O QUE NÃO NOS CONTARAM SOBRE AS LEIS.

Este pequeno artigo traz uma visão que contrapõe o que o sistema educacional básico, universitário, midiático e senso comum nos ensinou no que se refere às leis, no intuito de desenvolvermos algo que nos foi impedido desde o início da nossa jornada no sistema educacional formal, nosso senso crítico.

Falaremos brevemente e de maneira genérica sobre as leis que nos regem, que nos norteiam, que definem nossas condutas, que nos obrigam, que nos punem, e o principal, falaremos do que não nos contaram sobre estas leis. Ao final, vendo o que sempre nos falaram e o que não nos falaram, a conclusão do leitor será calcada sobre fundamentos mais fortes. Este é o intuito.

Para chegarmos ao que não nos contaram, vamos brevemente falar do que nos ensinaram e nos ensinam sobre o que é o direito. Nós brasileiros vivemos em um sistema presidencialista, disso sabemos, e nesse sistema possuímos um Congresso Nacional, a casa das leis, formado por agentes públicos (Deputados e Senadores) colocados ali por nós, nossos votos, que legislam, isto é, que criam e aprovam leis, leis estas que regem nossos comportamentos, trazendo condutas e sanções para nós cidadãos.

E esse direito que nos rege, conforme aprendemos, é um conjunto de normas que tem por objetivo trazer paz e justiça social para a sociedade, regendo as relações cíveis.

SISTEMA EDUCACIONAL E UNIVERSITÁRIO

Falando um pouco sobre nosso sistema de ensino, no campo do Direito, como alunos, a faculdade nos ensina a conhecer leis, decorar seus números, repetir seus artigos, sermos objetivos nas provas e por fim, como cidadãos, OBEDECER.

A didática é a mesma do ensino educacional básico formal. Observe bem. Desde a educação básica nas nossas escolas, não somos ensinados a contestar, a discordar, a sugestionar. Temos uma educação robótica, em que devemos decorar, sermos objetivos e obedecer ao que a grade curricular manda, só assim passaremos de ano, e ao final, orgulhosos, receberemos o nosso diploma de obediência.

Enquanto isso, o nosso sistema midiático, cultural e burocrático reforça diariamente tal afirmativa para o cidadão: quanto ao sistema e as leis, devemos apenas obedecer, nunca questionar.

Assim, da educação básica às especializações somos presos ao que o sistema nos impõe e não percebemos. Dessa forma, formam -se cidadãos que não debatem, que não sugerem, que não argumentam, que não discutem, enfim, cidadãos sem senso crítico, treinados e adestrados apenas para obedecer e propagar ideias escolhidas por uma classe de burocratas, que veem todos que pensam diferentes como inimigos.

Assim, nas escolas, aquele aluno que discorda, que sugestiona, que traz um debate que não está no material, não é visto como um destaque, como alguém competente, com uma visão inovadora, ele é visto como inconveniente, como alguém que está atrapalhando, que está saindo do parâmetro curricular, parâmetro este que diz que o aluno deve apenas reproduzir e não produzir.

Já no campo das leis, aquele que discorda, que contesta, que critica, hoje é visto como um criminoso, pois leis são apenas para obedecer e não desobedecer (mesmo sendo leis injustas).

Assim, cria-se uma unanimidade que está apenas seguindo o que uma minoria impõe, sem pensarem, sem notarem, sem perceberem, tornando-se presas fáceis.

O QUE NÃO NOS CONTARAM SOBRE AS LEIS?

Nadando contra essa maré, podemos ver a verdade real e não apenas a formal. Se dê essa chance e tire sua conclusão.

O que não nos contaram foi que as leis nada mais são do que a ideologia da classe que as elabora. Observe.

A classe eleita, que é minoritária em número, porém mais poderosa, impõe para a maioria, a população, o que o setor dominante considera servir aos seus interesses econômicos.

Assim, a lei vai ter na verdade duas funções que não lhe contaram, que são manter os dominadores no mando e a subordinação daqueles que sofrem a opressão.

As leis não refletem necessariamente o direito, como querem que pensemos, mas sim a ideologia da classe politicamente dominante. Marx citou que “O direito é a vontade, feita lei, da classe dominante.” Ou como citou Trasimaco, “as leis são fruto do poder arbitrário dos detentores do poder, que as editam em função de seus interesses.”

Certo, mas pode-se argumentar que nem todas as leis servem de instrumento de opressão e que há leis feitas no interesse do oprimido. Sim, há. Mas pergunte-se: esta é a regra? Leis que servem aos oprimidos? Não seriam apenas paliativos criados por pressão social ou para justificar que não são opressores, visando, assim a mantença no poder? Não estão apenas concedendo no periférico para manter no essencial?

Não há neutralidade, não há imparcialidade como nos ensinaram. A lei está definitivamente comprometida com aqueles que estão no poder, e temos aqui alguns exemplos.

