Análise do artigo: Breves apontamentos sobre Estado Social e intervenção mediante políticas públicas - Krubniki e Zagursky
O Keynesianismo se aproveitou das instabilidades sociais e econômicas que se ascenderam com a crise de 1929, em um cenário de grandes indefinições em que se exigiu maior intervencionismo estatal na contenção das atribulações. Em sua obra, Keynes aponta críticas ao modelo capitalista e prevê o auxílio do Estado em investimentos públicos que elevem a
produtividade e garantam o emprego pleno, o que contraria o pensamento liberal pautado na lucratividade a qualquer custo. As ideias de Keynes estão intricadas no entendimento histórico da Grande Depressão de 1929 ao preverem uma posição mais ativa por parte do Estado, uma vez que o até então livre mercado apresentou problemáticas em um momento crítico na história econômica.
O Estado Social surge no século XX em resposta aos temores em um período de pós-guerra, marcado pela perda de recursos financeiros e pelas fragilidades ideológicas que passaram a frequentar a sociedade europeia. Nesse sentido, Krubniki e Zagurski definem o Welfare State como um reparador de direitos fundamentais, como a saúde, a educação e o trabalho digno, nos âmbitos político e econômico, buscando o apoio interventivo do Estado e a formulação de políticas públicas diante da crise de 1929, que foram acentuadas por alas progressistas de cunho social no meio político, em uma organização que contou com a participação sindical na defesa pelos valores de um Estado social prestes a se consolidar em uma ideologia de declínio liberal, sintetizada pelas ideias de Keynes.
Assim como anteriormente demonstrado no caso da quebra da bolsa de Nova York, o cenário da guerra-fria, o qual o mundo presenciou após o final da segunda guerra mundial, com o erguimento de duas potências que encontrariam desavenças em prol da hegemonia, exigiu que o Estado interviesse economicamente e ideologicamente nas nações do globo. Conforme os
autores, as políticas públicas advêm dos Estados Unidos, após a guerra fria, visando a assegurar na prática um direito que em tese deveria ser vigente. Assim, uma série de reconstruções, como o célebre Plano Marshall, contou com o sustentáculo do Estado para retornar à normalidade socioeconômica, por meio de investimentos estatais com a finalidade de recuperar a economia dos países devastados.
A Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) propõe um mecanismo de intervenção estatal que respeite o sistema econômico capitalista, uma vez que os países que compõem a América Latina enfrentem desigualdades em um processo de subdesenvolvimento que preza por medidas liberais, adotadas por tais países. Nesse ínterim, pode-se pensar o
desenvolvimento humano abarcando as particularidades da regionalidade em um critério no qual o próprio Brasil se insere.
A força normativa da Constituição de Konrad Hesse consiste não somente nas disposições das leis previstas no ordenamento, mas também na concretização daquilo que ela prenuncia em uma posição ativa. Ou seja, a norma se reveste de uma vontade de Constituição e tem como pretensão sua eficácia. Para o jurista, a Constituição está além de uma concepção positivista, posto que é também dotada de uma força política que influencia os atores sociais em sua luta no âmbito do Estado organizado em torno do poder, de forma prática, exemplar e incisiva.
Predominaram na Constituição de 1988 os direitos que delinearam um Estado Social enquanto objetivo conjunto das forças jurídico-políticas. Tais direitos foram denominados de direitos fundamentais, que contariam com a intervenção estatal desenvolvimentista para a sua garantia. Tratou-se de um projeto que buscou a justiça social na perspectiva de distribuição de renda aliada ao bem-estar. Na medida em que buscou conter os efeitos gerados pelo modelo liberal marcado por disparidades econômicas, verifica-se o reconhecimento dos prejuízos causados ao meio ambiente em detrimento das aspirações materialistas humanas. A preocupação com a sustentabilidade está expressa na forma de lei logo no art.225, que introduz a temática ambiental na Constituição, ao reafirmar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa disposição é indissociável do outro artigo mencionado, que considera imprescindível a proteção e a garantia dos direitos dos povos originários, cujo respeito à natureza recebe um olhar substancial em razão de ser considerada para muitos povos nativos do Brasil, um ente de direitos fundado na tradição da Pachamama.
Pode-se dizer que a Constituição de 1988 é redemocratizadora devido ao período politicamente conturbado durante a Ditadura Militar pela qual o Brasil atravessou. Com o seu término em 1985, vislumbrou-se a necessidade de elaborar uma nova Constituição que dispusesse acerca da igualdade e da liberdade, sendo esses os princípios norteadores de saltos importantes na história, bem como um ideal supremo do liberalismo. Ou seja, a Constituição foi confeccionada segundo um projeto liberal visando à concretização de um Estado social e posteriormente em sentido mais amplo, um Estado Democrático de Direito. Nesse período, o mundo passava por transformações drásticas que modificaram os sistemas jurídicos, sociais e culturais. Para além das fronteiras nacionais, é válido ressaltar que a queda do Muro de Berlim ocorreu um ano após a promulgação da Carta Magna de 1988. Tal ato representou uma redemocratização em âmbito internacional com a definição de que o modelo econômico predominante passaria a ser o vitorioso capitalismo.
