Direitos da personalidade
O Código Civil reserva seu segundo capítulo sobre as pessoas naturais (art.11-21) para a tutela dos direitos da personalidade, que consistem em direitos intransmissíveis, irrenunciáveis, relativamente indisponíveis, imprescritíveis, impenhhoráveis, absolutos, vitalícios e extrapatrimoniais. Trata-se de direitos titularizados por todas as pessoas naturais, isto é, indivíduos dotados de estrutura biopsicológica humana e detentores de personalidade jurídica na ordem civil. O art. 11 do Código Civil é veemente ao afirmar a característica de intransmissibilidade e irrenunciabilidade, bem como a não limitação voluntária. Assim, conclui-se que são direitos oponíveis contra todos (erga omnes) para além de uma esfera meramente material. Ou seja, os direitos da personalidade podem ser de natureza intangível e protegem os direitos essenciais à dignidade humana, que se configura como o seu núcleo rígido.
Em caso de morte, os efeitos dos direitos da personalidade titularizados em vida persistem pela feição patrimonial da possibilidade de reparação ressarcitória e indenização que podem ser reivindicadas pelos lesados indiretos. Isto é, por seus familiares diante da ofensa e da honra violada. O art. 1635 do Código Civil disciplina que uma das modalidades de dissolução do poder familiar consiste na morte do filho. No entanto, remanesce a tutela do direito civil na proteção dos direitos após a morte. De forma mais incisiva, é o parágrafo único do art.12 que descreve o caso de morte em relação à legitimação para o requerimento de que cesse a ameaça ou a lesão aos direitos da personalidade, por parte do cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Desse modo, o direito do falecido pode ser reclamado em razão do direito familiar e do direito assegurado, que pode assumir feição econômica diante de um direito personalíssimo ferido.
A capacidade jurídica consiste na medida da personalidade jurídica que determinada pessoa titulariza. A capacidade desdobra-se em capacidade de direito/de gozo, que diz respeito a todos e está sustentada pelo art. 1° do Código Civil, que afirma que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, e em capacidade de exercício/de fato, que está vinculada à capacidade de exercer pessoalmente os atos da vida civil. As inovações trazidas pela lei que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) referem-se ao reconhecimento de categorias plenamente capazes de direitos, que anteriormente foram consideradas incapazes. O critério utilizado passou a ser o consentimento e a clara expressão da vontade, uma vez que anteriormente, os deficientes eram considerados absolutamente capazes, e agora passaram a ser plenamente capazes, exceto nos casos em que não podem exprimir sua vontade de maneira permanente ou transitória, o que configura a situação de incapacidade relativa. Nesse âmbito, a medida que pode ser adotada em cunho patrimonial é a ação de curatela ou interdição, posta pelo art. 1767 do Código Civil, que a destina para os pródigos, para os ébrios habituais e viciados em tóxicos, bem como para aqueles que não puderem exprimir sua vontade. Vale ressaltar que a curatela oferecerá apoio em atividades civis com relação econômica somente pelo tempo, evitando o abuso de poder sobre outrem.
Os aspectos positivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) relacionam-se à compreensão e ao reconhecimento das vulnerabilidades, de modo a concretizar sua proteção em Lei. Além disso, amplia os horizontes da consideração do estado de capacidade jurídica. No entanto, a lei que a instituiu também foi objeto de críticas ao excluir aspectos importantes da tutela humana ao tentar incluir os vulneráveis, antes considerados incapazes de todo o direito. Ou seja, propôs revisões legais e lançou um novo entendimento jurídico, ao passo em que reforçou as desigualdades na concretude ao idenificá-las, ainda que o seu objetivo tenha sido altruístico ao propor uma proteção de um grupo pouco favorecido.
Diante das considerações aqui expostas, cabe fazer uma alusão a um livro que complementa essa temática:
A obra "O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis" discorre acerca de uma nova perspectiva ao direito civil lido à luz da Constituição Federal de 1988, que instaurou os princípios da dignidade humana, da solidariedade social e da isonomia. Ou seja, trata-se do movimento de constitucionalização do direito civil, guiado por novos paradigmas, entre eles: socialidade, eticidade e operabilidade. O livro está centrado no reconhecimento das vulnerabilidades a partir do Código de 2002, que abriu espaço para necessárias revisões de tutela jurídica àqueles que foram historicamente marginalizados pelas legislações, e possibilitou a formação de importantes estatutos, como o do idoso, o do consumidor, o dos deficientes e o das crianças e adolescentes, sendo todos eles abordados sob um ponto de vista bastante fundamentado e otimista, com ênfase para os pontos benéficos à sociedade na inclusão desses grupos, bem como em sua adaptação diante de uma coletividade que mostrou-se discriminatória no decorrer do tempo. Ademais, a constitucionalização do direito civil pôs fim à dicotomia entre público e privado, o que permitiu uma visualização menos superficial do ordenamento no que tange aos vulneráveis, agora plenamente capazes de direitos na esfera civil. Outrossim, o Código Civil adquiriu caráter mais humano, pautado na dignidade reiterada constitucionalmente e na humanização dos procedimentos judiciais. Os estatutos fundados caracterizam uma legislação mais específica no tratamento de cada vulnerabilidade, reconhecendo a singularidade de cada ser humano, ainda que busque um agrupamento que padronize as disposições legais. Em síntese, o novo direito privado prevê o amplo reconhecimento da cidadania e a materialização de uma igualdade que transcende a isonomia formal. Desse modo, a obra em questão promove uma revalorização da existência humana ao demonstrar a contundência das rupturas inauguradas com a CF/1988 no âmbito do direito civil e de suas repercussões entre outras esferas do Direito.
Disciplina: Direito Civil I