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Nas ações de busca e apreensão, o juiz obrigatoriamente concede liminares sem que se ouça o réu. A quem uma lei assim serve? Às instituições financeiras.

DIREITO PENAL – SELETIVIDADE ENTRE RICOS E POBRES

No direito penal a ideologia dominante mostra-se a nu. Vejamos:

Nos dizem os livros e o sistema que a lei penal criminaliza comportamentos que ofendem a moralidade média. Mas será verdade?

O que causa mais ofensa?

A ofensa a honra? (Injuria); A ofensa ao corpo (Lesão leve), ou a ofensa ao patrimônio (uma pessoa que com violência e grave ameaça subtraia um relógio – roubo).

É evidente que a ordem de desagrado neste exemplo é em primeiro lugar a honra, após o corpo e depois o patrimônio. Agora observe as penas?

Contra a honra (detenção de um a seis meses ou multa. Art140).

contra o corpo (detenção de três meses a um ano art.129)

contra o patrimônio (reclusão de quatro a dez anos. Art.157).

Agora responda: quem pratica o roubo de um objeto móvel? O rico ou pobre? É o pobre.

Já os outros dois delitos (honra e lesão leve), os não pobres praticam.

Para quem foi feito o dispositivo legal com tamanha pena?

Outro exemplo para fixarmos: imaginemos o mesmo delito de roubo de um relógio, mas agora comparando com uma invasão de um imóvel para tomada a força.

Os crimes são praticamente idênticos, só diferem que em um o objeto é móvel, noutro é imóvel.

Para o dono e qualquer pessoa, um imóvel tem mais valor do que um bem móvel, certo? Então o imóvel deve ser mais protegido pela lei, mas não é.

Veja: art. 157 Roubo de bem móvel – quatro a dez anos.

Art. 161 – invasão de um imóvel – um a seis meses.

Ora, quem subtrai um bem móvel é o pobre, já o esbulho de um imóvel, é coisa de rico. O que se conclui é que há hoje legisladores, e chefes de executivo na defesa direta de movimentos invasores de terras, como é o caso do MST (movimento sem-terra), mas o cidadão leigo continua achando que a lei é justa, imparcial e compromissada com a justiça.

DIREITO DO TRABALHO – MANTENDO A OPRESSÃO

Vamos agora para o direito do trabalho. Existe direito do trabalho mesmo? Para existir direito do trabalho deveria haver antes direito ao trabalho, o que inexiste.

É direito do trabalhador receber misero salário mínimo? É evidente que não. É direito/vantagem do patrão em pagar tão pouco.

O que se falar da prescrição quinquenal nesta área? Veja leitor, todos sabemos que existem patrões que não pagam horas extras, e se o seu empregado lhe cobra é despedido, só reclamando-as depois que ocorre a despedida, no judiciário.

Mas se ele trabalhou dez anos e durante todo esse tempo fez horas-extras, só pode reclamar os últimos cinco. Esta é a chamada prescrição quinquenal. O juiz sabe que acontece isso, tem ciência da exploração, mas nada pode fazer. E o fundamento é a segurança, a paz social, mas que segurança e paz social é essa que estão fundamentadas no roubo legal e na exploração?

DIREITO – UM MEIO DE DOMINAÇÃO E NÃO GARANTIA DE JUSTIÇA

Fechner já dizia: “Somente para os desafortunados é que a ordem jurídica se torna problemática. Para eles, essa ordem é exclusivamente produto do arbítrio dos poderosos.”

Sem uma visão crítica, um estudo verdadeiro, seremos juízes, promotores, advogados, cidadãos inconscientes desta opressão. Inocentes úteis de um sistema que é desumano, entregues a um sistema educacional, universitário, midiático, que há muito perderam a sede pela verdade, e o pior, se tornaram instrumentos deste mesmo sistema de dominação, comprometidos em fazer todos crer que a lei é inquestionável, que devemos conhece-la mais e mais, porém não a criticar.

Vemos que o que o nosso judiciário faz é apenas legitimar o injusto, quando deveria estar a serviço da justiça. O judiciário segundo Dallari apenas esconde o legislador, o verdadeiro interessado, cabendo ao judiciário fazer um papel sujo, pois é quem garante a efetivação da injustiça.

Isso faz com que o povo perca a confiança nas instituições. Basta lembrarmos da citada prescrição quinquenal. A sua aplicação gera instabilidade. Instabilidade criada pela aplicação de uma lei injusta.

Marilena Chauí traz uma lição: “Numa sociedade de classes, a ordem não é a organização social dos mores ou do sentimento do direito, como não é o jogo fluído do proibido e do permitido, mas é a ordenação da sociedade pela classe dominante e pelo Estado, de tal modo que a ordem é o controle social, dominação política, sujeição ideológica, exclusão cultural, coerção psíquica e física, numa palavra, violência”.

