O descumprimento ao princípio da presunção da não-culpabilidade gera a superlotação nos presídios brasileiros.
Inicialmente é importante destacar ser impossível falar sobre o sistema prisional brasileiro e a expansão da população carcerária sem antes expor o que de fato é uma sanção penal. A pena é uma consequência jurídica imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal, isto é, quando o agente delituoso comete um fato típico, antijurídico e culpável, o Estado abre a possibilidade de fazer valer o seu ius puniendi, desde que sejam respeitados os princípios fundamentais.
O Brasil passou por uma lenta e longa evolução até a promulgação da Constituição da Repúbica Federativa em 1988 e um dos principais objetivos dessa aprovação foi proibir a cominação de penas que pudessem ofender a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, vários pactos foram realizados entre as nações, visando principalmente erradicar do ordenamento jurídico qualquer tipo de tratamento degradante e o maior exemplo, indubitavelmente, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial. Todavia, a superlotação no sistema carcerário brasileiro revela um dos maiores retrocessos para o alcance desses valores que foram estabelecidos na declaração universal dos direitos humanos, uma vez que esse gargalo social fere diretamente o Princípio da não-culpabilidade elencado no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, qual seja:
Artigo. 11 - 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Contudo, de acordo com as pesquisas do Conselho Nacional de Justiça e do Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres, o Brasil em 2014 possuía cerca de 200.000 detentos em prisão preventiva e em 2020, 682 mil presos provisórios. Ora, a prisão preventiva é uma prisão cautelar anteriormente conhecida por não ter prazo e mesmo com as mudanças ocorridas com a aprovação da Lei 13964/19 - Lei Anticrime, que devem fundamentar a necessidade do preso permanecer na prisão preventiva, levantamentos estatísticos do Supremo Tribunal Federal indicam que o principal tema para a concessão de Habeas Corpus no STF é exatamente a falta de fundamentação da decisão que implementou a prisão preventiva; em 2018, a falta de fundamentação foi responsável por 20% dos deferimentos e em 2019, mesmo com a aprovação da Lei Anti Crime, a falta de fundamentação da prisão foi responsável por 22% dos deferimentos em sede de Habeas Corpus na Alta Corte. O que isso significa? Significa dizer que o Estado, representado jurisdicionalmente pelo Poder Judiciário, arbitrariamente e ilegalmente viola o Princípio da Presunção de Inocência, ou melhor, vilipendia o Princípio da Não-culpabilidade esculpido da Declaração Universal dos Direitos Humanos e tem executado a prisão preventiva como prisão definitiva, fazendo com que indivíduos percam a sua liberdade sem que as garantias necessárias para sua defesa sejam respeitadas, entre elas, o esgotamento de todos os recursos até a sentença penal transitada em julgado.
Portanto, qual a consequência direta do desrespeito à estes importantes princípios? Não apenas o crescimento da disfuncionalidade do sistema prisional brasileiro e a sua superlotação, mas a bestialização de seres humanos e o atentado contra a dignidade da pessoa humana.