Positivismo jurídico: Hans Kelsen e Norberto Bobbio
O positivismo jurídico está relacionado à legislação de um país em determinado momento histórico, que despontou no sec. XIX enquanto fenômeno político vinculado à força. Pode-se atentar para dois sistemas: o Common Law e o direito estatutário. Dois de seus elementos básicos consistem no formalismo e no imperativismo, identificando a norma como um comando e compreendendo-a imersa em um ordenamento jurídico, não isolada. O positivismo passa a ver o direito como um fato ao invés de um valor, o que denota seu aspecto avalorativo e obrigatório, regido pelo elemento da coação. A fonte do direito se consolida como a norma constitucional, de nível superior e que lança as bases para a produção material e formal da norma. O positivismo prevê ainda uma obediência à lei absoluta, ainda que possa ser discutida publicamente. O raciocínio jurídico consiste em uma premissa maior (norma), premissa menor (fato concreto a ser analisado juridicamente) e em uma conclusão (decisão de um fato à luz da norma). Essa tradição jurídica advinda com a modernidade não se relaciona a princípios de ordem moral como justiça ou injustiça, o direito positivo se preocupa verdadeiramente com a validade da norma, que para tanto, deve ser produzida por autoridade competente no âmbito do Estado e integrar um ordenamento jurídico válido e preexistente. É importante estabelecer uma diferenciação básica entre ciência do direito enquanto ciência do ser (ontologia), vista como um juízo de fato e filosofia do direito (deontologia), que abrange o ramo da teoria do direito e engloba uma concepção humana em seus conceitos.
Hans Kelsen é o precursor do normativismo, entendendo a norma como o objeto de estudo do direito e fonte de validade comum de todas as normas, visto que para o autor, o direito regula a força a partir de normas no âmbito do Estado. Kelsen propõe uma sistematização e formalização do direito. Para isso, lança as bases de uma teoria pura do direito, de aspecto geral e que busca responder o que é e como é o direito com foco na realidade, evitando sincretismos metodológicos ao se desvencilhar de elementos estranhos à norma, que guia o estudo do direito por ele mesmo, ainda que reconheça a relação jurídica com outras ciências, e analisa subsidiariamente as condutas humanas na medida em que proporcionam consequências jurídicas. Há uma distinção entre ciência causal, que é frequente no direito natural, de caráter descritivo, apresentando efeitos certos para as causas, e a ciência normativa, que é orientada pelo princípio da imputação, ou seja, relacionada à retribuição e à responsabilização do sujeito diante de um ato cometido. É nessa categoria que o direito enquanto ciência social se insere. Kelsen tematiza sua teoria em um modelo de pirâmide escalonada cujo topo está reservado para a norma constitucional (Constituição), logo abaixo se econtram em ordem: leis, contratos e resoluções/atos executivos. A dinâmica da pirâmide conta com normas superiores e inferiores, de diferentes cargas normativas, sendo que as normas inferiores executam as superiores enquanto que as normas superiores produzem as inferiores. De acordo com Kelsen, o direito consiste na ordem normativa da conduta humana, entendendo-o como sinônimo de Estado em uma concepção monista. Vale ressaltar que não somos livres em razão de nossa indeterminabilidade, mas sim por conta da possibilidade de termos nossas condutas moldadas consoante as normas. Os fatos jurídicos se realizam no tempo e no espaço e possuem significação jurídica, sendo que a norma deve ser posta por autoridade competente no âmbito do Estado e possui um sentido objetivo de um ato de vontade, atribuindo significado jurídico a um ato, o que a define como um sistema de interpretação. Ela não se confunde, portanto, com uma proposição jurídica, que trata da descrição sobre a norma, que pode ser falsa ou verdadeira, diferentemente da norma, que somente pode ser válida ou inválida e eficaz ou ineficaz. Para que uma norma seja considerada vigente, é necessário que seja colocada por autoridade competente, integrada a um ordenamento válido e preexistente, bem como ser publicada no diário oficial para que não se alegue o desconhecimento sobre ela. Além disso, Kelsen afirma que é importante um mínimo de eficácia à norma, que lhe é garantida por meio do reconhecimento da norma pelos seus destinatários e deve ser aplicada pelos tribunais aos casos concretos. Um conceito imprescindível de seu estudo é o de norma fundamental, que autoriza o poder constituinte/originário a colocar uma Constituição. Refere-se não a uma norma posta, mas sim pressuposta, não de autoridade, mas de pensamento e sem materialidade, mas com formalidade, uma vez que o conteúdo é mutável no tempo. Pode-se pensar em uma regulamentação positiva, com norma contida na ordem jurídica, e em regulamentação negativa, que indica que tudo o que não é proibido é permitido. O valor da norma para Hans Kelsen se solidifica em sua existência, aplicação e produção de consequências jurídicas, tendo a juridicidade adquirida através de ordenamento preexistente e inexistindo um poder normativo sem norma que o autorize.