A ACEITAÇÃO DAS LEIS SEM CONSTESTAÇÃO GERA OPRESSÃO

Limonge França diz que em caso de lei flagrantemente injusta, é cabível a resistência direta e até violenta. O mesmo argumento serve para o respeito ao regime: que respeito merecem o regime sul africano, as ditaduras do irã, da Venezuela, de cuba?

A Bíblia no que se refere aos deveres dos juízes, diz: a justiça seguirás, somente a justiça, para que vivas, e possuas em herança a terra que te dá o Senhor teus Deus” (Deuterômio 16, 20)

Santo Agostinho ensina que sequer deve ser considerado lei o que não for justo, mas, sim corrupção dela. Noutro momento Agostinho afirma: “Sem justiça, o que é o Estado senão um bando de ladrões?”

Platão esclarece que a verdadeira lei é somente a justa e não a injusta, ainda que os ignorantes tenham esta última como lei”. Guilherme de Ockham aduz que “toda a lei civil que contradiz a razão divina ou a razão revelada, não é lei”, razão por que não se deve obedecê-la.

Na mesma linha Denis Loyd “a lei sem justiça é uma zombaria, senão uma contradição” Couture: “Teu dever é lutar pelo direito. Mas no dia que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta por justiça” Jose Maria Rosa Tesheiner ensina que se deva fazer justiça apesar da lei;

É necessário ao juiz negar vigência a determinada lei, quando sua aplicação no caso concreto não é justa. O que se deve prevalecer é a justiça, e deve o juiz corrigir a lei ou declara-la inaplicável, não implicando uma sentença contra a lei, mas analisando o contexto dos demais valores sociais.

A aplicação automática da lei, como nos é ensinado, nada mais é do que uma forma de aprisionar o juiz, todos os participantes do processo e toda a sociedade. Esse ensino serve apenas às classes que elaboram as leis, pois fazem dos juízes um mero e frio aplicador do direito positivo, e do cidadão um escravo que não pensa, que só acata e só obedece.

Para aqueles que discordam da adoção desse senso crítico com relação as leis, e que defendem sua aplicação sem questionamento, uma pergunta: qual a situação penal dos criminosos nazistas que cometeram atos horrendo sob a proteção das leis de Hitler? Deveriam eles serem condenados ou não? A humanidade disse que sim, a hermenêutica disse que não.

A JUSTIÇA VEM DO CASO CONCRETO E NÃO DE LEIS PRÉ - CONCEBIDAS

Na apreciação do caso concreto não se pode partir de regras pré-concebidas para definir os critérios de justiça. O justo está no compromisso com a maioria do povo, que na maioria são os explorados, que não detém o poder real, nem o formal.

O que é justo deve ser buscado dentro do conflito real, e por isso não acontecer, a justiça tem sido alvo de crítica como tendo por finalidade servir aos poderosos. Dallari conta de sua experiencia com uma favelada, que dizia: “O senhor está falando de direito, de justiça, isto é muito bonito, mas isto não é para nós. Isso é coisa para os ricos”.

O ideal é que o legislativo, executivo e o judiciário sejam conscientes e comprometidos com a maioria do povo, que tenha poderes e deveres para tornar a igualdade das partes no processo não apenas formal e aparente, mas efetiva e válida, buscando no caso concreto quem é o opressor e quem é o oprimido, abrindo mão assim da mecânica do sistema, que requer menos trabalho e não leva ao doloroso exercício do pensamento.

A opção pelo oprimido requer que se negue a lei com alguma frequência; que se questione o sistema como um todo; exige-se competência, porque demanda estudo profundo, faz-se necessário que se conheça a realidade social, o povo.

Portanto, obedecer cegamente, sem questionar, criticar, é tudo que o sistema quer de nós, tanto para os servidores que irão executar os comandos, como para as partes que serão atingidas por sentenças fundamentadas em leis pré-concebidas, que não trarão justiça. Então cabe a nós acreditarmos em tudo que o sistema midiático, educacional, cultural, universitário nos impõe, e sermos seus escravos úteis ou buscarmos o que eles não nos mostram, para mudarmos a realidade e concretizarmos o que tanto ansiamos. É esta última que buscamos com este artigo, desejando que você leitor faça parte dos que nadam contra esta maré, que é forte, que é alta, mas que não é invencível. No final veremos, que com a resistência dos bons, com a força dos justos, com o sacrifício genuíno daqueles que acreditam, o bem vencerá. Acredite.

Até breve.

BIBLIOGRAFIA

O imbecil coletivo: atualidades inculturais brasileiras/ Olavo de Carvalho.- 1º ed. – Rio de Janeiro: Record, 2018.

Magistratura e Direito alternativo: Amilton Bueno de Carvalho. – 3º edição. – LUAM, 1996.

Thiago L Alves
Enviado por Thiago L Alves em 27/10/2022
Reeditado em 27/10/2022
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