Misoginia - uma análise sociológica
Ao se debruçar sobre a problemática da misoginia, advém a discussão do enraizamento histórico de condições que tornaram propícia a sua aparição na realidade brasileira, marcada por um paternalismo extremado que culmina no machismo e na desigualdade de gênero visualizada na sociedade, que inconscientemente reproduz tais fenômenos desde o âmbito contemporâneo até o alcance de cargos de autoridade e poder.
O conceito de misoginia não se restringe à exclusão da presença feminina em espaços que lhe são de direito. Não se trata de um distanciamento meramente velado das mulheres em relação às suas potencialidades, por vezes diminuídas ou até tolhidas pelo sexo oposto. Trata-se sobretudo de um ódio e de uma repugnância às mulheres que se evidencia na naturalização de preconceitos que submetem as mesmas a condições degradantes, sendo que o feminicídio massivo é caracterizado pela radicalização do fenômeno misógino, propagador de violências.
Vale ressaltar que o feminicídio consiste no assassinato de mulheres feitas vítimas exclusivamente pelo fato de serem mulheres e assumirem determinados papéis a elas delegados na ordem social. Para tanto, em face de tal cenário, disposições previstas na Lei Maria da Penha foram criadas com o intuito de proteção da mulher e o reconhecimento da garantia de seus direitos por parte do Estado, que já apresentou-se controverso no debate de gênero.
Refletindo sobre o assunto, é cabível mencionar que a misoginia enquanto termo que perpassa as esferas histórica, sociológica, econômica, entre outras, é definida por um prosseguimento frequente por parte da sociedade, que a reproduz de forma ampla e exaustiva. Contudo, a totalidade é composta por suas partes. Isto é, a macroproporção do fenômeno depende de sua repetição reiterada pelos indivíduos, representantes de um microcosmo social. Tal inferição se verifica concretamente ao se atribuir a descrição de misoginia à sociedade de modo generalista, mas a identificação do sujeito enquanto dotado de qualidades que o reputam machista é desafiada pela proximidade, pelo parentesco e por critérios morais. Assim, compreender a misoginia é uma tarefa que deve fugir de abstrações e obscurantismos que tornam duvidosa a sua evidente existência nas relações humanas. Ou seja, verifica-se a necessidade de olhar para as suas próprias convicções e repensá-las à luz de um questionamento privado e particular que reoriente o pensamento e a conduta.
Ao lado de outras mulheres inconformadas com sua situação, Judith Butler foi uma das pensadoras que não cedeu à sujeição feminina diante do patriarcado, sendo fortemente influenciada pela filosofia da linguagem de John L. Austin ao transpor uma ideia de intervenção no campo dos estudos de gênero em relação à desconstrução das opressões vivenciadas para além de um feminismo tradicionalista.
É a partir dos expoentes teóricos que se torna possível uma reflexão com maior grau de profundidade. Isto posto, se visualiza a carga valorativa que ilustra o quadro das iniquidades de gênero, uma vez que é preciso um esforçado movimento de distanciamento de si e da identidade que guarda consigo, para que haja uma avaliação imparcial da conivência ou não em relação aos atos machistas, em razão das atribuições históricas e bem delimitadas na cultura e na mentalidade dos brasileiros. Ou seja, só será possível contemplar a su a partir de um estranhamento de seu próprio ser.
O debate acerca da misoginia conquistou ao longo do tempo, o famigerado espaço universitário devido à urgência das discussões teóricas em face dos eventos recorrentes na comunidade, e do interesse de instrução por parte de mulheres que se identificam com o objeto de estudo de gênero em razão de experiências vividas ou conhecidas. Notoriamente, é inegável que a misoginia é o elemento reinante no meio acadêmico, visto que a ocupação desse espaço foi documentadamente delegada aos homens ao longo do tempo, em razão da noção privilegiada de educação formal e do errôneo julgamento da incapacidade intelectual feminina. Entende-se, entretanto, que no Brasil contemporâneo, o tema de gênero tem sua relevância acadêmica tanto em relação a obras e empreendimentos ainda desconhecidos que tiveram a contribuição de mulheres, quanto no que tange à importância de reparação histórica ao garantir a universalidade de acesso à educação igualitária entre homens e mulheres. À medida em que o Estado passou a reconhecer a participação feminina, as universidades no Brasil buscaram caminhar na mesma direção. No entanto, ainda se verifica a predominância da classe masculina nos cargos de gestão no ramo acadêmico e a perpetuação da misoginia em um ambiente que deveria ter a pretensão de combatê-la. De tal modo que o desrespeito, a desqualificação intelectual, a presença de constante abuso e assédio sexual, bem como interferências promovidas pela relativa autonomia de poder de forma a beneficiar os homens em detrimento das mulheres, seja na aquisição de bolsas de pesquisa, na disponibilidade de professores orientadores ou até na consideração do concurso vestibular, reitera as dificuldades encontradas por aquelas que se identificam com o sexo feminino nas universidades. Ademais, há desvantagens motivadas por cunho biológico que proporcionam maior número de evasão escolar por parte de mulheres, que em muitos casos precisam conciliar os estudos com a maternidade, a qual exige uma elevada disponibilidade de tempo quando comparada com as obrigações do pai. Assim, notam-se problemas desafiadores do ponto de vista direto no meio acadêmico, e igualmente percalços estruturais condicionantes e vinculados às realidades individuais das mulheres, posto que configura-se como uma classe múltipla e heterogênea.
Após essa digressão conceitual e minuciosa análise da misoginia no Brasil, pode-se afirmar a imbricada relação de correspondência entre misoginia e discriminação, posto que se refere a um fenômeno globalizante com desdobramentos inimagináveis que maculam a afirmação humana ao pressupor níveis de superioridade arbitrariamente construídos conforme a ideologia dominante.
Disciplina: Direito Penal I