Para Norberto Bobbio, a compreensão de norma segue uma das características do positivismo: o entedimento de normas dispostas em um ordenamento, para o qual, o requisito consiste em integrar mais de uma norma. As normas que o compõem subdividem-se em normas de conduta, que regulam o comportamento humano e normas de estrutura, ligadas à produção de normas de direito. Bobbio afirma que não é possível existir um ordenamento com várias normas de estrutura e apenas uma de conduta, dada a complexidade humana, mas é possível haver um ordenamento com várias normas de comportamento e somente uma de estrutura. O ordenamento pode ser de dois tipos: simples ou complexos, sendo que no primeiro, as normas derivam do poder constituinte e em ordenamentos complexos, que se traduzem na maioria dos ordenamentos, infere-se a construção histórica do ordenamento. Para isso, o autor afirma que os ordenamentos não nascem em um deserto, mas sim circundados de outras ordenações normativas. O ponto central da obra de Bobbio é a identificação de problemas de unidade, de coerência e de completude do ordenamento. Antes de adentrar em cada um, é necessário atentar-se às fontes, que podem ser reconhecidas à medida que recepcionam normas já produzidas por ordenamentos, e delegadas, que delega a produção de normas a outros poderes e órgãos. Sobre a unidade do ordenamento, pode-se pensar no modelo da pirâmide escalonada formal com normas de diferentes cargas normativas (superiores e inferiores). O poder constituinte se manifesta das seguintes formas: assembleia (cidadãos em exercício de seus poderes assumem o posto de constituintes sem vínculos partidários, o que muito se aproxima de uma democracia, visto que após a Constituição entrar em vigor, a assembleia se dissolve); congresso (agreagação de constituintes com vínculo partidário e cumprimento de mandatos, há uma caracterização política, os congressistas mantêm-se no poder acumulando funções legislativas); golpe (uma fração do poder toma o poder em completude) e revolução (libertação da sociedade, o povo toma o poder para si). Em relação à coerência do ordenamento, verifica-se que um ordenamento que contém contradições e normas incompatíveis entre si constitui um ordenamento incoerente, e a relação entre a incompatibilidade de duas normas recebe o nome de antinomia jurídica. Para que haja uma antinomia, é necessário que as normas pertençam ao mesmo ordenamento e ao mesmo âmbito de validade, que pode ser temporal, espacial, material e pessoal. Existem 3 concepções de sistema: indutivo (típico do direito positivo moderno: particular – geral); dedutivo (típico do direito natural: geral – particular) e o sistema de coerência dos elementos.
Diante disso, revelam-se as operações de resolução das antinomias: interpretação abrogante (o juiz exclui uma das normas incompatíveis), duplamente abrogante (o juiz exclui ambas as normas) e mantém as duas normas entendendo que uma delas é decorrente de má interpretação, que é a operação mais comum. Pode-se citar os três critérios de resolução das antinomias: cronológico, hierárquico e o da especialidade. Quando estamos diante de duas normas incompatíveis, estamos diante de uma antinomia de primeiro grau. Contudo, também pode existir um conflito entre dois critérios de resolução. Nesse caso, estamos diante de uma antinomia de segundo grau: cronológico x hierárquico = prevalece o critério hierárquico; cronológico x especialidade = prevalece o critério da especialidade. Podemos concluir então que o critério cronológico é fraco, uma vez que se fosse forte, a evolução do direito seria vã e ele estagnaria. Já o conflito entre dois critérios fortes (hierarquia x especialidade), não há definição, e a norma prevalece por razões políticas. Por fim, a completude do ordenamento diz respeito à existência de uma norma que regule cada situação específica. Caso não haja tal norma específica, estamos diante de uma lacuna, que pode ser própria, quando ela realmente existe, ou imprópria, quando é fruto de uma comparação entre um sistema real e um ideal. O positivismo insiste no dogma da completude enquanto responsabilidade do Estado, não admitindo suas falhas. Nisso se segue a ideia de espaço jurídico vazio em que a vida não se regula pelo direito e tudo é permitido. Visando à solução de lacunas apresentam-se dois métodos, o da heterointegração, que busca recursos fora do ordenamento para a resolução das lacunas. Como exemplos, pode-se mencionar os costumes (regras de natureza social e moral), a jurisprudência (decisões pelos tribunais) e a doutrina (elaboração teórica sobre as normas). O outro método é o da autointegração, que busca recursos dentro do próprio ordenamento jurídico em questão. Tais recursos podem ser: analogia (aplicação da lei em casos análogos), interpretação extensiva (estende-se a lei para alcançar o fato), e aplicação dos princípios gerais do direito (normas gerais que podem ser implícitas ou explícitas e integram o ordenamento em vigor).
Disciplina: Teoria do Direito I