental, uma vez que a natureza é vista como objeto garantidor de recursos para uso humano, sendo assim fonte de matérias-primas com finalidade produtiva e lucrativa.
O problema dessa visão da natureza enquanto um depositório residual implica externalidades sem precedentes de objetificação, o que destitui a ecologia de seu valor intrínseco, conforme os preceitos do mundo ocidental. Ademais, a dicotomia entre a cultura e a natureza remonta a linguagem antropocêntrica e consequentemente o especismo, isto é, a
consideração da vida humana como superior a todas as outras, niveladas como inferiores e hierarquizadas, de modo a culminar em ecocídio e etnocídio. Contudo, vale ressaltar que esse se trata somente de um paradigma, vinculado à exposição da natureza ao nosso tradicional método de conhecimento.
O tema provoca bastante engajamento, posto que diz respeito à contemporaneidade do homem, mas possui reflexos que se estendem para além da atual geração. Desse modo, são nítidos o inconformismo e um chamamento à conscientização concreta diante da importância desse fenômeno e das preocupações a curto e a longo prazo trazidas consigo.
Portanto, o cerne da crise ambiental é retratado pelo contexto da sociedade somada à natureza. A solução que se visualiza para essa incompatibilidade é o desenvolvimento sustentável, conforme o discurso oficial, nas dimensões econômica, social, ambiental, política e ética. Contudo, essa proposição se traduz em um termo polissêmico, posto que em que consiste sustentar? E como diferenciar entre crescimento e desenvolvimento? A elucidativa fala da professora delineia o aspecto quantitativo e físico que se relacionam ao crescimento, e por outro lado, a descrição qualitativa de desenvolvimento, no intuito de consagrar a eficiência dos processos e um melhor conhecimento do propósito da técnica.
Concordo de forma veemente com a professora no que tange aos desafios inaugurados no antropoceno, visto que é substancial o seu impacto na forma de vida humana, como o aumento demográfico, os investimentos, a urbanização, a situação das águas dos rios e mares, a urbanização, o aumento do turismo e dos fluxos humanos, o impacto do uso de fertilizantes diante da massiva demanda alimentar, e o emprego do petróleo como combustível que repercute nas condições climáticas e na emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, a partir do que foi apresentado, pude concluir que se trata de uma relação em cadeia com efeitos que se situam para além do contexto do indivíduo.
Um ponto que atraiu minha atenção em razão da gravidade de sua urgência, se refere aos pontos de não retorno, como a extinção de espécies decorrente da domesticação e da desfaunação, que afetam os ciclos biogeoquímicos ao lado da pecuária atrelada ao desmatamento para o estabelecimento de pastagens. A destruição da biodiversidade anda ao
lado da extinção da biosfera senciente, ou seja, dos seres vivos não humanos e capazes de consciência. É interessante notar que a desfaunação é decorrente de processos artificiais introduzidos pela humanidade, como o tráfico, a caça, a perda de habitats e o declínio do desempenho natural de regeneração dos ambientes naturais.
A professora Paula nos apresentou de forma minuciosa os efeitos nocivos da pecuária por meio de uma visão holística da sustentabilidade, desde a trajetória dos produtos até suas mais prejudiciais consequências em uma realidade que já carece de outras alternativas. Nesse ínterim, dados trazidos contribuíram para a compreensão da conjuntura brasileira do
desmatamento, amplamente no Cerrado, que se configura como o segundo maior bioma da América do Sul e detentor de bacias hidrográficas. A principal motivação desse evento é de natureza econômica na produção do gado e da soja. Outrossim, o desequilíbrio ambiental impacta nos rios aéreos amazônicos e nos processos de evapotranspiração.
