Análise do artigo: Direito, controle judicial e democracia - o debate entre as teorias democráticas de Jeremy Waldron e Ronald Dworkin
Inicialmente se estabelecem as diferenças entre as visões de discricionariedade entre H.L.A. Hart e Ronald Dworkin:
• Em relação à discricionariedade: Hart e Dworkin discordam acerca do sentido forte da discricionariedade, que trata do critério de ausência legal diante de padrões predeterminados, mencionado por Dworkin. Esse autor considera que Hart confunde os sentidos fraco e forte da discricionariedade, sendo que aquele diz respeito à atuação do juiz diante de uma lacuna.
• Em relação à completude da Lei: Hart possui uma teoria descritiva da lei, que preza pela segurança jurídica e julga irrelevante a justificação, acusando Dworkin de formalista ao passo em que Hart busca um entremeio entre o formalismo e o ceticismo. Ademais, Dworkin preocupa-se com a desconsideração de direitos preexistentes, enquanto tal preocupação não atinge Hart, que enfatiza a problemática das lacunas. Outro ponto de divergência é a separação entre direito e moral por parte de Hart e não aceita por Dworkin.
• Em relação à regra de reconhecimento: o exaurimento da regra social representa para Hart o exaurimento da lei e o início da discricionariedade em sentido forte do juiz, marcando a passagem de uma para outra fase em um sistema bifásico; enquanto, para Dworkin esse exaurimento representa uma falha na teoria da regra social. Outrossim, Dworkin critica a versão forte adotada por Hart, alegando que tal entendimento recai no problema de um espaço não regulamentado e abarca em sua teoria somente a moral convencional.
Outra diferença entre os autores está ligada aos princípios e regras, uma vez que Dworkin é defensor da ideia de que a regra de reconhecimento não é condizente com princípios, posto que esses não têm um caráter totalizante de tudo ou nada – disso advém a noção de “all or nothing”, enquanto as regras podem apresentar essa feição. Portanto, consoante Dworkin, a ideia de validade que acompanha a regra social de reconhecimento não é aplicável a princípios. Em síntese, Dworkin afasta a possibilidade de identificar os princípios como lei, a partir de critérios de validade postos pela regra social.
O estudo de Daniela Ikawa é enfático ao se aprofundar nas divergências conceituais nítidas entre Dworkin e Hart. Conforme a autora, a regra de reconhecimento de Hart está sustentada por sua distinção entre a moral e o direito e está imersa no sistema bifásico do autor. Hart lança suas críticas a Dworkin no que tange à regra de reconhecimento ao afirmar que essa regra apresenta, segundo Dworkin, critérios insuficientes para a identificação do que seria a lei, ocasionando a falsa visão de que essa apresentaria lacunas e, por conseguinte, a falsa visão de que o juiz teria, ao menos por vezes, discricionariedade em sentido forte. A regra social de reconhecimento de Hart não abrange somente fatos históricos, mas também princípios de justiça e valores morais substantivos. Para além disso, ela implica um alto grau de incertezas e
injustiças, apontando lacunas onde poderiam existir deveres legais que imporiam ao juiz uma determinada decisão, o que possibilita o exercício indevido de uma discricionariedade em sentido forte. Trata-se sobretudo, de uma regra a partir da qual outras regras se desdobram e um parâmetro para a validade dessas. Consoante Hart, as regras primárias constituem um imperativo de fazer ou se omitir, dado pela jurisdição. Enquanto que as regras secundárias versam sobre a possibilidade de criar, modificar ou extinguir regras anteriores, de modo a tornar as disposições jurídicas mais concretas e adaptadas à realidade social.
Ronald Dworkin propõe um modelo democrático constitucional baseado na leitura moral da Constituição. Isto é, a interpretação da lei está sujeita a um processo decisório que considera a moralidade, sendo um dispositivo regulado pela boa-fé dos intérpretes. Para isso, de acordo com Castro e Verbicaro, Dworkin estabelece duas restrições com base no contexto histórico daquilo que pode ser considerado moralmente aceitável na ordem social e com base no respeito
à integridade constitucional, que se sobrepõe às convicções individuais. Diante desse autor, Jeremy Waldron contrapõe-se no âmbito da discussão sobre o Judicial Review, visto que possui uma concepção distinta sobre democracia, ao verificar sua incompatibilidade com o reiterado ativismo judicial que retira do Parlamento as suas atribuições e as direcionam ao poder
judiciário, em um uma teoria caracterizada como majoritária que considera ilegítimo o judicial review, em contraste com Dworkin. No que tange à discricionariedade, Daniela Ikawa descreve a teoria construtivista de direito de Dworkin e lança luz aos critérios de interpretação aos quais o autor faz alusão em um pressuposto normativo de lei que se justifica moralmente, tendo como ponto de partida a discussão sobre as lacunas e as incompletudes do ordenamento. Para Sens,
o entendimento de direito como integridade é um fundamento que legitima e justifica a atividade judiciária. A pesquisadora também estabelece um importante enquadramento histórico de Dworkin, que criticou o positivismo, inserindo-se já em um contexto póspositivista que sustenta sua teoria de definição do que se constitui como direito e da interpretação que dela advém. Sendo então um teórico do pós-positivismo, Dworkin rechaça o paradigma de interpretação do direito como um produto cientificamente acabado e propõe que a definição de direito é um conceito interpretativo em que os textos por si só não possuem significado próprio ou desconexo da compreensão de seu intérprete. Para isso, o autor se vale da instauração de princípios mais amplos que regras e normas, recaindo na defesa da moralidade e da consideração de outros fatores outrora protelados. Em síntese, no direito como integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras se constam ou derivam de princípios de justiça, equidade e devido processo legal adjetivo, os quais oferecem a melhor interpretação
construtiva da prática jurídica de uma comunidade, em um senso de dinamicidade atravessado pela lógica do pensamento moderno.
Disciplina: Teoria do Direito II