O QUE É O DIREITO?
Pela etimologia da palavra, direito é “directum”, ou seja, o que está de acordo com a regra. Pode-se supor que, diante disso, nem toda regra está escrita, de modo que então há que concluir-se que o Direito possui parte de seus elementos não escritos. Regras sociais, por exemplo, tratam-se, na verdade de convenções sociais. O objetivo do presente texto não é, entretanto, formar uma dicotomia entre o naturalismo e o positivismo. Muito ao revés, o que se propõe é aliá-los – especialmente pela passagem do tempo - como elementos igualmente necessários no entendimento do que seja o Direito.
A teoria tridimensional do Direito, de Miguel Reale, sustenta-se, deve ser aperfeiçoada, de modo que ao trinômio fato-valor-norma se acrescente, antes do fato, e especialmente pelo seu caráter genérico, o elemento contexto histórico, a fim de que se torne uma teoria quadridimensional do Direito, isso é, contexto histórico-fato-valor-norma (Exemplifica-se recordando a Assembleia Constituinte convocada em 1985. Naquele ambiente surgiu a Constituição de 1988).
E diz-se mais, se o Direito não é ciência, obrigatoriamente necessita da sociologia do Direito para produzir acervo a fim de, a partir de um objeto, apresentar suas observações. Isso é, não se produz leis ou atos normativos a esmo, ou melhor, não se deveria assim fazê-lo.
Aqui então, faz-se cair por terra a tentativa de fazer do Direito mera técni-ca. Pois não é, e se o for, não deveria sê-lo. Uma técnica é uma prática que se mantém incólume no passar do tempo. Caso seja aperfeiçoada, surge ali outra técnica, diversa da anterior. Esse procedimentalismo ao qual insistem alguns não poucos em espremer o Direito não apenas o apequena, mas o dilacera ao longo do tempo.
O Direito, sustenta-se, é um produto da sociedade. Tem a sua parte na sistematização feita pelas casas legislativas, mas antes disso é tema eleito para debates, ganha, pois, destaque, audiência e antes de ser escrito é elemento que despertou interesse. Independentemente do jusnaturalismo, ganha interesse para pô-lo escrito, sistematizado.
E ainda após sistematizado, não se encerra. Vai então ao judiciário, poder do Estado constituído para que ele diga o Direito. Note-se que não será dita a lei ou o ato normativo, mas especialmente a relação (amistosa ou não) da lei ou ato normativo com o pretenso direito que se invoca titularidade (o binômio pretensão-resistência) é um clássico exemplo da relação não só das partes em lide, mas também do direito em sentido amplo, “erga omnes”, e aquele que se coloca como titular dele. Nesse contexto, por uma obviedade surgirá uma série de outros fatores (pré sistematização) que serão usados para conferir ou não ao postulante o que foi pedido em sua petição inicial.
Partir, pois, do direito posto é problemático. A história nos mostra que o mero legalismo legitimou atrocidades. Há, sustenta-se, que se ter uma abordagem do direito especialmente levando em conta o contexto histórico em que se produziu (a própria mutação constitucional é um exemplo, com manutenção do texto e mudança na norma dele extraído). Nesse sentido, texto e norma são dois institutos nem sempre congruentes.
Nota-se que o Direito, a se lamentar profundamente, tem se tornado um mero conjunto de elementos a ser meramente reproduzido. Reprodução de leis, de jurisprudências. Pois isso não é a causa de nascer do Direito, não é a causa de ser do Direito nem é a causa última do Direito. Assim fazê-lo é extinguir a necessidade de pensa-lo, debatê-lo e sobretudo pensá-lo, associando-o à pré sistematização.
O ambiente social fica revolto quando o Direito não mais se presta a uma de suas mais precípuas funções: Pacificação de conflitos. Pois ao usá-lo como mero tecnicismo reprodutor do já criado, o direito se esfumaça. O Direito deve, sobretudo, criar, e criar com uma organização sistemática. E só ganha relevância se interage com o pré constituído, o pré sistematizado. E essa se dirige a todos os poderes da República, Legislativo, Executivo e Judiciário (poder esse que, por ser o último, sobre ele recai maior responsabilidade).
É preciso pensar o Direito especialmente em suas fundações, no ambien-te social que o fez e sobre o qual o Direito tem de repousar, no contexto social em que foi gestado. Como técnica, esses fatores são alheios ao Direito, mas existem, por mais que haja resistência em reconhecê-los. Isso a lei e o ato normativo contém intrinsecamente, e não porque não escrito, não exista. O Direito se impregna com vários elementos transcendentes, que não se olvide dessa consideração.
Nessa toada, mister citar passagem do mestre dos mestres, Pontes de Mi-randa: “Nas portas das escolas de direito devia estar escrito: aqui não entrará quem não for sociólogo”. Isso é, a advertência feita era a de que o operador do Direito não deveria ser alheio ao corpo social. Pode parecer óbvio, mas estamos nesse ponto, dizer o óbvio: Se o Direito nasce da sociedade, o operador do Direito deve estar familiarizado, íntimo com a sociedade. Observador a olhos nus, não com binóculos. E, sustenta-se, a intimidade com a sociedade nasce a partir do conhecimento de sua própria história, de sua própria civilização. Pois, que é uma civilização, senão uma sociedade no transcorrer do tempo?
Decorar, reitera-se, não é criar. O Direito é a criação, não apenas de leis ou atos normativos, mas a criação de pensamentos, argumentos, que se fundem entre o concreto e o abstrato. Não deve haver litígio entre ambos, mas sim complementação, sem protagonismos. E ao tempo de hoje, não é apenas o Direito que anseia por essa constatação, mas a sociedade como um todo, como um todo corpo sedento de nutrientes, a sociedade necessita de um ordenamento para ver-se segura, mas que não se olvide que, assim como a sociedade é corpo em transformação, o Direito deve, ainda que um passo atrás, estar na mesma trilha. Trilha essa que aqueles que fazem sabem os passos que já foram dados, que sabem de onde vieram.