A temática referente à pecuária é aprofundada em seu artigo intitulado “O apocalipse da pecuária: uma síntese caleidoscópica dos riscos e possibilidades de mudança”, no qual a professora tece suas críticas à centralidade da pecuária no padrão de vida do brasileiro, de maneira cientificamente embasada em dados mencionados à luz de uma realidade que nos é
próxima. Assim sendo, o tema é desdobrado em uma cadeia de sucessões e de eventos que o desafio da pecuária suscita, nos âmbitos climático, social e econômico. O artigo é rico em informações numéricas precisas sobre a vida na Terra, posto que se trata do campo de estudo da autora, que é bastante precisa em sua argumentação, ao passo em que seu discurso levanta
importantes discussões do ponto de vista qualitativo. Em síntese, seu trabalho atravessa as dimensões ética e epistemológica, que culminam na necessidade de revisão do comportamento alimentar dos indivíduos, em uma nítida alusão ao veganismo enquanto instrumento de luta contra o especismo e contra a consequente destruição ambiental. Por fim, a professora conclui seu pensamento ao questionar a racionalidade instrumental e assinala duas saídas para o problema exposto: a via legal e a educacional, bem como o reconhecimento das espécies como titulares de direito de proteção à sua integridade física e psíquica, o que se constitui como direitos personalíssimos ampliados à tutela animal.
Do ponto de vista jurídico, a Constituição assegura em seu art.225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Essa disposição, no entanto, encontra percalços para sua efetivação, uma vez que no caso brasileiro, como mencionado pela professora, vivemos no império da carne, que se caracteriza como um macrofenômeno que se desdobra em outros, como o desmatamento em terras públicas não destinadas através da grilagem, o impacto no balanço hídrico e a discriminação contra outras espécies, consideradas moralmente irrelevantes, como já visto anteriormente pelo conceito de especismo, que se opõe à defesa da alteridade e da compreensão da condição do outro, ainda que o mesmo não seja biologicamente pertencente à mesma espécie.
Uma temática bastante frequente no estudo do Direito é a tentativa de entender o espectro das características que tornam um ser como titular de direitos e deveres, ampliando-o para o campo dos demais animais, em uma tendência de aprofundamento da corrente jurídica animalista. Isso dialoga com o exposto na palestra, que trouxe argumentos que solidificam a constatação de diferenças ao se pensar no igualitarismo formal que o discurso jurídico incorpora. Já se sabe que os animais são passíveis de sentimentos e configuram-se como seres sencientes, isso é, seres dotados de consciência, embora ainda não saibamos com exatidão a natureza que compõe seu pensamento.
Tentativas de subversão da brutal realidade em que os animais estão imersos se verificam no tratamento diferenciado dado a determinados seres vivos. Contudo, essa atitude se mostra insuficiente em sua globalidade e diante de uma instituição que reitera a superioridade humana. Subjetivamente aos animais, sabe-se que há circunstâncias igualmente degradantes aos seres humanos que podem causar sofrimento nos animais: o confinamento, a mutilação e a morte. Esses itens são essenciais para a definição da dor, seja ela humana ou animal. Nisso, ao se pensar a dor como motivo de urgência e de validade equivalente entre as vidas de todos os seres, é notável que qualquer intento discriminatório não é somente excludente, mas também perverso.
A partir disso, conduzo minha reflexão à necessidade de assinalar o valor intrínseco da vida, para que não haja dúvidas de que um ser vivo capaz de sentir dor é também capaz de sentir o seu oposto, além de demais sentimentos. Ademais, esse entendimento afasta os animais não-humanos de uma condição de meio para se atingir um fim, em um imperativo que retoma a referência kantiana: a produtividade em uma ordem que não define como finalidade última a garantia de sua proteção e de seus devidos direitos. Há uma insistência no ideal de custobenefício que impede a clareza da máxima de que a totalidade da crueldade corresponde desafortunadamente à totalidade da legalidade.
Foi a Declaração de Cambridge que inaugurou a apreciação cognitiva nas espécies animais, sendo o aspecto da consciência comprovado cientificamente. Entender o animal como indivíduo abrange uma dimensão ética que completaria a busca por uma plena sustentabilidade, somada à procura de redução dos habitats urbanos, caracterizados pela professora como
verdadeiros buracos negros que sugam a energia de outros ecossistemas, considerados menos proeminentes e dignos de menor cuidado pela imediatismo humano, que nem sempre pondera os riscos do descuido com um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsto pela Constituição Federal.