As ideias de Amartya Sen, trazidas pelos autores, são relativas à concepção de que baixos níveis de renda podem ser resultantes da privação de capacidades individuais. Para ele, a temática financeira exige considerar outros quesitos, englobando outras variáveis para o sucesso individual, uma vez que a pobreza poderia ser designada como privação de capacidades, não somente como baixa renda em sentido econômico.
É inegável a característica liberal da Constituição de 1988 e suas respectivas críticas ao Estado social, ainda que de forma indireta e a partir do discurso de busca pela equidade e pela justiça social por meio de direitos prestacionais. A Constituição Federal tem como uma de suas bases, a liberdade e a previsão de uma estabilidade do sistema em detrimento de mudanças bruscas de paradigma. Como mencionado por Krubniki e Zagurski, a instalação do modelo econômico socialista não é necessariamente um dos objetivos, posto que a Carta Magna busca a consolidação de um mercado interno consistente pautado na iniciativa privada, o que guarda em si, fenômenos de cunho liberal. No entanto, essa conjuntura alia-se à intervenção estatal para a efetivação da distribuição de renda. Um dos expoentes da tradição liberal é John Rawls, que teoriza sobre a liberdade à luz do direito e elabora seus estudos a partir da análise do constitucionalismo.
Segundo Bucci, políticas públicas são mandamentos finalísticos que visam a concretizar, fomentar a realização de um direito e que não se instituem automaticamente, pois precisam de um movimento do Estado com a participação da sociedade. Alguns exemplos de políticas públicas desenvolvidas no Brasil e citadas pelos autores são: programa Bolsa Família, Bolsa
Escola, Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular, entre outros.
A judicialização das políticas públicas é configurada como a intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas governamentais, sendo que o controle de tais políticas deve seguir o que está prescrito na Constituição, que define a competência legítima do Poder Judiciário em fazer cumprir aquilo que a Constituição determina no âmbito recíproco do controle entre os poderes. O STF reconhece a possibilidade interventiva, que foi traçada na ADPF 45 acerca da circunstância de admissão da intervenção: quando a omissão ou a política já praticada não oferecer condições mínimas de existência humana; se o pedido de intervenção for razoável e, do ponto de vista administrativo, a omissão ou a política seja desarrazoada. Contudo, o papel do Judiciário é controlar as políticas públicas, não as formular. O termo judicialização da
política e politização da justiça são correspondentes entre si, uma vez que ambos indicam a expansão judiciária nas democracias contemporâneas.
A reserva do possível é um princípio guiado pela necessidade, distributividade dos recursos e eficácia dos serviços amparados financeiramente pelo Estado com a finalidade de garantia dos direitos sociais, que na falta da disponibilidade de recursos estatais, encontra limitações aos direitos sociais. O seu surgimento no Brasil na década de 1990, segue a linha de que a prestação de serviços básicos depende da variável econômica na conjuntura governamental, sendo possível dividir a reserva do possível em fática (ligada aos recursos) e jurídica (previsão orçamentária). Karl Betterman, na sociedade jurídica de Berlim, de 1964, proferiu o discurso de que há condições que devem ser observadas no âmbito da Constituição para a limitação dos imprescindíveis direitos fundamentais. Vale ressaltar, entretanto, que a reserva do possível diz respeito a uma alternativa para a contenção de despesas, não devendo ser aplicada aos casos em que não se faz necessária somente por questões de interesses políticos, como no caso da austeridade orçamentária. Assim, o estabelecimento de limites deve respeitar as determinações, como discutido por Betterman no caso alemão.
A conclusão dos autores para a temática da judicialização das políticas públicas se dá no entendimento da competência judicial para o controle de políticas públicas em um contexto de surgimento de um novo conceito de políticas, resumido na ideia de atos legislativos e administrativos necessários à satisfação espontânea dos direitos fundamentais sociais. Ademais, compreende-se a importância do Estado brasileiro na intervenção econômica para concretizar suas aspirações de prestação social. Assim, o equilíbrio entre iniciativas privadas e públicas conduz à conclusão do relevante papel do Poder Judiciário.
Os autores buscam referências histórico-filosóficas para explicar a dinâmica do poder diante da transição para um Estado social. Rousseau é um pensador mencionado para contrapor a ideia liberal de Montesquieu e de forma a privilegiar o poder advindo do povo. Isto é, a titularidade do poder seria conferida aos cidadãos, a partir dos quais a cidadania emanaria. Em relação a Hobbes, Rousseau apresenta a semelhança de ambos vangloriarem-se do poder, e discorre acerca da diferença em relação a esse, posto que Hobbes traz a concepção do Leviatã, enquanto o outro apresenta uma perspectiva popular.
Krubniki e Zagurski teorizam com base em um argumento de Marco Marrafon sobre a incompatibilidade entre preservação dos princípios liberais, capitalistas e democráticos em seu discurso, e por outro lado, as demandas pelas garantias sociais dos indivíduos que possibilitem uma vida digna aliada à inserção dos sujeitos no sistema, medidos pelo seu valor mercadológico. Ou seja, os autores não prezam por um dos elementos em detrimento do outro, nem os identifica como antagônicos, mas busca no núcleo de cada um, os benefícios que podem ser aplicados na ordem social.
Disciplina: Teoria do Direito II