Outro artigo escrito pela professora compactua com a sua apresentação: “Animal agriculture and climate change: a qualitative holistic note”, posto que Paula Brügger lança a hipótese sobre a necessidade de um olhar diferenciado acerca do nexo existente entre a substituição de áreas verdes por campos de plantio e de criação pecuária e a mudança climática, sendo uma sucessão de eventos encadeados que devem ser analisados em conjunto. A autora chama a atenção novamente sobre o exacerbado consumo de carne como um padrão de comportamento que compromete o equilíbirio ecológico, configurando-se como um fator de instabilidade. Tal artigo despertou meu interesse em razão da propositura de saídas alternativas para o problema muito bem evidenciado e fundamentado, bem como o arsenal de informações de que a
professora dispõe acerca da realidade que nos é próxima ao trazer dados concisos sobre o Brasil e refletir sobre eles de forma crítica e autêntica. Disso decorre uma conclusão relevante a que pude chegar: é difícil mensurar empiricamente o impacto humano exercido sobre os recursos naturais que nos restam, já escassos. Para isso, a professora Paula é incisiva em demonstrar cientificamente e de modo preciso a destruição que o ser humano provoca na Terra.
Vale ressaltar, no entanto, que embora o núcleo de seus estudos gire em torno da temática voltada ao esclarecimento sobre os prejuízos gerados pelo pecuarismo enraizado em uma ordem econômica dominante que atravessa os valores reproduzidos culturalmente, outras questões de equiparável relevância são tratadas pela professora, de modo a possibilitar uma compreensão completa sobre o fenômeno da intervenção humana no meio ambiente. Essa discussão se enriquece com o raciocínio construído por ela, de forma a retratar a fluidez de um acontecimento que invariavelmente culminará em outro, repercutindo negativamente ao longo do tempo.
Encaminhando-me para o final de minha análise, pode-se apurar que o especismo e o instrumentalismo constituem dois problemas que devem ser saneados pela via ambientalista, tendo a educação e a legislação como caminhos de coerção, mas sobretudo de conscientização. Porém, tanto a educação formal quanto a informal se sustentam em uma base especista, que
envolve aspectos culturais da objetificação animal. Por mais que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não contemple mudanças na produção e no consumo de alimentos animais, uma solução tangível apresentada seria a rápida eliminação da pecuária por meio de políticas públicas que taxem externalidades e de uma legislação abolicionista que
confira o caráter de autores em ações aos animais.
Em síntese, a palestra e os artigos da professora Paula Brügger me transmitiram o senso de contestação diante das atrocidades humanas cometidas dia após dia, e agregaram muitos conhecimentos, despertando um olhar diferenciado às questões sustentáveis que dizem respeito à atual geração, mas principalmente às gerações futuras, que estarão reféns de nossas atitudes no momento presente. Muitos conceitos trazidos dialogam com a defesa dos direitos difusos, isto é, que transcendem a individualidade humana e ganham novos espaços e projeções conforme as demandas da sociedade.
Conforme o meu entendimento, a solução para a problemática não consiste meramente em eliminar de forma arbitrária as motivações que conduzem às mazelas ambientais, mas sim contar com uma força-tarefa conjunta e contínua de redução dos fatores que fomentam a supremacia do ser humano em relação à natureza, de modo que seja possível conciliar as suas
atividades econômicas e o seu modo de vida àquilo que o meio ambiente seguro prescreve, em uma tentativa de se afastar das perceptíveis diferenças e voltar o foco de análise aos benefícios que o movimento de convergência propicia rumo a uma organização harmônica entre os entes, em uma perspectiva holística, como reforçado pela professora em suas pesquisas.
Portanto, a conscientização mostra-se imprescindível para a concretização de pautas ambientais, aliada a um plano sólido de redução das desigualdades entre os indivíduos dotados de estrutura biopsicológica humana e os demais seres vivos que integram a vida no planeta, por meio da redução das mazelas advindas da massificação pecuarista e pelo endurecimento da
fiscalização e dos dispositivos legais que regulamentam esse assunto, tendo em vista uma verdadeira responsabilização, bem como o reconhecimento de que existem limites para a atuação humana que devem ser respeitados para a manutenção do equilíbrio sustentável. A base, entretanto, está situada na instrução e na qualidade dos valores culturais que sustentam e
que orientam a sociedade rumo ao seu pleno desenvolvimento, tendo como norte a isonomia e a construção da justiça social.
Disciplina: Teoria do Direito II